Conheça a opinião dos associados e das associadas do Coletivo sobre diversos temas que dialogam com a atuação do Ministério Público dentro da realidade social brasileira.
O Coletivo Transforma MP enviou uma petição ao Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Luciano Oliveira Mattos de Souza, com a finalidade de solicitar a apuração de eventuais crimes e adoção de medidas preventivas contra intolerância política.
O caso apresentado no documento diz respeito ao ataque que a deputada Lúcia Marina dos Santos e seus companheiros sofreram no último sábado (12) durante uma reunião que ocorreu em Nova Friburgo. De acordo com vídeos divulgados pela internet, Lúcia Marina e militantes foram agredidos fisicamente e verbalmente após a disseminação de notícias falsas sobre a reunião.
De acordo com o Coletivo foram praticados os crimes: Injúria qualificada, constrangimento ilegal; perseguição, todos com aumento de pena, além de incitação ao crime.
A entidade pediu ao Procurador-Geral a abertura de procedimento investigatório Criminal (PIC) e a abertura de procedimento administrativo (PA) para que medidas cabíveis sejam adotadas em face dos responsáveis.
A hora mais escura é quando vai amanhecer (Provérbio sefardita)
As recentes greves gerais realizadas na França contra a reforma da previdência ocuparam espaço relevante no noticiário nacional . Não é a primeira vez que os franceses usam esse instrumento para protestar contra políticas econômicas e sociais do Governo. E o mesmo ocorre na Itália, por exemplo . No Brasil, ao contrário, tais greves têm sido consideradas ilegais pela jurisprudência majoritária dos Tribunais Trabalhistas. Basta pesquisar em motores de busca na rede mundial de computadores as palavras “greve abusiva” ou “greve ilegal” para encontrar inúmeras decisões judiciais nesse sentido. Foram declaradas abusivas, por exemplo, greves realizadas em 2017 contra as reformas trabalhista e previdenciária . Até mesmo uma greve de funcionários de empresa estatal contra demissões foi considerada política . Mas por quê?
A Constituição Federal de 1988, ao contrário das anteriores, conferiu grande amplitude ao direito de greve, prevendo que cabe “aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.
A greve é reconhecida como um direito em diversos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, como a Carta da Organização dos Estados Americanos – OEA, o Protocolo de San Salvador e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição é reconhecida pelo Brasil desde 1998, há três categorias de greves: as trabalhistas, que buscam melhorar as condições laborais ou de vida dos trabalhadores; as sindicais, que veiculam as reivindicações coletivas dos sindicatos; e as que contestam políticas públicas. A mesma Corte adverte que a legalidade é um elemento central para o exercício do direito de greve, de modo que as condições e requisitos para considerá-la lícita não devem ser complexos a ponto de inviabilizá-la na prática .
A Corte Interamericana também considera lícita a greve de solidariedade, que é realizada em apoio às reivindicações de trabalhadores de grupo ou categoria distinta. Adota, assim, o conceito de greve do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho – OIT , que também considera lícitas as greves políticas e de solidariedade .
No Brasil, ao contrário, a Justiça do Trabalho tem apresentado posicionamento majoritário pela ilicitude de tais greves, pelo fato de não veicularem reivindicações que possam ser atendidas diretamente pelo empregador por meio da negociação coletiva. Ademais, tem exigido a observância de uma série de requisitos para a validade do movimento paredista, por vezes com base na própria Lei de Greve (Lei n. 7.783/89), o que vai de encontro à amplitude do direito assegurado pela Constituição Federal e pelos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. A necessidade de observância desses tratados e da jurisprudência da Corte Interamericana, bem como do controle de convencionalidade das normas internas -, entre as quais, a Lei de Greve -, foi reafirmada em recentes Recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) .
A greve foi e tem sido a grande arma dos trabalhadores e dos sindicatos para criar direitos e torná-los mais eficazes, e não apenas para fins trabalhistas, mas para a promoção das classes oprimidas em geral. Por isso, as leis estão sempre tentando capturá-la, e ela sempre buscando fugir . A greve evidencia que, sem os trabalhadores, responsáveis pela produção da riqueza, o empregador se torna impotente, sendo este o seu maior medo. É por isso que os donos dos meios de produção pressionam o Estado por reformas legislativas e decisões judiciais que diminuam a força dos sindicatos, minem os direitos trabalhistas e esvaziem o direito de greve , além de promoverem a demonização dos movimentos paredistas nos meios de comunicação. A própria legalização da greve foi uma forma de controlá-la e limitá-la, pois, como já advertia Bernard Edelman, a greve é operária, o direito de greve é burguês. Em países com democracia mais consolidada e desenvolvimento socioeconômico mais elevado, como França e Itália, as greves não são objeto de proibições e restrições excessivas pelo Estado, sendo também aceitas e até apoiadas pelo conjunto da sociedade. A hostilização das greves no Brasil contribui para a fragilização da democracia e o aprofundamento das desigualdades.
Lorena Vasconcelos Portoé Procuradora do Trabalho. Membro do Coletivo Transforma MP. Doutora em Autonomia Individual e Autonomia Coletiva pela Universidade de Roma “Tor Vergata”. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MG. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Roma “Tor Vergata”. Professora Convidada da Universidade de Lyon 2 (França), do Mestrado em Direito do Trabalho da Universidad Externado de Colombia e da Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Nesta quarta-feira (16) o Ministério Público de São Paulo juntamente com a Defensoria Pública protocolaram uma Ação Civil Pública (ACP) contra a decisão do governo do estado de São Paulo de ficar de fora do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
Em coletiva de imprensa realizada na última semana, o secretário estadual de Educação, Renato Feder, alegou que os estudantes da rede pública não acessam os livros didáticos disponibilizados nas escolas. Para os autores da ação, a decisão do estado de São Paulo de não aderir ao PNLD para anos finais do ensino fundamental fere os princípios da gestão democrática do ensino público, da liberdade de ensinar, aprender e pesquisar e do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas.
As instituições também destacaram a necessidade da participação do magistério e dos Conselhos de Escola nas deliberações sobre escolhas de recursos didáticos e progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa às unidades escolares.
Após decisão da Justiça, a Secretaria da Educação de SP afirma que voltará a aderir ao PNLD.
Os integrantes do Coletivo Transforma MP, Fernanda Peixoto, Bruno Orsini e João Faustinoni, que compõem o Grupo de Atuação Especial de Educação (GEDUC), foram uns dos responsáveis pela ACP por parte do MPSP.
O Coletivo Transforma MP recebeu uma Moção de Reconhecimento destinada a entidades jurídicas e sociais que lutam pela democracia, pelos direitos humanos e por uma sociedade mais justa.
A cerimônia foi organizada pela vereadora do Rio de Janeiro Luciana Boiteux e ocorreu nesta nesta sexta-feira (11).
O Coletivo foi representado pela Promotora de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, Érika Puppim, que durante sua fala ressaltou que de nada adianta o MP “defender uma sociedade” que é machista, racista, e genocida com a população negra, jovem e periférica. Outro fato abordado por Puppim foi a necessidade do Ministério Público assumir sua missão constitucional no que tange o controle externo da polícia para evitar que mais mortes ocorram diariamente, como a tragédia da última semana que matou o menino Thiago Menezes Flausino, na Cidade de Deus.
Para o cidadão comum bem informado, associar a palavra ‘Constituição’ ao texto constitucional, serve para reforçar o caráter normativo dela.
1.Breves anotações sobre a ideia de Constituição
Um dos temas que mais amplia os estudos e debates no âmbito da teoria constitucional está relacionado à plurivocidade do termo Constituição, o qual, na Grécia Antiga, fora definido por Aristóteles como “o modo de ser de um povo” expressão da politea, assim se mantendo por muito tempo. A partir da Revolução Francesa (1789) o termo passa a adquirir uma forte conotação político-ideológica, sendo associado ao marco de um Estado que se organiza em torno da vontade popular consignada numa declaração de direitos e deveres do cidadão. Historicamente isso pareceu concretizar o ideal democrático de viés liberal facilitado pelo dogma da tripartição de poderes do Estado no exercício das funções executiva, legislativa e judiciária em relação às quais se impõem limitações recíprocas para serem mantidas em um estado de equilíbrio e, assim, conferir a estabilidade desejada ao poder do Estado.
Considerando a proeminência que a declaração textual de direitos e deveres do cidadão assumiu no processo histórico revolucionário do século XVIII, na França, mas não apenas nesse século e tampouco só na França, os direitos dos cidadãos se tornam parte irrenunciável do conceito de Constituição, o que, mais tarde, abre caminho para reivindicar um sentido normativo dos direitos que se incorporam ao texto constitucional definidor da organização política de um país cujo governo esteja comprometido com a vontade popular.
Progressivamente outros eventos históricos ligados ou não às revoluções liberais também contribuíram para conferir à Constituição um sentido normativo, passando a considerá-la como a Lei Maior do país. Ou seja, uma lei em relação à qual todas as demais obrigatoriamente com ela devem se compatibilizar, sob pena de em não o fazendo serem invalidadas no interior da ordem jurídica. Nessa perspectiva, a forma escrita se torna predominante na apresentação da Constituição. Mas isso comporta exceções. A mais relevante das exceções de Constituição não escrita, baseada predominantemente no costume, é a do Reino Unido onde, embora se declare a Constituição como um plexo de costumes de caráter vinculante ao qual se incorporam também leis escritas seculares, o país há poucos anos investiu numa estrutura de Corte para se ocupar da força normativa dos seus costumes. Certo é, então, que a ideia de supremacia da Constituição escrita ou costumeira e, por conseguinte, da sua desejável força normativa, se torna inconteste.
No entendimento do cidadão comum medianamente informado, no Brasil e alhures, associar a palavra ‘Constituição’ ao texto constitucional, parece também servir para reforçar o caráter normativo dela. Ter esse texto sob a forma escrita torna-o palpável para exigir o seu cumprimento. Assim, a importância da ideia de ter uma constituição escrita define com clareza para nacionais e estrangeiros, os contornos do Estado, os direitos a serem respeitados e os limites de exercício de poder do governo.
Apesar dos variados enfoques teóricos que exploram a plurivocidade do termo Constituição explicando-o sob um ponto de vista exclusivamente jurídico, político, sociológico ou cultural- dialético, todos eles, a rigor, não se distanciam daquilo que disse Aristóteles. Tudo converge para a compreensão do que é “o modo de ser de um povo”.
Nos tempos atuais, a normatividade do texto constitucional é o que há de mais precioso para garantir a estabilidade política de um país, servindo como um filtro que decanta eventuais abusos e conflitos entre os poderes do Estado representados por suas mais altas autoridades e, ademais, serve como uma plataforma de compromisso para a concretude dos direitos da população. A normatividade da Constituição, na verdade, serve como valioso argumento para neutralizar conflitos desagregadores da vida nacional e legitimar medidas legais que demandam a denominada “violência simbólica do Estado” para manter íntegra a ordem jurídica naquilo que contempla o bem-estar, o respeito e a dignidade da maioria do povo. A maior contribuição sobre a importância da supremacia normativa da Constituição advém da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen que concebeu esse aspecto como um dogma, inaugurando com rigor uma abordagem do Direito denominada de Dogmática Jurídica.
Sob essa perspectiva, é que as Cortes Constitucionais surgem como locus privilegiado para afirmar o sentido do texto constitucional que é, em certa medida, menos abrangente do que as normas constitucionais[1]. Embora esse assunto suscite questionamentos infindáveis e pertinentes, por vezes até muito incômodos, outras vezes temerários, a ideia das Cortes Constitucionais encarregadas de interpretar e fixar o sentido do texto aparece até o momento insuperável porque, ainda, não se inventou um Estado que consiga funcionar a contento, sem atuação dessas Cortes, em situação de crise política e /ou jurídica. No BR, o STF, que acumula várias competências jurisdicionais, exerce também a função de Corte Constitucional conferindo uma interpretação ao texto que permita fazer valer a normatividade dele.
Num sentido metafórico, a palavra Constituição e sua força normativa está na boca de todos, mas pouca gente tem paladar para saboreá-la no ponto ideal. Para uns ela é doce; para outros, salgada; para tantos outros, amarga. E ela pode ter todos esses sabores, sendo todos eles aceitáveis porque, antes de qualquer coisa, a Constituição como Lei Maior do país é um alimento necessário para a vida política e é dele que se pode extrair os nutrientes saudáveis para o corpo social. Por isso a Constituição será tanto mais apreciável em virtude dos ingredientes usados na sua feitura.
