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Michele Alexander: a guerra às drogas é a nova escravidão

Por Gustavo Roberto Costa, na Carta Capital.

O sociólogo Jessé Souza, em sua magistral obra “A elite do atraso: da escravidão à lava-jato”, demonstra como a sociedade brasileira se formou de maneira independente de sua herança ibérica. Diversamente de Portugal, o que moldou a história social dos últimos quinhentos anos no Brasil foi a escravidão. O escárnio, o ódio e a falta de humanidade historicamente dispensados aos escravos permitiu que tivéssemos – até o dias atuais – uma sociedade em que a um grupo determinado de pessoas são reservadas apenas a exclusão, a pobreza, a prisão e a morte[1].

Ex-ministros da Justiça e mais de 70 entidades atacam liberação de armas e pacote de Moro

Publicado no Congresso em Foco.

O pacote anticrime de Sergio Moro e os decretos que facilitam o acesso às armas de fogo são alvos de manifesto de 11 ex-ministros da Justiça dos governos FHC, Lula, Dilma e Temer e de um ato organizado por mais de 70 entidades nesta terça-feira (4), no Largo São Francisco, em São Paulo. O principal argumento é que a flexibilização da posse e do porte de armas de fogo deve estimular o crescimento da violência, em vez de diminuí-la.

Entre as entidades da sociedade civil envolvidas no ato, estão a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e a Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro. O protesto está previsto para o início da noite na tradicional faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

O ato faz parte da campanha “Pacote Anticrime, uma solução fake”, lançada em março no Congresso, que classifica o projeto de Moro como uma falácia que não traz solução para o problema da segurança pública, contraria a Constituição e aprofunda o encarceramento em massa. “Deste modo, ao invés de promover segurança, o pacote, se aprovado, proverá na prática um aumento da violência e da insegurança pública, com graves efeitos financeiros sobre os estados federados e fortalecimento das organizações criminosas que agem de dentro do sistema prisional”, afirmam os organizadores.

Já o manifesto assinado por ex-ministros das gestões do PSDB, do PT e do MDB destaca que, apesar das diferenças de orientação de cada um, todos trabalharam para reduzir o número de armas em circulação. Eles contestam a facilitação no acesso a armas e munição, prevista em três decretos do presidente Jair Bolsonaro.

“Atuamos para fortalecer as capacidades nacionais de controle e fiscalização, reduzindo as armas em circulação. Também trabalhamos para enfrentar desvios e o tráfico de armas e munições. Resistimos às pressões de grupos no Congresso e de categorias que buscavam flexibilizar as condições de posse e as restrições ao porte de arma de fogo”, diz trecho do documento.

“Precisamos aperfeiçoar, por exemplo, os mecanismos de marcação de armas e munições e a qualidade das informações necessárias para permitir o rastreamento de armas desviadas para a ilegalidade e utilizadas na criminalidade, o que contribuirá para o esclarecimento de delitos”, defendem.

Assinam o texto os ex-ministros Aloysio Nunes Ferreira, Eugênio Aragão, José Carlos Dias, José Eduardo Cardozo, José Gregori, Luiz Paulo Barreto, Miguel Reale Jr., Milton Seligman, Raul Jungmann, Tarso Genro e Torquato Jardim.

Apresentado por Moro em 4 de fevereiro, o Projeto de Lei Anticrime promove alterações em 14 leis, que vão desde o Código Penal e o Código Processual Penal até legislações pouco conhecidas, como a Lei 12.037/2009 (que trata da identificação de criminosos pelo Estado) e a Lei 13.608/2018 (que regula o recebimento de denúncias e o oferecimento de recompensas). As mudanças, segundo Moro, foram organizadas em 19 objetivos, que visam atacar três questões centrais: a corrupção, o crime organizado e os crimes violentos. Para o ex-juiz federal, os três problemas estão interligados.

Veja a íntegra da nota dos ex-ministros da Justiça:

“Nós, ex-ministros da Justiça e da Segurança Pública, que em diferentes momentos da história fomos responsáveis por conduzir a política de segurança pública no âmbito federal, demonstramos nossa profunda preocupação com os retrocessos no controle de armas e munições e com o impacto dos decretos federais no desmantelamento dos principais pilares desta agenda.

A efetividade das políticas públicas depende de sua continuidade, monitoramento e avaliação constantes para que possamos aperfeiçoá-las e dar respostas a seus novos desafios. O controle de armas e munições no Brasil é uma agenda central para o enfrentamento do crime organizado e para a redução dos homicídios. Por essas razões, seus ganhos não podem ser colocados em risco. Precisamos trabalhar para o seu fortalecimento, impedindo retrocessos.

No período em que exercemos nossas funções de ministro, cada um de nós trabalhou para que fosse estabelecida no país uma política de regulação responsável de armas e munições. Em 2003, o Congresso aprovou o Estatuto do Desarmamento, um importante passo nesta trajetória. Resultado de mobilização entre diferentes partidos, organizações da sociedade civil e lideranças de diversos setores da sociedade, além de quase um ano de debates no Congresso, o estatuto definiu alguns dos pilares centrais desta regulação: proibição do porte civil, restrições à posse e o estabelecimento de mecanismos de controle de produção, circulação e comercialização de armas e munições.