2.Um pouco dos antecedentes históricos
No caso do Brasil, critique-se o que se quiser na Constituição de 1988, que, aliás, já passou por sérias modificações desde a sua promulgação, mas dela não se pode retirar a áurea histórica de luta a favor da democracia. Ela surge como um sonho que no Brasil fora adiado por mais de 21 anos, tempo durante o qual o país vivia sob um sono profundo de horror e o desejo de sair dele. Ao longo desse tempo, o país acordado, vivia um pesadelo; dormindo, tinha um sonho encantador que se desvanecia quando a manhã chegava.
Foi nesse interregno entre o sono longo e perturbador e um acordar efusivo que o texto constitucional de 1988 nasceu, trazendo na sua face a beleza dos Direitos Fundamentais e na garganta o art.142. Na atualidade, a democracia tão duramente construída e tão precariamente vivida deparou-se – e ainda não se livrou – da ameaça constante do art.142 cujo texto sujeito a maldosas interpretações, dispõe:
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por inciativa, de qualquer destes, da lei e da ordem.
Esse dispositivo constitucional, realmente, é um espinho na garganta da democracia brasileira!
Melhor seria que o texto constitucional de 88, que representou o fechamento de um ciclo de governos autoritários liderados por militares, não existisse com esse conteúdo. Melhor seria não mencionar as Forças Armadas que engrossam seu efetivo com as polícias militares dos estados, consideradas como suas forças auxiliares e que no cotidiano de vida local dispõem de uma parcela de policiais encarregada de amedrontar a população civil. Melhor seria que em vez dessa previsão expressa de submissão das Forças Armadas ao Presidente da República, o qual, na prática, tem que atuar sozinho em relação a elas, ‘confrontando-as sem se confrontar’, tivesse sido prevista uma Justiça de Transição para fazer os militares responderem pelos crimes por eles cometidos durante a ditadura, quando estiveram formalmente chefiando o Brasil. Melhor seria com a Justiça de Transição inibir os que se veem hoje tentados a repetir o passado até numa versão muito pior. Melhor seria…
É desejável que nos livremos, de uma vez por todas, do receio e da vergonha de sermos governados por porta-vozes das FFAA e, ainda, de suportar a convivência com parcela degenerada delas, movidas apenas por ambição de poder e idiossincrasias, em completo desprezo ao texto constitucional de 1988.
Mas a História não é exatamente como se deseja, ela é sempre um processo que assume diferentes formas e velocidades, movendo dialeticamente as engrenagens sociais e as instituições existentes. Às vezes a História é lenta demais, às vezes é veloz mas é sempre implacável, inclusive, no sentido de que nunca prescinde do povo para adquirir a velocidade possível e segura de fazê-lo chegar ao destino desejado.
No Brasil, identificam-se traços na nossa formação histórica que atestam a continuidade de uma trajetória contrastante com eventos isolados de descontinuidades. Esses traços expressam de forma muito preocupante as particularidades do nosso país, ampliando as incógnitas sobre o futuro. De forma bem resumida, destacam-se:
a) três séculos e meio de escravidão (o tempo da infâmia!) reatualizado nas inúmeras e quase cotidianas ocorrências de descoberta de pessoas que trabalham em “condições análogas a de escravos” e a ignóbil prática do racismo; b) longo período monárquico que projetava a herança da monarquia portuguesa em solo brasileiro, sem um rompimento verdadeiro de laços com a metrópole, reatualizando o sentimento traduzido pela expressão “complexo de vira lata” e bem fortalecido pela sabujice dos membros de parcelas privilegiadas da sociedade; c) surgimento de uma oligarquia agrária, entusiasta do “progresso” feito por meio da grilagem de terra, com extermínio indígena e devastação florestal, refratária a um projeto de reforma agrária que permita uma distribuição das riquezas que o país produz e das que poderia explorar. Uma oligarquia saudosa dos “Tempos do Imperador” que também se mostra insatisfeita e traidora c quando sofre um mínimo de restrição quanto aos seus objetivos e d) criação de uma Guarda Nacional (1831) convertida, posteriormente, em força de segurança (1918) assim como a formação de um Exército[2] cuja atuação esteve sempre associada aos economicamente poderosos contra a população civil.
Somados, todos esses fatos fizeram com que o país em vez de banir o autoritarismo como regra para o exercício do poder que se manifestava em favor das classes abastadas contra o restante da população, passasse a cultivá-lo, em detrimento, portanto, de princípios democráticos voltados à igualdade na distribuição das riquezas e à liberdade permeada por diálogos transparentes e criadores de consenso a serem vivenciados com a devida responsabilidade.
Ora, o apoio incondicional de forças armadas, por exemplo, à classe hegemônica do passado e perpetuada no tempo foi talvez o mais relevante elemento para firmar no horizonte do país o modelo de poder autoritário. Um poder que nega a transparência dos negócios em favor dos interesses de uma única classe social, sacrifica a vida da população civil brasileira e ainda lhe sequestra a dignidade.
Vale lembrar que forças armadas atuaram decisivamente na destituição do Imperador (1889) em virtude do desgaste de sua autoridade junto às oligarquias para, então, proclamar a República. Embora, conceitualmente, a República seja definida como coisa pública, algo do interesse do povo e sob o domínio deste, no solo brasileiro, ela vingou originalmente apenas como argumento para fazer prevalecer o interesse das classes dominantes contra o povo, o qual, diga-se de passagem, também durante o Império não foi protagonista da História nacional, apesar da resistência e vitórias inesquecíveis em algumas batalhas. Enfim, a República brasileira nasceu deformada em relação aos ideais da forma de governo republicano e culturalmente não se livrou por completo de traços do anacronismo monárquico. Não por acaso, o título de Rei e Rainha é ainda conferido aos que se destacam nas suas atividades, indo do Rei da música ao Rei dos Pastéis.
Breve, desde 1889 a sociedade brasileira espera alcançar o ideal republicano como um solo fértil para a sua democracia, porém, a trajetória nesse sentido, como se vê, mostra-se árdua.
3. De olho no futuro sem medo das sombras do passado
Se de um lado, deve-se admitir que sofremos da falta de uma mobilização popular unificada e bem orientada politicamente para se contrapor ao interesse das oligarquias; de outro lado, é preciso reconhecer que conspirou contra essa mobilização e ainda conspiram forças muito bem armadas, tributárias de uma lógica de violência voltada à proteção do interesse de classes poderosas do ponto de vista econômico e que hoje pouco importa se são ou não classes produtivas nos limites da lei ou fora deles. O caráter colonizador subsiste nas veias abertas do país, sendo manifestado pela opressão, a exploração da força de trabalho, a segregação racial e imposição de valores hegemônicos das oligarquias forjadas no passado.
Desde 2016, quando se deu o golpe judicial-parlamentar-oligárquico e midiático contra a Presidenta Dilma legitimamente eleita e absolutamente honesta, isso ficou mais do que claro. Foi nesse momento que setores das Forças Armadas receberam o sinal necessário para retomar o papel que sempre tiveram na História do Brasil: a) o de compor o governo e assim o fizeram, a convite do ex-vice-Presidente Michel Temer; b) o de defender como legítimos os interesses dos economicamente poderosos; e o de c) servir de escudo de segurança para eles. Aliás, no passado recente, pareceu natural que essas viessem a compor o Gabinete de Segurança Institucional – tal como no Império. Enquanto isso…fora dessa estrutura formal, as forças armadas, não param de exibir “competência de ação” em desfavor de direitos fundamentais dos civis, em especial no Rio de Janeiro que esteve sob intervenção e continua sendo palco-piloto dessa performance desrespeitosa, mesmo sem uma intervenção. Uma performance que se alastra pelo país.
Diante desse retorno ao passado, numa ‘marcha à ré veloz desde de 2016’ – que tem sido alvo de alguma resistência pouco expressiva quanto aos seus efeitos – a impressão que se tem é que o Brasil se constituiu fraturado sem que a fratura tenha sido bem calcificada. Não obstante a luta dos africanos escravizados e dos afrodescendentes, bem assim da luta dos indígenas, sempre resistentes em favor dos seus direitos fundamentais, e, ainda, da adesão de vários segmentos sociais que foram se constituindo ao longo da História do país para engrossar as fileiras da resistência em busca da emancipação, assiste-se com certa descrença e repugnância um solapamento do projeto democrático de país através da presença cada vez maior de setores das forças armadas e das polícias militares, o que se acentuou desde que um capitão indisciplinado, para dizer o mínimo, chegou à Presidência como legítimo representante do poder militar no país.
Desse modo, foi ficando evidente que em vez de cumprirem um papel de luta para defender o país contra o processo de destruição e entrega de suas riquezas aos representantes de nações estrangeiras[3], parte das forças militares assume e assumiu o papel de sempre, o de ser um fator de desestabilização da democracia e violador do verdadeiro sentimento patriótico, o qual se consubstancia na defesa do povo brasileiro e do seu bem-estar conforme a promessa trazida no texto constitucional de 1988.
Tudo isso é uma obviedade já dita de várias formas e por diversas outras pessoas, nos mais diferentes espaços de comunicação desde 2016. Também é algo que foi até sinalizado por algumas outras, bem antes dessa data, lá pelos idos de 2013, 2014, em especial, quando a Lava Jato começou a espetacularizar a Justiça e criminalizar a política.
Eventos de toda ordem se sucederam no país desde então e o sentimento de retrocesso histórico, retração democrática, emergência do Leviatã, desrespeito à Constituição de 1988, foram e ainda são expressões que traduzem o espanto e a indignação de muitos cidadãos brasileiros. Pergunta-se com frequência como descemos a um patamar tão baixo de civilidade e naturalizamos o estado de ofensivas ao bem-estar, à dignidade e à vida humana?
Arrisca-se aqui a dizer que, em parte, esse espanto advém de uma incompreensão sobre a lógica que rege os acontecimentos atuais como heranças do passado e que claramente estão eivados de elementos nazifascista alardeados através de argumentos como a defesa – hipócrita – da pátria e da família e a defesa – absolutamente sincera – da propriedade, sob as ‘bençãos” das armas.
Em outras palavras, a República veste as roupas rotas do Imperador e é imperialista para dentro das nossas fronteiras, cumprindo esse papel sob os auspícios de outro Império, que é gigante e não adormece nunca porque conhece, treina e pratica bem as técnicas da desumanização que caracterizam o nazifascismo.
Vive-se assim uma correlação lógica entre os traços da nossa própria História, a geopolítica internacional e estudos de teoria constitucional que sugeriam um modelo infalível de emancipação política e conquista democrática. Os elementos de caráter sócio-cultural subjacentes ao significado do termo Constituição, em geral pouco valorizados diante do prestígio adquirido pela Dogmática Jurídica como argumento teórico da ideia da Constituição dotada de supremacia normativa e que emergiu pouco antes da Segunda Guerra Mundial, precisam ser pontuados para uma melhor compreensão da tecelagem histórica que nos envolve.
4- O simbólico e o fator real de poder
No âmbito da teoria constitucional, não é raro o uso da expressão “fator real de poder”. Isso remete ao trabalho do teórico alemão Ferdinand Lassalle que, em 1862, escreveu um opúsculo intitulado “A Essência de uma Constituição”, na tradução brasileira.
Essa expressão emerge da ideia defendida por Lassalle de que a Constituição de um país é definida como “a soma dos fatores reais de poder”. Disso decorre que a Constituição escrita pode não manter com esses fatores qualquer correspondência e, nesse caso, não passaria de uma “folha de papel”. A assertiva de Lassale é incômoda para maior parte dos juristas e fonte de desencanto para eles e para o cidadão comum. Definitivamente, a Constituição do país não pode ser reduzida a uma folha de papel, é o que alguns dizem e o que muitos outros pensam!
Sucede que Lassalle adota um conceito sociológico de Constituição, o qual difere, substancialmente, do conceito jurídico-normativo que os juristas costumam invocar para defender e afirmar a constituição escrita como referencial normativo do mais elevado nível no arcabouço jurídico do país e, por conseguinte, torná-la uma garantia de eficácia sobre a realidade na qual a negação de direitos seja praticada.
A perspectiva trazida por Lassalle, é bom que se diga, não tem a pretensão de negar a força normativa do texto constitucional, conforme ponderação feita por Marcelo Neves[4]. Ao contrário, segundo Marcelo Neves, Lassalle até sugeria (talvez desejasse) uma equiparação entre texto e norma constitucional, partindo do pressuposto de que a norma não faria parte da realidade pois que o texto talvez pudesse projetar o que se passa na sociedade, numa relação de dependência absoluta, quase mecânica. Assim, pode-se concluir que ao enfatizar que a Constituição é uma “folha de papel”, Lassalle quis apenas descortinar o que na realidade da vida de um país se passa: um desencontro entre o que está escrito no texto da constituição e as forças que atuam na sociedade.
Essa abordagem, então, para além de permitir que se busque identificar quais os fatores reais de poder numa determinada sociedade, tem também uma função didática para suscitar a tese aqui trazida: a de que, no Brasil, há “normas” estranhas ao texto constitucional com eficácia maior do que aquelas classicamente denominadas normas constitucionais. Há, portanto, uma variação na eficácia do que se considera constitucional.
No livro “A Essência da Constituição”, Lassalle identifica na sociedade do seu tempo os fatores reais de poder, dentre os quais estariam os banqueiros, burgueses, Igreja, força militar. A soma desses fatores é que constituiriam a sociedade. São, de outro modo, a Constituição do país e, nesse sentido, não estando contemplados no texto constitucional, atuam de forma a tornar a Constituição escrita uma folha de papel. Tem razão Lassalle ao falar em fator real de poder como componente da realidade. Deixa de ter tanta razão assim ao sugerir/desejar que se esses componentes estivessem no texto constitucional atuariam sob limitações, negando o fato de que tudo se reduz a uma “folha de papel” e que essa folha pode cumprir um papel simbólico para dele extrair alguma normatividade. Aliás, ironicamente, um episódio recente da história brasileira ilustra bem o poder real e simbólico de uma “folha de papel”: a minuta do golpe de 08 de janeiro de 2023. Uma vez escrito, o golpe ficou na folha de papel! Mas o poder simbólico dessa folha disse muito.
O conceito sociológico de constituição, na perspectiva defendida por Lassalle é, sem dúvida, muito instigante. Não é demais afirmar que no Brasil, as Forças Armadas e as forças que formalmente na CF/88 foram declaradas como suas auxiliares, as polícias militares dos Estados, desde sempre se configuraram e ainda se configuram como um “fator real de poder”. Estar ou não no texto, na verdade, é um detalhe que pode oscilar entre o real e o simbólico.
É um fator real de poder porque cria suas próprias regras, como no passado remoto, ou descumpre aquelas que foram criadas para limitá-lo em sua ação. Na prática prevalece a ordem “do cale a boca e levante as mãos pro alto, quando o disparo não vem primeiro”! E este é um fator real de poder muito problemático. Repita-se: uma “espinha na garganta da democracia”. Mas, de outro lado, isso não é suficiente porque a médio e longo prazo não como se sustentar. É autofágico!
Talvez por isso alguns militares tenham querido capturar o espaço do legislativo para defender suas pautas historicamente cristalizadas, instrumentalizando a Constituição escrita. A rigor, o papel da força militar desde antes da República não mudou substancialmente e a sua atuação na sociedade permanece associada à defesa do interesse dos economicamente poderosos do país (oligarquias) contra a população civil, que é tomada como inimiga. Ademais, com o passar do tempo, essa força militar vem se convertendo, ela própria, numa oligarquia. Eis o que há de diferente em relação ao passado e que se revela, ainda pior, na realidade.
É triste e revoltante observar o montante de recursos que a força militar ‘abocanha’ do Tesouro Nacional e a gestão que faz desses recursos, sem resistência dos demais poderes do Estado. Tudo se passa em nome da ordem, das idiossincrasias e não da lei! Muito menos em nome da democracia!
Ora, uma vez inserida no texto constitucional, a força militar (Exército, Marinha e Aeronáutica e com seu braço estendido nos estados, as polícias militares) deveriam se mover nos limites ali estabelecidos. No entanto, como fator real de poder que sempre foram e ainda são, essa força atua fora de todos os limites e, às vezes, tenta disfarçar a sua influência, para dizer o mínimo, sobre poder do governo civil. Logicamente, o governo do ex-vice-presidente Michel Temer não esteve sob a influência da força militar, ele foi a reencarnação dela. Foi a porta que se abriu para que essa força voltasse ao cenário político, desta feita, descaradamente.
Dito isto, soa bastante oportuno aqui trazer à reflexão algo que amplia a percepção sobre o poder real que uma força militar deveria exercer no interior de um Estado cujo governo se esforça em ser regido pela vontade soberana do seu povo, muito especialmente, quando esse povo se expressou nas urnas e se expressa nas ruas, escapando das sabotagens.
Há mais ou menos um mês o mundo tem sido sacudido pelas notícias sobre o Levante militar ocorrido no Níger, país africano fornecedor do urânio que abastece usinas nucleares francesas. Historicamente o Níger vem sendo submetido ao processo de neocolonialismo capitaneado pela França, mas como nem tudo dura para sempre, o Presidente do país que compactuava com isso e sacrificava o povo foi deposto por forças militares. A situação atual tem gerado preocupações no mundo todo dado o potencial de engendrar outros arranjos na geopolítica, com repercussões, inclusive, nos desdobramentos do conflito OTAN/EUA (Ucrânia) x Rússia.
Os militares que fizeram o Levante no Níger desafiam com muita vontade e consistência argumentativa a hegemonia das potências ocidentais em territórios africanos, contando, em especial, com o apoio explícito de um grupo de países, como é o caso do Mali, da Burkina Faso e até forças separatistas da Nigéria, país que tem uma base de drones estadunidenses instalada supostamente para combater o terrorismo; militares que recebem treinamento dos EUA e que viram crescer estranha e exponencialmente a violência em seu território com participação de grupos terroristas. Além dos países citados, outros países demonstraram simpatia pela luta anticolonial que motivou o Levante, como é o caso da Argélia, país “escolado” no sofrimento imposto pelo colonialismo francês.
Especialistas em conflitos internacionais ponderam que embora o novo governo do Níger conte com a liderança de militares, não parece apropriado falar-se em golpe militar no contexto desse país. A razão que desaconselha o uso dessa expressão é porque os militares que travam a luta anticolonial por lá estão no cumprimento de sua principal função, qual seja: defender a soberania do seu país contra o saque protagonizado historicamente pela França em relação às riquezas que o Níger tem em seu solo. Ou seja, os militares do Níger parecem estar agindo de modo a sustentar a justificativa de existência de militares em qualquer parte do mundo: a defesa das fronteiras do país, das suas riquezas e do povo ao qual essas riquezas pertencem.
Eles estão deixando clara a insatisfação com o estado de subserviência do governo anterior aos interesses dos EUA e que foram proveitosos para a França, que, como se sabe, tem um histórico de colonização no Norte da África. Em virtude disso, parecem mesmo determinados a lutar em favor do povo do seu país e não contra o povo. Aliás, têm recebido o apoio desse povo nas ruas. Esse apoio deu fôlego para que soberanamente decidissem cortar a transmissão dentro das fronteiras do Níger da mídia francesa assim como suspender a remessa de urânio para a França.
Logicamente, os desdobramentos desse Levante são imprevisíveis mas algo aí já se descortina: são militares que não batem continência para a bandeira da França, nem elegem como seus inimigos o povo do país que representam, como sói acontecer com militares de alguns outros países. Só pra lembrar, no Brasil, o ex-Presidente derrotado nas eleições de 2022 chegou a bater continência para a bandeira dos EUA. Isso soa tão estranho como estranhas são as idas e vindas infindáveis para realizar palestras por lá, passar férias e depositar “bens” de origem duvidosa. Estranheza também é pensar como ao longo da História, militares da Nigéria ou do Brasil aprendem exercícios táticos nos EUA e fazer um test-drive no solo do seu próprio país contra os seus compatriotas.
E como tudo na vida é aprendizado, o que se passa no mundo nos põe com as “barbas de molho”. A conquista da democracia depende de um povo que não curva a espinha, um povo que escolhe como seu representante alguém cuja cabeça se mantém erguida nas circunstâncias mais adversas, saboreando o gosto da Constituição escrita.
Maria Betânia Silva – Procuradora de Justiça Aposentada do MPPE. Membra do Coletivo Transforma – MP
[1] Teoricamente costuma-se fazer uma distinção entre texto constitucional e normas constitucionais, sendo certo que o texto é um ponto de partida indispensável para a existência das normas, sem, no entanto, se confundir com elas.
[2] Estudos sobre a origem do Exército brasileiro registram que é comum entre os seus membros a ideia de que o Exército surge por ocasião da Batalha dos Guararapes, em 1648. Como quer que seja, este artigo não tem por propósito enfocar o surgimento dos diversos ramos das FFAA no Brasil, mas chamar a atenção para os processos que tornaram a força armada um elemento de defesa do interesse de uma classe economicamente privilegiada.
[3] A Lava Jato, logicamente, embora não tenha sido mencionada nesse ponto do texto, foi a parcela do sistema de Justiça que capinou o terreno e o fertilizou para fazer brotaro golpe. Isso também já não é novidade mas nunca é demais registrar para que nunca se esqueça que a Constituição de 1988 foi aviltada pela atuação voluntarista e voluntariosa de alguns representantes do sistema de justiça, nas diversas instituições que o compõem: Tribunais dos mais variados níveis e membros do Ministério Público.
[4] Marcelo Neves. A Constitucionalização Simbólica. São Paul: WMF Martins Fontes, 2007. Pág.59
O Ministério Público deve mudar radicalmente a forma de atuar para cumprir a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e coletivos e direitos individuais indisponíveis, conforme preconizado pela Constituição Federal de 1988. Iniciativas desarticuladas interna e externamente, intervenções desconectadas das necessidades efetivas da população ou sem resultados concretos e mensuráveis, afastamento e dificuldade de acesso pela população à quem deve atender e servir, essas e outras tantas questões devem ser enfrentadas para que a instituição cumpra a sua missão constitucional e promover a justiça social.
Informações de julho de 2023, apontam o agravamento das vulnerabilidades no Brasil no período pós pandemia. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea informa que na segunda década do século XXI houve o aumento de mais de 211% das pessoas em situação de rua nas grandes metrópoles brasileiras, com indivíduos e famílias privadas não apenas de moradia digna, expostas ao frio intenso, chuvas, escárnio e ausência total de privacidade, mas também do acesso à água, alimentação adequada e com agravamento de doenças físicas e mentais; o Fórum Brasileiro de Segurança Pública constatou o crescimento de todos os indicadores de violência doméstica, dos crimes sexuais e contra crianças e adolescentes nas pesquisas realizadas e publicadas no Anuário Brasileiro de 2023, que também retrata a explosão dos eventos de intolerância racial e religiosa no período; o maior produtor de grãos do mundo não alimenta de forma adequada um terço de sua população, ou seja, mais de 70 milhões de pessoas, o que faz o país retornar ao Mapa da Fome da ONU. Tais mazelas, exemplificativas de outras tantas desigualdades, agravadas pela pandemia do Covid 19 que ceifou mais de 700 mil vidas, muitas das quais evitáveis se o desmonte das políticas sociais e a polarização político-institucional dos últimos anos não tivesse agravado os riscos sociais que atingem a sociedade brasileira, comprovando que a atuação tradicional dos promotores e procuradores se revela insuficiente, ineficaz ou inadequada.
A defesa dos direitos da sociedade exige a adoção de todas as medidas que forem necessárias para a efetiva concretização dos direitos sociais pelos serviços de relevância pública do próprio Estado, embora as atribuições da instituição não consistam em criação legislativa ou em exercício jurisdicional. Uma das possibilidades de atuação concreta do Ministério Público na redução dos agravamentos decorrentes da pobreza e processos de marginalização de imensos extratos populacionais é a identificação e o exercício do seu papel de fiscalização das políticas públicas sociais de forma planejada, integrada e sistêmica. Nesse sentido a política da assistência social, que cabe ao Ministério Público fiscalizar, mediante “ um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”, e (artigos 1 e 31 da Lei Nº 8.742/1993 – Lei Orgânica da Assistência Social/ LOAS), revela-se como uma possibilidade de atuação intersetorial importante, posto que a questão social se faz presente, de forma direta ou indireta, em todas as áreas de intervenção da instituição: da segurança pública à defesa dos direitos das crianças, idosos, das vítimas de crimes e de discriminações, das pessoas em situações de risco e vulnerabilidade e até na fiscalização da probidade administrativa, na execução orçamentária e no monitoramento da ação ou omissão governamental em relação ao suprimento das necessidades da população.
Para garantir vida digna para todas e todos são necessárias estratégias institucionais que promovam a atuação articulada e alinhada das diversas áreas de atuação do Ministério Público, realizando o acompanhamento ativo da política pública da assistência social, parte integrante do tripé da seguridade social, com a saúde pública e previdência social. É fundamental o fomento e a indução do fortalecimento do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, nos três níveis da federação, visando a satisfação das necessidades reais e muitas vezes invisibilizadas da população; o monitoramento e a implementação dos programas, projetos, serviços e benefícios socioassistenciais, seja no nível de proteção básica para a prevenção dos agravamentos individuais, coletivos e difusos, decorrentes da ausência do mínimo existencial para uma vida digna, seja a proteção especial de média e alta complexidade, essenciais na superação das violências e desigualdades. Além disso, na defesa do regime democrático, o Ministério Público deve assegurar a existência e participação popular nos conselhos de direitos, fóruns e conferências na área dos direitos sociais, dando efetividade ao controle social, bem como fiscalizar os investimentos, o co-financiamento e a execução orçamentária dos recursos públicos destinados às políticas socioassistenciais em cada território, de acordo com sua realidade, marcadores e necessidades específicas.