Atuamos para fortalecer as capacidades nacionais de controle e fiscalização, reduzindo as armas em circulação. Também trabalhamos para enfrentar desvios e o tráfico de armas e munições. Resistimos às pressões de grupos no Congresso e de categorias que buscavam flexibilizar as condições da posse e as restrições ao porte de arma de fogo.

Independentemente dos partidos que estavam no poder e da orientação dos governos dos quais fazíamos parte, nosso compromisso sempre foi o de fortalecer avanços que consolidassem o Brasil como uma referência de regulação responsável de armas e munições para a América Latina e para o mundo.

Conquistamos avanços importantíssimos, incluindo a queda da taxa de crescimento de homicídios nos primeiros anos da legislação em vigor e a desaceleração no crescimento de mortes por armas de fogo nos anos posteriores. De acordo com o Mapa da Violência, na década seguinte à sua aprovação, o Estatuto do Desarmamento ajudou a salvar a vida de cerca de 133 mil brasileiros. Apesar desses avanços, agora se articula o desmantelamento de uma lei largamente discutida, democraticamente votada e universalmente executada por diferentes governos.

A consolidação de uma regulação responsável de armas e munições no país é uma ação de longo prazo e é preciso orientar todos os esforços para superar os desafios com os quais ainda somos confrontados. Tais esforços precisam ser feitos em contínua colaboração com os estados e quadros técnicos e profissionais que se dedicam ao enfrentamento dos desvios e tráfico ilegal de armas e munições, à redução da criminalidade e à prevenção da violência no país.

Neste sentido, precisamos aperfeiçoar, por exemplo, os mecanismos de marcação de armas e munições e a qualidade das informações necessárias para permitir o rastreamento de armas desviadas para a ilegalidade e utilizadas na criminalidade, o que contribuirá para o esclarecimento de delitos.

Como ex-ministros e cidadãos, estamos convencidos de que ampliar o acesso às armas e o número de cidadãos armados nas ruas, propostas centrais dos decretos publicados pelo Executivo federal, não é a solução para a garantia de nossa segurança, de nosso desenvolvimento e de nossa democracia.

Ao invés de flexibilizar os principais pilares do controle de armas e munições de nosso país, precisamos proteger o legado das conquistas que protagonizamos e concentrar nossos esforços na função primordial do Estado: garantir o direito à vida e a segurança para todos.”

#Contraditório – edição 1: O Brasil precisa prender mais?

O Transforma MP compartilha a primeira edição de “Contraditório”, um podcast sobre direitos humanos. Na estreia, Gustavo Roberto Costa, um dos coordenadores do Coletivo por um Ministério Público Transformador – Transforma MP, esclarece as falácias da política de encarceramento, apontando os verdadeiros objetivos por trás de uma visão punitivista da segurança pública.

Quais são os reais problemas do decreto que flexibiliza a posse de armas?

Por Dijaci de Oliveira e Najla Frattari, no Justificando.

A boa notícia deve ganhar espaço. Ela veio por meio da iniciativa de 13 governadores que publicizaram uma representativa oposição ao Decreto Presidencial No. 9.785/2019, que amplia o acesso às armas de fogo. Eles sabem, como todas as pessoas sensatas compreendem, que o fetiche das armas apenas ampliará o número de vítimas por armas de fogo. Isso ocorrerá tanto em conflitos banais tais como discussões de trânsito quanto em casos de suicídio e feminicídio.

Encaixotando gente

Por Haroldo Caetano, no Justificando.

No clássico filme Encaixotando Helena, um médico é obcecado pela beleza de Helena, sua paciente, mas, rejeitado em sua pretensão amorosa, resolve aprisioná-la. Afetado por uma perversão extremamente violenta e diante da recusa persistente, o médico começa então a fazer cirurgias sucessivas em Helena mediante o uso de anestésicos potentes, nela produzindo mutilações, até que ela, já sem braços e pernas, tem o que sobra do seu corpo completamente subjugado ao controle de seu algoz. O filme de Jennifer Lynch expõe até que ponto pode chegar a perversidade de alguém em busca da satisfação de uma vontade doentia.

Prisões em massa, o motor das facções que afetam a vida de metade dos brasileiros

Publicado no El País.

Chacinas nas ruas e massacres em presídios motivados por brigas entre facções criminosas rivais já se tornaram rotina no Brasil. Pelo segundo ano consecutivo o país vive um mês de janeiro sangrento com as tradicionais imagens de corpos mutilados, manchas de sangue no chão e parentes desesperados em busca de informações. Ano passado ocorreu no Amazonas, Roraima, Rio Grande do Norte e Acre. Este ano Goiás e Ceará foram palco da violência.

Como é de praxe, nestas horas as autoridades anunciam pacotes de medidas emergenciais tais como envio de tropas federais, construção de presídios e endurecimento das penas e da repressão ao tráfico de drogas. Mas especialistas ouvidos pelo EL PAÍS apontam que algumas destas supostas soluções são, na verdade, parte do problema. Proibição das drogas, encarceramento em massa e o tratamento desumanodentro do cárcere são justamente alguns dos fatores que levaram ao crescimento exponencial e à nacionalização do crime organizado no país. Pior: traçam um cenário sombrio no qual só a reversão dessas medidas, algo que não parece estar no horizonte nem no médio prazo no país, poderiam mitigar o problema.