Somente atuando de forma assertiva, planejada, coerente, transversal e intersetorial é que o Ministério Público contribuirá para a construção de um Brasil menos desigual, mais justo e solidário, conforme a proposta da Constituição Federal de 1988.
Mônica Louise de Azevedo é Procuradora de Justiça do MPPR e integrante do Coletivo Transforma MP
Não há tema que cause mais polêmica nas discussões entre promotores(as) de Justiça do que a atuação funcional nos crimes de tráfico de drogas. A premissa de que as drogas são a principal causa da existência dos crimes violentos é um dogma, cujo questionamento conduz àqueles que ousam tal postura crítica serem questionados sobre estarem na carreira certa (ironicamente sugestionando que a Defensoria seria o “certo”) ou apelidados com adjetivos irônicos como “promofofos(as)”.
Outro dia numa audiência de custódia (atualmente não tenho atribuição no crime comum e, regra geral, atuo em flagrantes de crimes em sistema de plantão) ouvi do juiz plantonista o seguinte comentário: “a senhora é mão leve, doutora”. Sem pestanejar, respondi: “mão constitucional, doutor”.
O que gerou uma cara de espanto por parte do magistrado, levando à breve reflexão sobre como é cômodo atuar como “despachante criminal” ao invés de promotor(a) de Justiça com todas as tensões jurídicas sociais complexas da terceira década do século 21. Replicar o status quo que causa o super encarceramento brasileiro é mais cômodo e confortável.
Anos atrás, num mundo antes da Covid-19, uma atividade de educação à distância ofertada pela Escola Institucional do Ministério Público de Minas Gerais com o tema “políticas alternativas no combate às drogas”, em que pese baseada em experiências científicas e direito comparado, a promotora de Justiça que foi a tutora do curso foi hostilizada por diversos colegas quase acusada de “pecado capital”, ocasião em que como aluna enviei uma mensagem a ela refletindo sobre como o conteúdo desconstruía uma série de paradigmas equivocados que fomos doutrinados a acreditar desde o início da carreira, não querendo justificar a reação violenta dos colegas, mas para compreender eventuais causas para que profissionais valorosos e muito dedicados ao Ministério Público como os que estavam naquela atividade educacional, não fossem capazes de refletir criticamente sobre nossa atuação profissional, sem desconstruir preconceitos que implicam encarar conteúdos inconscientes sobre o “perigo do mundo das drogas”.
Atualmente, um dos principais detonadores de paradigmas dos promotores(as) de Justiça tem sido o STJ, em especial, o ministro Rogério Schietti, oriundo da carreira do MP-DF (Ministério Público do Distrito Federal) antes de assumir uma cadeira no Superior Tribunal de Justiça, o que lhe dá mais propriedade técnica para opinar sobre a atuação do MP brasileiro, usou de ironia ao criticar a atuação do Parquet paulista na análise de Habeas Corpus em crime de tráfico de drogas e fazer apelo “para que seus membros deixem de atuar como meros despachantes criminais” (disponível aqui).
O caso concreto é emblemático porque a discussão central era justamente se a conduta praticada configurava o crime de tráfico de drogas ou desclassificação para consumo pessoal, cuja diferença implica na possibilidade ou não da privação da liberdade. Um trecho do voto do ministro Schietti citado na reportagem desta ConJur indaga de maneira direta a atuação do MP: “Será mesmo, em uma proposta de reflexão institucional, que se considera acertado o caminho trilhado pelo representante ministerial e acatado pela Corte estadual? É sustentável, no mundo atual — após uma frustrada guerra cinquentenária ao comércio de drogas — impor-se uma pena de quase sete anos de reclusão, em regime inicial fechado, a alguém flagrado com 1,54 grama de cocaína?”.
Propor essa reflexão institucional implica em compreender que a titularidade da ação penal atribuída aos integrantes do Ministério Público deve ser exercida tendo como norte a missão constitucional atribuída à instituição e o seu papel como ombudsman da sociedade, sem olvidar que o princípio da dignidade da pessoa humana é o alicerce dos direitos humanos, sendo esses condição fundamental para a existência do Estado democrático de Direito, expressamente consagrado no artigo 1º da Constituição Federal de 1988.
Implica em compreender que há diretrizes constitucionais que devem modular a atuação dos integrantes do MP porque a contraprestação pelo serviço público prestado por eles está atrelada ao exercício de suas atribuições dentro dos limites constitucionais, que atualmente têm sido objeto de modulação por parte do STJ, em especial, no tocante aos feitos envolvendo os crimes de tráfico de drogas e os limites probatórios da atuação estatal policial.
Esse é o ponto central que pretendemos refletir: há um sistema de pesos e contrapesos do Estado democrático de Direito da República Federativa do Brasil em que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça devem uniformizar a interpretação das normas constitucionais e das leis federais. No entanto, tal como o exemplo citado, cotidianamente os ministérios públicos e as cortes estaduais têm ignorado os entendimentos das cortes superiores e continuam a encarcerar pessoas apreendidas em ações das forças policiais que contrariam os direitos fundamentais e criminalizam a posse de pequenas quantidades de drogas como sendo prática de tráfico de drogas nas comunidades periféricas pobres e negras Brasil afora.
Triste perceber que o sistema judicial brasileiro está programado para prender pessoas pobres e com pouca quantidade de drogas, sendo que após o flagrante policial, regra geral realizado em alguma “boca” ou “biqueira” na periferia sem testemunhas porque têm medo, basta um parecer do representante do Ministério Público afirmar que o tráfico de drogas representa um perigo para a sociedade como sendo um argumento suficientemente válido para evidenciar o perigo à ordem pública e a necessidade da prisão provisória, olvidando-se que não se pode considerar um perigo em abstrato como requisito da prisão cautelar, como reiteradamente decidido pelo STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGAS. PERICULUM LIBERTATIS JUSTIFICADO. SUFICIÊNCIA DE CAUTELARES DO ART. 319 DO CP. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade desde que não assuma caráter de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, da natureza do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP). 2. É preciso, ainda, ficar concretamente evidenciado, na forma do art. 282, § 6º, do CPP, que, presentes os motivos que autorizam a constrição provisória, não é satisfatória e adequada a sua substituição por outras medidas cautelares menos invasivas à liberdade. 3. O Magistrado justificou a necessidade de garantir a ordem pública, ante a periculosidade do agente, revelada por passagens infracionais pretéritas e as circunstâncias de prática não ocasional de tráfico de drogas. 4. Entretanto, em juízo de proporcionalidade, sopesada a apreensão de quantidade não substancial de maconha e as condições pessoais do suspeito (primariedade), a aplicação do art. 319 do CPP é mais consentânea e razoável ao caso concreto. 5. Agravo regimental provido para, superada a Súmula n. 691 do STF, substituir a prisão preventiva do paciente pelas medidas do art. 319 do CPP descritas no voto. (AgRg no HC n. 805.881/ES, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 15/6/2023.)
Os integrantes do Ministério Público que buscam aprimorar a técnica e utilizar os julgados do STJ nos pareceres para modular constitucionalmente a atuação nos crimes de tráfico de drogas são prontamente “rotulados” e passam a sofrer cotidianamente questionamentos sobre sua conduta profissional estar “auxiliando” o crime.
Integrar o @repensandoaguerraasdrogas fortalece nossa capacidade de atuação constitucional para resistência ao sistema de “máquina de moer gente”, como muitas vezes é denominado o sistema de justiça brasileiro, aliando o exercício da atribuição criminal com a observância do princípio da dignidade da pessoa humana. Para tanto, basta analisar os casos que chegam cotidianamente sem endossar os indiciamentos de pessoas pobres e pretas apreendidas com pequenas quantidades de drogas, em especial, em situações que reiteradamente têm sido consideradas ilegais pelo Superior Tribunal de Justiça.
A questão relativa à identificação da causa concreta de perigo para a prisão provisória deveria ser tão básica no Estado Democrático de Direito contemporâneo, quanto é o hábito de escovar os dentes para evitar cáries, no entanto, quando se debate a atuação do Ministério Público nos crimes de tráfico de drogas e se questiona quais os riscos reais das substâncias que são proibidas se comparadas com as que não são, a discussão não se sustenta sem argumentos imaginários quanto ao perigo construído no imaginário social de traficantes fortemente armados ou usuários zumbis, que na maioria das vezes não se verificam nos casos concretos dos que são encarcerados nos flagrantes.
Não é raro em grupos de conversa instantânea de carreiras do Ministério Público e da Magistratura ler comentários do tipo “o STJ está acabando com o Brasil”, em clara crítica aos recentes julgados que buscam uniformizar a interpretação da Lei de Drogas aos parâmetros constitucionais e legais, em assuntos complexos como a entrada no domicílio e a abordagem de pessoas em local público.
Nessa discussão, há que se ter a clareza do compromisso institucional com os objetivos fundamentais da República, o combate ao racismo e “não basta dizer que não é racista, é preciso ser antirracista”, incorporando essa perspectiva nos pareceres e denúncias. Regra geral, a atuação do Ministério Público tem sido “ratificar os APFDs com os ‘contos da Carochinha’ pouco factíveis, mas com sentimento de justiceiros porque estamos livrando a sociedade de mais um meliante”, esquecendo que assim agindo contrariamos garantias fundamentais.
Ser antirracista perpassa por assumirmos que as digitais do MP estão no viés racista do atual encarceramento brasileiro, como Michelle Alexander identifica em sua obra “Nova Segregação Racial”: a “segregação racial é feita pelos juristas”. Basta fazer uma inspeção em qualquer presídio brasileiro ou participar de audiência de custódia em crimes de tráfico de drogas para constatar que a realidade descrita por ela e pelo documentário “A 13ª Emenda” (disponível no Netflix) também refletem a realidade penitenciária brasileira.
A negativa constante dos integrantes do sistema de justiça de que o pretenso combate às drogas se realiza com claro viés racista e classista impede a atuação constitucional destes agentes estatais e deve ser criticada para constranger e tirar da inércia aqueles que ainda resistem a compreender que o titular da ação penal deve exercer o poder encarcerador considerando os limites que vêm sendo reiteradamente impostos nos casos concretos pelo Superior Tribunal de Justiça.
Daniela Campos de Abreu Serra é promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Mestre em serviço social e graduada em direito pela Unesp (Universidade Estadual Paulista). Membra do Coletivo Transforma MP e do coletivo Repensando a Guerra às Drogas.
O Coletivo Transforma MP se solidariza com o Procurador da República no Acre e integrante do Coletivo, Lucas Costa Almeida Dias, que foi agredido verbalmente por Nathane Júlia Almeida dos Santos no último domingo, 23.
O crime ocorreu quando Lucas e seu marido estavam em um supermercado e foram insultados pela homofóbica. O procurador chamou a polícia para conduzi-la até a delegacia e ao ser questionada pelos policiais, Nathane negou as acusações e disse que foi tudo uma “brincadeira”. A autora das agressões ficou detida e será indiciada pelo crime de homofobia.
Toda e qualquer situação contra a população LGBTQIA+ deve ser denunciada para rompermos o ciclo de violência e para firmar o respeito na sociedade. Situações como essa que ocorreu com o procurador é comum em todos os cantos do país e assolam pessoas de todas as classes sociais, principalmente as que se encontram em estado de vulnerabilidade e as pessoas negras.
No Brasil a população LGBTQIA+ conquistou diversos direitos no último período, como o reconhecimento legal do casamento e direito de adoção. Houve também, em 2019, a criminalização de atos LGBTfóbicos. Apesar dos direitos adquiridos, ainda há muito o que se conquistar.
A violência contra pessoas LGBTQIA+ aumenta a cada dia, e é possível contabilizar uma agressão a cada hora, de acordo com os dados do SUS e institutos de pesquisas. A situação se agrava ainda mais quando se faz um recorte de classe e raça.
O Coletivo Transforma MP é contra todo e qualquer tipo de discriminação, defendendo sempre a diversidade sexual e de gênero e as lutas da população LGBTQIA+ .
Abril é mês do alerta para os acidentes e as doenças do trabalho em razão de duas datas: 7/4 — Dia Mundial da Saúde, e 28/4 — Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho. O laço verde da campanha Abril Verde identifica a segurança e a saúde no trabalho. Depois de abril, vem o feriado de 1º de maio — Dia do Trabalho — criado pelo residente Arthur Bernardes, em 1924, dedicado “à confraternidade universal das classes operárias e à comemoração dos mártires do trabalho”.
Em 1988, os direitos trabalhistas ganharam destaque no texto constitucional. O Brasil teria a terceira maior Constituição do mundo, com mais de 250 artigos e 70 mil palavras. Todavia, emprega apenas uma vez a palavra “primado”, termo que remete à ideia de primazia, prioridade ou supremacia. Foi usada para qualificar a relevância do trabalho na base da ordem social, que tem como objetivo o bem-estar e a justiça social (art. 193).
Assim, a categoria do trabalho pretendida pela Constituição não pode se dar em ocupações precárias. Exige que o trabalho seja digno, com direitos básicos garantidos, como forma de assegurar a justiça social e a prosperidade, pressupostos inclusive do desenvolvimento do mercado interno, vital para sustentação das atividades econômicas.
Com esse enfoque, Brasília sediou, em 19 e 20 de abril, o Seminário Trabalho Digno em Frigoríficos — Comemoração aos 10 anos da NR 36. Celebrou-se a norma que estabelece as condições mínimas de segurança e saúde no setor que emprega 590 mil brasileiros e ainda é marcado por graves índices de acidentes e doenças ocupacionais.
Análise recente de informações do INSS (https://smartlabbr.org/) indica que a pecuária e o trabalho rural concentram as ocupações mais perigosas. Nos frigoríficos, são 90 acidentes por dia. Em 2021, 40 trabalhadores de frigoríficos morreram no trabalho. Os números reais são piores, pelo menos 300% superiores aos registros oficiais, conforme reconhece o Ministério do Trabalho. A subnotificação é alarmante quanto aos acidentes.
No evento, promovido pelo Ministério Público do Trabalho, Escola Superior do Ministério Público da União e Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, interagiram mais de 450 participantes presenciais, além de 1.300 que acompanharam a programação em tempo real pela internet.
Ao final, entidades sindicais — Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação, Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores da Alimentação e União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação — leram a Carta de Brasília, celebrando o marco civilizatório representado pela norma que entrou em vigor em 2013.
O documento condena as temerárias tentativas de “adequações” ou “harmonizações”, destacando a luta travada contra as recentes investidas que buscaram destruir a norma: a NR 36 “continua salva e salvando vidas”. Apresentaram uma pauta com itens para a melhoria das condições de trabalho no setor, tais como a recomposição do quadro de auditores fiscais e o incremento da fiscalização; a redução das jornadas extenuantes, em atividade reconhecidamente penosa, e a adequação do ritmo de trabalho; a adoção de medidas especiais de proteção às mulheres e gestantes, deficientes, povos indígenas e migrantes; e o clamor para que a NR36 seja símbolo de organização, mobilização e luta por um ambiente de trabalho digno, saudável, humano e justo, alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (Agenda 2030). Por fim, salientaram que a norma concretiza compromissos com os direitos humanos embora ainda haja muito a ser conquistado.
O Dia do Trabalho exige reflexão acerca do alinhamento do Brasil aos valores e princípios básicos da OIT e do compromisso com a pauta civilizatória. O trabalho, que gera riquezas, deve ser fonte de dignidade, pois, conforme assinala a OIT, a pobreza é ameaça à prosperidade, sendo que todos têm o direito de perseguir o bem-estar material em condições de liberdade e dignidade.
O presidente do Comitê do Prêmio Nobel, ao fazer a entrega do Prêmio Nobel da Paz à OIT em 1969, destacou que “a OIT tem uma influência perpétua sobre a legislação de todos os países”, devendo ser considerada “a consciência social da humanidade”. Que o Dia do Trabalho represente a celebração da luta pelo trabalho digno.
Para avançar, na vida e neste artigo, lembremos dos passos dados. Retomemos, inicialmente, algumas discussões realizadas durante o Fórum Social Mundial – Justiça e Democracia, ocorrido em abril de 2022, em Porto Alegre.[1]
Triste a constatação de como a internet passou daquele instrumento solidário, livre e vocacionado à troca de conhecimentos, para o instrumento da captação massiva de dados dos usuários, com finalidades de controle social, manipulação política e mercadológica.
No mundo todo, não apenas as megacorporações, mas os grupos políticos da direita extremista, especialmente, a neofascista, compreenderam os novos tempos e capturaram a web em prol dos seus interesses. Foram ágeis em utilizarem-se dos serviços das “big techs”, para potencializar o seu alcance sobre o grande público, inclusive valendo-se de estratégias para a radicalização e fidelização com base em discursos de ódio, “fake news” e outros – pois psicologicamente são tais conteúdos que emocionalmente mais mobilizam a atenção: medo e ódio! Mais cliques, mais engajamento, mais dinheiro em publicidade, mais retroalimentação automática do conteúdo nefasto que tenha gerado mais cliques, e assim por diante. O medo reduz o senso crítico enquanto o ódio direcionado empodera quem grita mais alto!
Algoritmos cada vez mais complexos, utilizando recursos de Inteligência Artificial e de aprendizagem de máquina, são usados para deduzir padrões de comportamento dos usuários. Permitem a realização de previsões exatíssimas de desejos e necessidades. Tais previsões permitem a produção e o direcionamento cirúrgico de anúncios comerciais tanto quanto de notícias falsas e discursos de ódio contra populações minoritárias.
Aduza-se a isso tudo, o impulsionamento de conteúdos de interesse dos patrocinadores, por meio de robôs, ou seja, perfis falsos, artificialmente criados, que garantem a formação de “bolhas” nas redes sociais – as quais fortalecem-se pelo poderoso viés de confirmação inerente à psiquê humana, especialmente em tempos de incertezas.
A “tempestade perfeita” culmina na constatação de que as populações atualmente informam-se mais pelas mídias sociais regidas por algoritmos, que modulam a atenção do usuário sem qualquer conhecimento deste, do que pelas mídias tradicionais, pautadas por maior compromisso com o jornalismo profissional.
Hoje em dia, apesar das Leis Gerais de Proteção de Dados, entregamos voluntariamente nossos dados e sequer precisamos ser “espionados”. A LGPD nos protege da utilização que a coleta de dados terá, de onde nossos dados serão aplicados, de que forma se extrairá lucro deles. A questão é que raramente é dado ao usuário optar por ceder ou não os dados, e mais raramente ainda, saber qual a utilização tais dados terão. O exemplo mais emblemático disso é o fornecimento de CPF em drogarias. Sem o fornecimento, não te concedem “descontos”. Esta prática, absolutamente ilegal, porque chantagista, não vem acompanhada de nenhuma informação sobre para qual finalidade este CPF está sendo colhido na hora da compra. Mas certamente ele esta sendo colhido para informar farmacêuticas, seguradoras, bancos e qualquer outro que queira comprar seus dados, visando as mais diversas funções. O valor do seguro de vida, a contratação para um emprego, a concessão de um empréstimo, e assim por diante.
Os mesmos grupos econômicos que organizam lobbies junto aos governos (quando não diretamente conspiram contra alguns),formam parcerias obscuras com as “big techs”, para compra de dados ou até pela compra da análise deles, já minerados segundo os interesses do comprador. Tais empresas são sediadas em países centrais e estão isentas de regulação adequada, até o momento, agindo livremente e sem sanções visíveis. Os EUA posicionam-se contrários a regulação perante à OCDE, haja vista, que se beneficia do acesso a dados mundiais, enquanto instituições públicas de outros países tem dificuldades de obter informações ou qualquer controle legal ou judicial[2].
A deseducação geral da população, indissociável da ideologia neoliberal dominante, dificulta a exigência cidadã sobre a necessidade de um controle legal ou judicial – comprando a falseada ideia da “liberdade” nas redes (pois livres, a rigor, são as megacorporações). É fácil constatar que não há neutralidade na internet e que as plataformas jamais foram isentas. As empresas que as possuem decidem o que é conteúdo jornalístico ou propaganda, o que é relevante ou não. Chegam a tratar como “perigoso” o conteúdo (um debate no YouTube, p. ex.) que critique seu próprio funcionamento. Mais ainda: alteram livremente as regras de moderação de conteúdo e exclusão de perfis – via de regra reagindo a algum grande escândalo que as atinja. Derreia-se facilmente o mito da “autorregulação”. Nova técnica para finalidade antiga, inerente ao modo de produção capitalista: acumular dados livremente é aumentar a concentração de riqueza e o controle sobre a pobreza. As empresas de tecnologia não sofrem sequer a regulação mínima que as empresas de comunicação tradicionais possuem, na condição de concessionárias de um serviço público essencial.
O acesso às mídias é socialmente desigual, e as pessoas mais pobres acessam conteúdos das plataformas aparentemente “gratuitas”. Estima-se 33 milhões de pessoas, na maioria negras e periféricas, sem banda larga no Brasil[3]. Quando a periferia e grupos oprimidos produzem conteúdo, este acaba não chegando às pessoas destinatárias dali mesmo – o que dificulta a educação digital e, portanto, a cidadania. Esta é cada vez mais virtualizada em seu exercício, e o acesso aos serviços públicos é tanto mais mediado por aplicativos (lembrem do Cartão da Vacina e das aulas à distância durante a pandemia).
A internet pode ser entendida como uma arena privada, pertencente às grandes empresas (em cujos portais navegamos distraídos), mas que sequestra o espaço público, cada vez mais sujeito à “datificação” sem consulta ou esclarecimento prévios. Não há efetivo controle social sobre as grandes empresas de tecnologia que intermedeiam as comunicações e que centralizam a gigantesca produção de informações e conteúdos os mais variados, inclusive com dados dos usuários e à revelia destes. São exemplos os compartilhamentos de dados de servidores públicos e sobre saúde e desempenho escolar de crianças, que a gestão federal anterior permitiu sairem do Brasil e ficarem à disposição das “big techs”, inclusive para treinamento do aprendizado de máquina – sem cogitar, por exemplo, nas pesquisas das Universidades brasileiras. Aliás, não temos notícia da reversão destas práticas pelo atual governo federal.
A dificuldade técnica de compreensão dos algoritmos, já é em si um imenso obstáculo a qualquer controle social, sendo obscuros os negócios e as formas de manipulação utilizadas. Falta transparência nas três camadas da internet: de conteúdo, lógica (softwares, apps e dados) e física (equipamentos e provedoras de acesso/conexão). Não basta saber como está escrito o algoritmo da plataforma daquela empresa. Qualquer um desconfiaria de um produto alimentício na prateleiras do supermercado cuja etiqueta não informasse sua composição e ingredientes – mas não temos este cuidado com o consumo nas plataformas digitais.
É preciso dar a conhecer qual o modelo de negócios ali utilizado, que dados são coletados e quais as regras postas para cada sistema. Estas são o que estabelecem os resultados finais de cada um. Isto é imaginável apenas por meio de uma legislação inovadora, aplicada por agência suficientemente instrumentalizada e cujos membros tenham garantias de atuação. Tal agência precisa, em nível administrativo / cível, ter o poder de fiscalizar e inspecionar os sistemas e de aplicar sanções pelas violações previamente estabelecidas na norma. É absurdo haver pesado controle sobre a produção industrial de refrigerantes (que engordam) e não existir nenhum sobre produção industrial de discursos de ódio (que matam e derrubam governos legítimos)!
Mas as saídas estão em construção. O Projeto de Lei (PL) 2630/2020 tramita agora na Câmara dos Deputados. Visa a criar medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram e, de modo geral, criar a mínima regulação para a internet brasileira. É muito mais do que o “PL das Fake News”. Sabe-se como é difícil regular as mídias tradicionais, que também produzem notícias falsas e manipulam informações – embora o fenômeno não se compare à gravidade constatada nas mídias virtuais. Embora o PL não aborde todas as necessidades, a falta de regulação é o pior dos cenários: um cenário de desordem informacional, falta de transparência e de predação absoluta.
Existe imensa resistência por parte das grandes empresas de tecnologia e pelos políticos de grande parte da direita (que alegam defender a “liberdade de manifestação”), em especial quanto à criação de uma Agência Reguladora – a exemplo do que buscam fazer a Austrália, com seu Código de Negociação e Remuneração do Jornalismo e a União Europeia[4].
As eleições continuarão sendo impactadas pelas redes sociais. Existe uma patente vantagem comunicacional dos grupos de extrema-direita. Por não terem limites éticos e por disporem de poder econômico, conseguem reiteradamente pautar debates com a eficiência de quem usa de quaisquer meios. Dentre estes, há o conhecido abuso do poder econômico para comprar os recursos e serviço que referimos no início.
Segunda parte (escrita por mãos robóticas).
Para demonstrar na prática (e arrepiar a pele) quão avançada está a tecnologia normalmente chamada “Inteligência Artificial”, usamos a recente plataforma ChatGPT para escrever esta segunda parte do artigo. Para tanto, formulamos uma sequência de nove demandas/perguntas, obtendo as respostas automáticas. Algumas perguntas foram repetidas 2 vezes, recebendo respostas complementares ou redundantes, que foram depois condensadas. Fizemos apenas 14 interações com o aplicativo. Além da tradução (também automática), as adequações textuais e diagramáticas de nossa parte atingiram cerca de 5% do texto – o que é particularmente espantoso. Iniciamos do particular (atitudes individuais), passamos pelas medidas tomadas pelos organismos internacionais e chegamos aos estudos científicos mais variados.
De certa forma, são conselhos de um robô que se esforça para ensinar um humano a não ser enganado… por ele mesmo. Eis o resultado da experiência:
Demanda 1:
Faça uma lista com os 10 melhores conselhos e estratégias para impedir a disseminação de notícias falsas nas redes sociais.
Resposta:
1. Verifique a fonte / Não confie numa única fonte: Sempre confira a fonte da notícia antes de compartilhá-la nas mídias sociais. Procure fontes confiáveis, como os principais veículos de notícias, em vez de compartilhar informações de outras não verificadas ou questionáveis. Obtenha suas notícias de várias origens e verifique as informações para garantir sua precisão.
2. Verifique as informações: Verifique os fatos antes de compartilhar uma notícia. Use sites confiáveis de verificação de fatos para verificar a precisão das informações, como Snopes, FactCheck.org ou PolitiFact.[5]
3. Eduque-se: Aprenda sobre os diferentes tipos de notícias falsas e como identificá-las. Eduque-se sobre como distinguir entre notícias verdadeiras e falsas.
4. Use o pensamento crítico / seja cético: analise as informações de forma crítica. Não acredite em tudo que você lê e sempre considere as fontes e motivações por trás das notícias. Desconfie de manchetes sensacionalistas ou histórias que pareçam boas (ou ruins) demais para ser verdade. Elas podem ser exageradas ou completamente falsas.
5. Não compartilhe às cegas / Use a rede com responsabilidade: Não compartilhe notícias sem lê-las com atenção ou verificar a precisão das informações. Não compartilhe ou espalhe rumores ou notícias não verificadas. Esteja atento e seja responsável pelo impacto de suas palavras e ações sobre os outros.
6. Pense antes de reagir: Não reaja imediatamente a notícias que possam ser falsas. Reserve um momento para pensar criticamente antes de responder ou compartilhar a notícia.
7. Denuncie notícias falsas: Denuncie notícias falsas às autoridades competentes, plataformas de mídia social ou à polícia, quando necessário. Você também pode denunciá-lo a organizações de verificação de fatos.
8. Incentive outras pessoas: Incentive seus amigos e familiares a serem cautelosos e conferirem a veracidade das notícias antes de compartilhá-las. Incentive o pensamento crítico e ajude-os a reconhecer a importância de verificar as informações e os perigos das notícias falsas.
9. Use fontes confiáveis: E evite aquelas com histórico de divulgação de notícias falsas.
10. Mantenha-se informado: Atualize-se sobre os últimos desenvolvimentos na luta contra as notícias falsas. Acompanhe as novas ferramentas e recursos que podem ajudá-lo a identificar e impedir notícias falsas.
Demanda 2:
Quais são as inovações legais e estratégias que a União Europeia está implementando para controlar as notícias falsas?
Resposta:
No geral, nos últimos 8 anos, a UE está adotando uma abordagem multifacetada para combater notícias falsas, incluindo medidas legais, códigos de conduta voluntários e iniciativas de educação e conscientização. Têm sido implementadas várias inovações legais e estratégias para controlar a disseminação de notícias falsas, particularmente no contexto de eleições e desinformação online. Aqui estão algumas das principais iniciativas:
1. Código de Prática sobre Desinformação: Em 2018, a UE adotou um Código de Prática sobre Desinformação voluntário, que descreve um conjunto de compromissos para plataformas online, como Facebook, Google e Twitter, para combater a disseminação de notícias falsas e fornecer melhor acesso a informações confiáveis. O código inclui medidas como garantir a transparência da publicidade política, identificar e remover contas e bots falsos e apoiar iniciativas de verificação de fatos. Leia o código e seus comentários atualizados na origem: https://digital-strategy.ec.europa.eu/pt/policies/code-practice-disinformation
2. Observatório Europeu de Mídia Digital (EDMO) é uma nova iniciativa lançada pela UE em 2020, que visa fornecer serviços e ferramentas de verificação de fatos para apoiar a luta contra a desinformação e também apoiar a pesquisa acadêmica sobre desinformação. O EDMO trabalhará com verificadores de fatos e pesquisadores para identificar e expor campanhas de desinformação e fornecer aos formuladores de políticas pesquisas baseadas em evidências para informar as decisões políticas. Confira: https://digital-strategy.ec.europa.eu/pt/policies/european-digital-media-observatory
3. Revista de Desinformação da UE: É um boletim informativo semanal publicado pela Força-Tarefa East StratCom da UE, que monitora e expõe campanhas de desinformação e propaganda visando a UE e seus estados membros. O boletim informativo fornece aos formuladores de políticas, jornalistas e cidadãos informações oportunas e precisas sobre campanhas de desinformação. Atualmente estão focados na campanha anti-Rússia, no contexto da guerra: https://euvsdisinfo.eu/
4. Regulamento do Mercado Único Digital Europeu: Em 2019, a UE adotou o Regulamento do Mercado Único Digital Europeu, que inclui disposições destinadas a combater a desinformação online. O regulamento exige que as plataformas online tomem medidas para impedir a disseminação de notícias falsas, como rotular e remover informações falsas e promover conteúdo oficial. Acredita-se que a implementação da Estratégia contribua com 415 mil milhões de euros para a economia. Assenta em três pilares: Acesso: melhor acesso dos consumidores e das empresas aos bens e serviços digitais em toda a Europa; Ambiente: criar as condições adequadas e condições equitativas para o florescimento das redes digitais e dos serviços inovadores e Economia e Sociedade: maximizar o potencial de crescimento da economia digital. https://eufordigital.eu/discover-eu/eu-digital-single-market/
5. Sistema de Alerta Rápido (RAS): O Sistema de Alerta Rápido é uma ferramenta lançada pela UE em 2019 para permitir que os Estados membros compartilhem informações de forma rápida e eficiente sobre campanhas de desinformação dirigidas à UE. O sistema permite que os estados membros se alertem sobre notícias falsas e coordenem suas respostas. Ele também se concentra em anúncios maliciosos relacionados a produtos e serviços não alimentícios. Confira os sítios em português: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_20_1270 e https://ec.europa.eu/safety-gate-alerts/screen/webReport
6. Diretiva de Serviços de Mídia Audiovisual (AVMSD). Entre várias leis destinadas a combater o discurso de ódio e a desinformação online, a UE adotou o AVMSD, que exige que as plataformas online tomem medidas para combater a propagação do discurso de ódio e desinformação tanto na TV aberta quanto nos serviços sob demanda. Em nossa língua: https://digital-strategy.ec.europa.eu/pt/policies/audiovisual-and-media-services
7. Diretiva de Redes e Sistemas de Informação (NIS). Em janeiro de 2023, este é outro exemplo da legislação que os países da UE devem incorporar em seus regulamentos nacionais. Ele exige que as empresas relatem incidentes cibernéticos significativos, incluindo aqueles que afetam sua capacidade de fornecer serviços essenciais. Norma em inglês: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32022L2555&from=EN
8. Agência da UE para Cibersegurança (ENISA). Este organismo foi criado para assegurar a implementação das políticas instituídas pelo regulamento do NIS. Página em português (com organograma completo): https://www.enisa.europa.eu/about-enisa/about/pt
9. Iniciativas de letramento midiático e promoção do pensamento crítico. A UE também está apoiando iniciativas e campanhas para ajudar a educar e capacitar os cidadãos com as habilidades necessárias para identificar e combater a desinformação. Exemplo de artigo de 2019 revelando que 40% das pessoas européias não possuem qualquer competência para lidar com o mundo digital: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT-ES/TXT/?from=EN&uri=LEGISSUM%3A150102_3
Demanda 3:
Existe uma maneira legal de responsabilizar as plataformas de mídia social quando elas ajudam a espalhar notícias falsas e discursos de ódio, como o caso do Facebook e o genocídio dos Rohingyas em Mianmar entre 2016 e 2017?
Resposta:
Sim, existem formas legais de responsabilizar as plataformas de mídia social por seu papel na disseminação de notícias falsas e discurso de ódio. Os recursos legais específicos disponíveis dependerão das leis e regulamentos da jurisdição relevante. No entanto, aqui estão algumas maneiras possíveis pelas quais as plataformas de mídia social podem ser responsabilizadas:
1. Ações civis: indivíduos ou grupos que foram prejudicados por notícias falsas ou discurso de ódio divulgados por meio de plataformas de mídia social podem entrar com uma ação civil contra a plataforma por negligência, difamação ou outras reivindicações relacionadas.
2. Denúncias criminais: em algumas jurisdições, pode ser possível abrir processos criminais contra plataformas de mídia social ou seus executivos se for descoberto que permitiram ou permitiram conscientemente a disseminação de conteúdo prejudicial.
3. Ação regulatória: governos ou órgãos reguladores podem tomar medidas contra plataformas de mídia social sob leis que regem publicidade, mídia ou telecomunicações, entre outras.
4. Pressão pública: Mesmo que a ação legal não seja possível ou bem-sucedida, a pressão pública pode ser uma ferramenta poderosa para responsabilizar as plataformas de mídia social. Os consumidores podem optar por boicotar ou reduzir o uso de plataformas que espalham notícias falsas ou discurso de ódio, enquanto grupos de defesa podem pedir reformas ou mudanças nas políticas da plataforma.
É importante observar que responsabilizar as plataformas de mídia social por seu papel na disseminação de conteúdo prejudicial pode ser um desafio, principalmente devido ao alcance global de muitas plataformas e às complexidades da regulamentação do discurso online. No entanto, há uma variedade de mecanismos legais e não legais que podem ser usados para lidar com essas questões.
Demanda 4:
Leve em consideração sua última resposta e explique como o Facebook foi responsabilizado por sua negligência no caso?
Resposta:
Em agosto de 2018, as Nações Unidas divulgaram um relatório afirmando que o Facebook desempenhou um papel na disseminação do discurso de ódio em Mianmar que levou à perseguição da minoria muçulmana Rohingya. O relatório constatou que o Facebook foi usado para espalhar desinformação e incitar a violência contra os rohingya, o que contribuiu para o genocídio ocorrido em Mianmar.
Após a divulgação do relatório, houve uma pressão pública significativa no Facebook para tomar medidas para lidar com seu papel na crise. Em resposta, o Facebook encomendou uma avaliação independente do impacto dos direitos humanos para examinar seu papel em Mianmar e fazer recomendações sobre como poderia melhorar suas políticas e práticas.
Além disso, vários grupos de defesa entraram com uma ação contra o Facebook nos Estados Unidos, alegando que a plataforma havia facilitado abusos dos direitos humanos em Mianmar ao não policiar adequadamente o discurso de ódio e a incitação à violência. A ação buscava responsabilizar o Facebook por seu papel no genocídio usando o Alien Tort Statute, uma lei dos EUA que permite que estrangeiros processem em tribunais dos EUA por violações do direito internacional.
Em julho de 2020, o Facebook anunciou que estava implementando novas medidas para evitar a propagação de discurso de ódio e desinformação em Mianmar, incluindo a contratação de mais moderadores de conteúdo no idioma birmanês e o aprimoramento de seus algoritmos de aprendizado de máquina para detectar e remover melhor o conteúdo nocivo.
Embora ainda não se saiba se essas medidas serão suficientes para lidar com a crise em andamento em Mianmar, o caso demonstra que as plataformas de mídia social podem ser responsabilizadas por seu papel na disseminação de conteúdo prejudicial e que existem mecanismos legais e não legais para fazer isso.
Demanda 5:
Quais são os exemplos na política mundial e nas eleições gerais em países democráticos da influência de notícias falsas e manipulação de mídia social?
Resposta:
Houve vários exemplos nos últimos anos da influência de notícias falsas e manipulação de mídia social na política mundial e nas eleições gerais em países democráticos. Alguns exemplos notáveis são:
1. Eleição Presidencial dos EUA de 2016: O uso da mídia social por atores estrangeiros para espalhar desinformação e manipular a opinião pública durante a Eleição Presidencial dos EUA de 2016 foi amplamente documentado. Agentes russos usaram Facebook, Twitter e outras plataformas para espalhar notícias falsas e propaganda para influenciar o resultado da eleição.
2. Referendo Brexit: No período que antecedeu o referendo Brexit de 2016 no Reino Unido, houve alegações generalizadas de manipulação de mídia social e disseminação de notícias falsas. Grupos pró-Brexit foram acusados de usar a mídia social para espalhar informações enganosas e propaganda para influenciar os eleitores.
3. Eleição presidencial brasileira de 2018: No período que antecedeu a eleição presidencial brasileira de 2018, houve alegações generalizadas de manipulação de mídia social e disseminação de notícias falsas. Apoiadores do candidato de direita Jair Bolsonaro foram acusados de usar as redes sociais para espalhar informações enganosas e propaganda para influenciar os eleitores.
4. Eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos: As eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos também foram marcadas por denúncias de manipulação de redes sociais e disseminação de notícias falsas. Nesse caso, no entanto, plataformas de mídia social como Facebook e Twitter tomaram medidas ativas para conter a disseminação de desinformação e desinformação.
5. Eleições federais alemãs de 2021: Antes das eleições federais alemãs de 2021, havia preocupações sobre a disseminação de notícias falsas e desinformação nas redes sociais. Autoridades alemãs alertaram sobre o potencial de interferência estrangeira e pediram aos cidadãos que fiquem atentos ao identificar e relatar notícias falsas.
Esses são apenas alguns exemplos da influência das notícias falsas e da manipulação das redes sociais na política mundial e nas eleições gerais em países democráticos. É uma questão contínua que apresenta desafios significativos para as democracias em todo o mundo
Demanda 6:
Se esses são apenas alguns exemplos da influência das notícias falsas e da manipulação das mídias sociais na política mundial e nas eleições gerais em países democráticos, dê mais 10 exemplos.
Resposta:
Claro, aqui estão mais dez exemplos da influência de notícias falsas e manipulação de mídia social na política mundial e eleições gerais em países democráticos:
1. Eleições presidenciais austríacas de 2016: Nas eleições presidenciais austríacas de 2016, houve relatos de manipulação nas redes sociais por partidários do candidato de extrema-direita, Norbert Hofer.
2. Eleições presidenciais francesas de 2017: Durante as eleições presidenciais francesas de 2017, notícias falsas e propaganda foram usadas para espalhar informações erradas sobre Emmanuel Macron, o eventual vencedor.
3. Eleições presidenciais mexicanas de 2018: Nas eleições presidenciais mexicanas de 2018, a manipulação da mídia social e a disseminação de notícias falsas foram generalizadas, com acusações de interferência de atores estrangeiros.
4. Eleições gerais indianas de 2019: As eleições gerais indianas de 2019 foram marcadas pelo uso generalizado de mídias sociais por partidos políticos para espalhar propaganda e desinformação.
5. Eleições federais australianas de 2019: nas eleições federais australianas de 2019, houve relatos de manipulação de mídia social e disseminação de notícias falsas por apoiadores do conservador Partido Liberal.
6. Eleições gerais de 2019 no Reino Unido: Durante as eleições gerais de 2019 no Reino Unido, a manipulação da mídia social e a disseminação de notícias falsas foram um grande problema, com alegações de interferência de atores estrangeiros.
7. Eleições gerais de 2020 na Nova Zelândia: Nas eleições gerais de 2020 na Nova Zelândia, foram levantadas preocupações sobre a disseminação de notícias falsas e desinformação nas mídias sociais, mas isso não pareceu ter um impacto significativo no resultado.
8. Eleição presidencial da Bielo-Rússia em 2020: Nas eleições presidenciais da Bielorrússia em 2020, houve alegações de manipulação de mídia social e disseminação de notícias falsas por apoiadores do presidente em exercício, Alexander Lukashenko.
9. Eleições gerais de Israel em 2021: Durante as eleições gerais de Israel em 2021, houve relatos de manipulação de mídia social e disseminação de notícias falsas por apoiadores do partido de direita Likud.
10. Eleições gerais holandesas de 2021: Nas eleições gerais holandesas de 2021, houve preocupações sobre a disseminação de notícias falsas e desinformação nas redes sociais, mas isso não pareceu ter um impacto significativo no resultado.
Demanda 7:
Por que os movimentos e partidos políticos de extrema-direita se beneficiam mais com notícias falsas e manipulação de mídia social do que a esquerda?
Resposta:
Existem várias razões pelas quais movimentos e partidos políticos de extrema-direita podem se beneficiar mais com notícias falsas e manipulação de mídia social do que a esquerda:
1. Apelo emocional: Movimentos de extrema direita costumam usar apelos emocionais que são mais eficazes na disseminação de desinformação e propaganda por meio da mídia social. Eles podem usar medo, raiva e indignação para apelar às emoções das pessoas, o que pode ser mais eficaz do que argumentos racionais.
2. Mensagens simplistas: movimentos de extrema-direita podem ter mensagens mais simplistas que são mais fáceis de espalhar e entender nas mídias sociais. Essa mensagem pode ser mais facilmente manipulada e usada para espalhar informações falsas.
3. Campanhas de desinformação: os movimentos de extrema direita são frequentemente associados a campanhas de desinformação, que podem incluir o uso de bots, contas falsas e outras táticas para espalhar informações falsas nas mídias sociais.
4. Câmaras de eco / bolhas: movimentos de extrema-direita podem ter seguidores mais leais e dedicados, com maior probabilidade de se envolver em comportamento de câmara de eco / bolhas, onde apenas consomem e compartilham informações que confirmam suas crenças existentes. Esse comportamento pode ajudar a ampliar a disseminação de fake news e propaganda.
5. Grande mídia enfraquecida: movimentos de extrema-direita podem se beneficiar da confiança enfraquecida na grande mídia, o que pode facilitar a disseminação de notícias falsas e propaganda por meio de fontes alternativas, como a mídia social.
Esses são alguns dos fatores que podem contribuir para que movimentos e partidos políticos de extrema-direita se beneficiem mais com notícias falsas e manipulação de mídia social do que a esquerda. No entanto, é importante observar que tanto os movimentos de esquerda quanto os de direita podem se engajar nessas táticas, e o impacto das fake news e da manipulação das redes sociais pode variar de acordo com o contexto e as circunstâncias específicas de cada caso.
Demanda 8:
Quais são os melhores artigos e ensaios científicos sobre o problema de notícias falsas e manipulação de mídia social, com as respectivas URLs, por favor?
Resposta:
Existem muitos artigos e ensaios científicos sobre o problema das notícias falsas e da manipulação das redes sociais. Aqui estão alguns dos melhores e mais influentes:
1. “The Spread of True and False News Online” por Soroush Vosoughi, Deb Roy e Sinan Aral. Este artigo analisa a disseminação de notícias verdadeiras e falsas no Twitter e descobre que as histórias falsas se espalham muito mais rápido e atingem mais pessoas do que as verdadeiras histórias. Os autores também identificam fatores que tornam as notícias falsas mais propensas a se tornarem virais. https://science.sciencemag.org/content/359/6380/1146.full
2. “Desinformação e mídias sociais: desafios e soluções”, de Claire Wardle e Hossein Derakhshan. Este relatório do Conselho da Europa fornece uma visão geral do problema da desinformação e oferece um conjunto de recomendações para resolvê-lo. https://doi.org/10.1146/annurev-polisci-052209-100202
3. “Combatendo notícias falsas: uma agenda para pesquisa e ação” por David Lazer et al. Este artigo de 2018 da Harvard Kennedy School propõe uma agenda de pesquisa e recomendações de políticas para combater notícias falsas.
4. “Notícias falsas: uma abordagem tecnológica para provar as origens do conteúdo, usando blockchains” por María Isabel Tirado-Valencia et al. Este artigo de 2019 do Journal of Ambient Intelligence and Humanized Computing propõe uma abordagem tecnológica para provar as origens do conteúdo usando blockchains. https://www.liebertpub.com/doi/epub/10.1089/big.2017.0071 (conteúdo pago)
5. “Os efeitos das alegações infundadas de fraude eleitoral sobre a confiança nas eleições”, de Brendan Nyhan e outros. Ensaio do Cambridge’s Journal of Experimental Political Science. Este ensaio fornece novas evidências que demonstram o efeito corrosivo de alegações de fraude como essas sobre a confiança no sistema eleitoral dos Estados Unidos. Usando um experimento de pesquisa nacional realizado após as eleições de meio de mandato de 2018 – uma época em que muitos republicanos proeminentes também fizeram alegações de fraude infundadas – mostramos que a exposição a alegações de fraude eleitoral reduz a confiança na integridade eleitoral, embora não o apoio à democracia em si. https://www.cambridge.org/core/journals/journal-of-experimental-political-science/article/effects-of-unsubstantiated-claims-of-voter-fraud-on-trust-in-elections/9B4CE6DF2F573955071948B9F649DF7A.
6. “Notícias falsas e a economia das emoções: problemas, causas, soluções” de Hunt Allcott e Matthew Gentzkow. Este artigo de 2017 do Journal of Economic Perspectives argumenta que o que é mais significativo sobre o furor contemporâneo das notícias falsas é o que ele anuncia: o uso de notícias direcionadas pessoal e emocionalmente produzidas pelo algojornalismo e o que chamamos de “mídia empática”. Ao avaliar soluções para esta situação democraticamente problemática, recomendamos que seja dada maior atenção ao papel da publicidade digital em causar e combater tanto o fenômeno contemporâneo de notícias falsas quanto a variante quase horizontal de notícias falsas automatizadas otimizadas empaticamente. https://www.researchgate.net/publication/318575699_Fake_News_and_The_Economy_of_Emotions_Problems_causes_solutions
7. “The Role of Social Media in the Arab Uprisings” de Philip N. Howard e Muzammil M. Hussain. Este ensaio discute como a mídia social desempenhou um papel nas revoltas árabes, que foram uma série de protestos e revoluções que ocorreram em vários países árabes no início dos anos 2010. Os autores argumentam que a mídia social forneceu novas oportunidades de coordenação e comunicação entre ativistas, mas também apresentou desafios e riscos. https://doi.org/10.1146/annurev-polisci-052209-100202
8. “Mídia social e notícias falsas nas eleições de 2016”, de Hunt Allcott e Matthew Gentzkow. Este artigo examina o papel que a mídia social e as notícias falsas desempenharam nas eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos. Os autores descobriram que a mídia social era uma importante fonte de notícias para muitas pessoas e que as notícias falsas eram amplamente compartilhadas e aceitas. https://web.stanford.edu/~gentzkow/research/fakenews.pdf
9. “A economia da atenção na era digital: as falsas promessas das mídias sociais”, de Tim
Wu. “A economia da atenção na era digital: as falsas promessas das mídias sociais”, de Tim Wu. Este ensaio explora como as mídias sociais mudaram nossa relação com a informação e a atenção. O autor argumenta que as plataformas de mídia social são projetadas para capturar e prender nossa atenção e que isso tem consequências negativas para nossa capacidade de focar e pensar criticamente. https://academic.oup.com/jipr/article/13/1/61/448628
10. “The Weaponization of Social Media: A Network Analysis of #guncontrol” por Xiaodan Lou, Eric Forbush e Kenneth Joseph. “The Weaponization of Social Media: A Network Analysis of #guncontrol” por Xiaodan Lou, Eric Forbush e Kenneth Joseph. Este artigo analisa como a hashtag #guncontrol foi usada nas mídias sociais após o tiroteio em massa na Marjory Stoneman Douglas High School em 2018. Os autores descobriram que a hashtag foi usada tanto por defensores do controle de armas quanto por oponentes para promover suas agendas e que a mídia social desempenhou um papel significativo na formação do discurso público sobre o assunto. https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/10584609.2018.1466997
11. “A ascensão da mídia social e seu impacto no jornalismo mainstream” por Nic Newman. Este ensaio discute o impacto que a mídia social teve na mídia tradicional. O autor argumenta que a mídia social interrompeu os modelos tradicionais de distribuição de notícias e também criou novas oportunidades para os jornalistas se envolverem com seu público. https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/our-research/rise-social-media-and-its-impact-mainstream-journalism
12. “Echo Chambers e o radicalismo online: avaliando a cumplicidade da Internet no extremismo violento”, de Andrew Glencross. Este artigo explora o papel que as câmaras de eco online e as bolhas de filtro desempenham na radicalização dos indivíduos. O autor argumenta que os algoritmos de mídia social podem reforçar crenças preexistentes e tornar mais difícil para as pessoas encontrarem pontos de vista alternativos. https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/00396338.2017.1374655
13. “Por que nos apaixonamos pela alimentação limpa” por Bee Wilson. Este ensaio examina a ascensão do movimento de “alimentação limpa” e o papel que a mídia social desempenhou em sua popularidade. O autor argumenta que plataformas de mídia social como o Instagram ajudaram a espalhar desinformação sobre nutrição e saúde e que isso contribuiu para o sucesso do movimento. https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2017/mar/26/pseudoscience-quackery-selling-out-science
14. “Manufacturing Consent: The Political Economy of the Mass Media” por Edward S. Herman e Noam Chomsky. Este livro examina como a mídia pode ser usada para fabricar consentimento para políticas e ações governamentais. Os autores argumentam que a mídia costuma ser cúmplice na divulgação de propaganda e que pode ser controlada por interesses poderosos. https://chomsky.info/consent01/
15. “A economia da atenção e a rede”, de Michael H. Goldhaber. Este ensaio explora como a ascensão da internet e das mídias sociais criou uma nova economia baseada na atenção, e não nos bens e serviços tradicionais. O autor argumenta que as plataformas de mídia social são projetadas. https://firstmonday.org/ojs/index.php/fm/article/view/519/440
Esses artigos e ensaios são apenas alguns exemplos das muitas contribuições valiosas para o problema de notícias falsas e manipulação de mídia social da comunidade acadêmica.
Demanda 9:
Levando em consideração sua resposta anterior, mostre os 10 artigos ou ensaios mais referidos sobre o mesmo assunto publicados no Brasil e, por favor, forneça as URLs.
Resposta:
Claro! Aqui estão 10 dos artigos ou ensaios mais referidos sobre o assunto de notícias falsas e manipulação de mídia social publicados no Brasil[6]:
1. “Propagação de Notícias Falsas nas Mídias Sociais” de Lívia Castro e Virgílio Almeida. Este artigo de 2017 da Conferência da Sociedade Brasileira de Computação sobre a Sociedade Digital fornece uma análise da disseminação de notícias falsas nas mídias sociais no Brasil. http://www.sbrc2017.ufscar.br/wp-content/uploads/2017/05/WTD-19.pdf
7. “A Propagação de Fake News e sua Influência na Política” de Marcio Roberto Vieira. Este artigo de 2018 da Revista Brasileira de Política Internacional examina o impacto das notícias falsas na política no Brasil. https://www.scielo.br/j/rbpi/a/SbM2nd6DdC6NnN64ZzJNLSG/?lang=pt
9. “Compreendendo as Fake News em Eleições Presidenciais Brasileiras” de Letícia Tancredi e Sérgio Amadeu da Silveira. Este artigo de 2019 do Brazilian Journal of Political Communication fornece uma análise da disseminação de notícias falsas durante as eleições presidenciais brasileiras de 2018.
Estes são apenas alguns exemplos das muitas contribuições valiosas para o problema das notícias falsas e manipulação de mídia social publicadas no Brasil.
Terceira parte (síntese crítica ao IA/ChatPGT)
Falha! Uma curiosidade sobre as respostas apresentadas pela IA encontra-se na não identificação do documento mais importante de regulação dos serviços digitais produzidos até o momento, que é o Regulamento Europeu que entrará em vigor em fevereiro de 2024. Ele responde a algumas das questões levantadas na primeira parte deste artigo. O documento precisa ser profundamente estudado e está disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32022R2065 na língua portuguesa.
O regulamento 2022/2065, do Parlamento e Conselho Europeu, aprovado em 19 de outubro de 2022, dispõe sobre um mercado único para os serviços digitais, alterando a Diretiva 2000/31/CE, dispõe, a partir do seu art. 34, sobre a avaliação de riscos permanente que os “fornecedores de plataforma em linha de muito grande dimensão” e “motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão” precisam fazer a partir do ingresso em vigor do instrumento, em fevereiro de 2024 em toda a União Europeia. Os riscos sistêmicos que precisam ser avaliados são:
a) difusão de conteúdos ilegais;
b) quaisquer efeitos negativos, reais ou previsíveis, quanto ao exercício dos direitos fundamentais, respeito à vida privada e familiar, proteção de dados pessoais, liberade de expressão e informação, ai incluído o pluralismo dos meios de comunicação social, não discriminção, respeito aos direitos das crianças e ao elevado nivel de defesa dos consumidores;
c) quaisquer efeitos negativos reais ou previsíveis, no discurso cívico e nos processos eleitorais, bem como na segurança jurídica;
d) quaisquer efeitos, negativos reais ou previsíveis, em relação à violência de gênero, proteção da saúde pública e aos menores, e as consequências negativas graves para o bem-estar físico ou mental da pessoa.
A análise de risco devera abordar como os riscos são influenciados pela manipulação intencional do seu serviço, bem como a amplificação e difusão potencialmente rápida e alargada de conteúdos ilegais e de informações incompatíveis com seus termos e condições.
Dispõe sobre as medidas a serem aplicadas para atenuar os riscos identificados (art. 35), sobre os mecanismos de resposta em caso de crise (art. 36), instituem auditoria independente às expensas dos fornecedores (art. 37). No art. 39 instituem a obrigação do fornecedor que veicule anúncios publicitários, de disponibilizar ao público um repositório, numa sesssão específica mediante ferramenta pesquisável e fiável por meio de consultas por multicritérios, no qual qualquer usuário possa ter informações sobre qualquer anúncio publicitário, até 1 ano após sua última exibição, contendo: o conteúdo do anúncio, pessoa em cujo nome foi exibido, quem pagou, se o anúncio foi exibido a grupo específico de usuários, informando os parâmetros utilizados para tanto, bem como o número total de destinatários alcançados.
O regulamento ainda institui taxa de supervisao para cobrir os custos que a Comissão Europeia terá para supervisionar o cumprimento do regulamento, bem como dispõe sobre a facilitação e incentivo à adoção de códigos de conduta para lidar com questões específicas, com questões de acesso e situações de crise.
Cada Estado Membro da Uniao Europeia designará seu coordenador de serviços digitais até 17 de fevereiro de 2024. O art. 51 do regulamento disçõe que este coordenador terá toda infraestrutura e poderes para investigar a conduta dos prestadores de serviços intermediários abrangidos pela competência do seu Estado.
O art. 52 trata das Sanções. Estas serão estabelecidas pelos Estados membros mas deverão ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. As sanções fixarão valor máximo em caso de incumprimento de uma obrigação prevista no presente regulamento, que deverá ser de até 6% do volume de negócios anual a nível mundial do prestador de serviços intermediários em causa, no exercício anterior. Os Estados-Membros deverão assegurar o montante máximo da multa que pode ser imposta pelo fornecimento de informações incorretas, incompletas ou enganosas, pela ausência de resposta ou pela não retificação de informações incorretas, incompletas ou enganosas e pela recusa de sujeição de uma inspeção, até 1% do rendimento ou do volume de negócios anual a nível mundial do prestador de serviços intermediári ou da pessoa em causa no exercício anterior. Já as multas máximas diárias podem corresponder a 5% do volume de negocios médio diário a nível mundial ou do rendimento médio diário do prestador de serviços intermediários me casua no exercício anterior, por dia, calculado a partir da data especificada na decisão em causa.
O regulamento disciplina o instituto da reclamação (art. 53) e o direito à indenização (art. 54), por quaisquer perdas ou danos sofridos devido a uma violaçao, por parte desses prestadores, das obrigações que lhes incumbem por força do regulamento.
Como já mencionamos, o equivalente no Brasil seria o “PL da Fake News”, que desponta como uma ferramenta protetora dos direitos dos brasileiros a uma comunicação responsável e confiável, com identificação de seus emissores, comerciantes, anunciantes. Em razão do ataque a escolas no Brasil, o Ministério da Justiça[7] editou uma normativa de emergência para concitar as plataformas a atuarem preventivamente na repressão contra as mensagens incitadoras da repetição desses ataques, de forma real ou previsível. A dolorosa experiência deve servir de aprendizado, de modo a incorporar em nosso Ordenamento Jurídico cuidados e meios efetivos de controle social e acesso público à informação.
No que diz respeito ao julgamento da constitucionalidade do artigo do Marco Civil da Internet que dispõe não estarem as plataformas responsabilizadas por conteúdo de terceiros, salvo se assim definido em decisão judicial, é evidente a ineficácia de uma medida que necessite aguardar um tramite judicial para ser colocada em prática. A velocidade da propagação, ou viralização, é incompativel com certos trâmites burocráticos. Ademais, o judiciário tem encontrado dificuldades em citar os responsáveis adequados pela adoção da medida, tendo em vista sua não localização em território nacional. Assim nossa jurisdição estaria sujeita à jurisdição de países nos quais tais empresas se localizam – não por acaso, exatamente onde a legislação é mais omissa. Assim, seguem captando, armazenando e manipulando dados de brasileiros, para cumprir seu desiderato. Isto significa, em absoluto, uma pá de cal na soberania estatal e independencia, em passo contrário ao próprio Tratado de Westfália, que desde o séc. XVII definiu os princípios do Estado moderno: soberania, igualdade jurídica, territorialidade e não-intervenção.
O regulamento europeu a este propósito é bastante rigoroso e instrutivo para a situação brasileira atual. Ele dispõe (art.13), que os prestadores de serviços que não possuam estabelecimento na União Europeia, mas que forneçam serviços nela, sejam obrigados a designar uma pessoa singular ou coletiva para agir como seu representante legal num dos Estados-Membros, de fácil e pública localização – a quem as pessoas, entidades ou autoridades competentes dos Estados Membros, a Comissão e o Comitê possam se dirigir para fins de intimação, recepção, cumprimento e execução de decisões emitidas em relação ao regulamento.
Eis o exemplo a ser seguido e melhorado com urgência, pois a tarefa está formalmente nas mãos do Congresso Nacional, mas a matéria da história jamais saiu das mãos do povo, das nossas mãos!
Conclusão
O tsunami de notícias, verdadeiras ou falsas, e a desestabilização das instituições, de forma permanente em constante estado de alarme, tem origem nesse caos produzido pelas plataformas online. Sobretudo as de grande porte, atuam sem qualquer parâmetro estabelecido para o bem comum e pelo setor público.
Portanto, dos ataques à democracia aos ataques às crianças em escolas, das cisões de famílias e amigos à quebra da institucionalidade mínima, tudo está permeado por esta desenfreada sede por engajamento e dinheiro infinitos com publicidade: poder absoluto, enfim! Nada é mais urgente no mundo atual que regulamentar as big techs, estabelecer suas responsabilidades, proporcionais aos poderes que exercem sobre todos nós, fazendo-as atuar para civilizar seus algorítmos. Impedir-lhes, se ainda é tempo, de imporem a barbarie onde muito foi difícil produzir uma sociedade de Estados, ao menos idealizados livres, soberanos e democráticos, e de cidadãos empoderados, protegidos e amparados por uma legislação programática para a eficácia dos direitos humanos.
Finis operis!
Elaine Noronha Nassif, Pós-doutora em Direito Público, Procuradorado Trabalho e Membra do TRANSFORMA MP
Élder Ximenes Filho,Mestre em Direito Constitucional, Promotorde Justiça e Membro do TRANSFORMA MP
[1] Disponível em <https://fsmjd.org/eixos-tematicos/comunicacao-e-tecnologias/> Acesso em 18.Abf. 2023. Onde foram propostas as seguintes linhas temáticas de debates:1. Democratização e universalização dos meios de comunicação.2. Plataformização e Proteção de dados pessoais.3. Limites da liberdade de expressão.4. Liberdade de imprensa.5. Conselho de imprensa.6. Regulação das redes sociais.7. Importância e efeitos dos algoritmos no processo democrático.8. Assédio judicial ao jornalismo 9. Ocupação das redes sociais – estratégias.10. Interoperabilidade dos sistemas de processos judiciais eletrônicos.11. Efetividade e qualidade da prestação jurisdicional nas audiências judiciais virtuais.12. Acesso à Informação.13. Imageboards e crimes de ódio.14. Campanhas de Desinformação.15. Disparo em massa de notícia.16. Fake News.17. Direito humano à Comunicação Pública, Privada e Virtual.18. Uso de imagens e linguagens estigmatizantes . Alguns desses temas forma objeto de debate na live disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=qTLRgt19c_o Acesso em 18.abr.2023.
[2] Exemplos são fartos: Elon Musk adquiriu o Twitter revelando o acesso do governo americano ao teor das mensagens dos usuário ao tempo em que manifestou a intenção de transformar a empresa de capital aberto em fechado (reduzindo assim a possibilidade de controle dos acionistas) e extinguiu departamentos inteiros voltados para inclusão, transparência e a autorregulação; Snowden denunciou amplo esquema de espionagem da CIA, em livro e filme, tendo por consequência seu autoexílio.
[5] No Brasil, a página do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomenda: Agência Aos Fatos, Boatos.Org, UOL Confere, Agência Lupa, Estadão Verifica e G1 Fato ou Fake..
[6] Alguns dos artigos não foram confirmados em acesso direto às fontes indicadas; sabe-se que o ChatGPT às vezes cria respostas falsas. Mantivemos o original para a conferência dos leitores.
[7] A Portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública 351/2023, “Dispõe sobre medidas administrativas a serem adotadas no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para fins de prevenção à disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais, e dá outras providências”. Está disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mjsp-n-351-de-12-de-abril-de-2023-476702096 Acesso em 23. Abr. 2023.