O Coletivo por um Ministério Público Transformador vem por meio dessa nota prestar irrestrita solidariedade ao Juízes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, André Luiz Nicolitt, Cristiana de Faria Cordeiro, Rubens Casara e Simone Nacif Lopes, em razão de decisão do Conselho Nacional de Justiça, no último dia 24 de outubro, por meio da qual, por unanimidade, deliberou-se investigar os referidos Magistrados, em razão de terem participado de manifestações contra o impeachment da então Presidenta Dilma Rousseff, em 2016.
Lamentável, sob todos os aspectos, a decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça, especialmente à luz da liberdade de expressão, direito fundamental reconhecido a todas as pessoas em território brasileiro, seja ou não Magistrada.
Estranha-se a decisão, ademais, pelo fato de que no dia 31 de junho do ano passado os quatro Magistrados já foram submetidos a julgamento pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, tendo sido, naquela oportunidade, por 15 votos contra 6, arquivado o Procedimento Administrativo Disciplinar.
Também causou espécie o fato de que, nada obstante a decisão desfavorável aos Juízes, estes foram elogiados pelos Conselheiros por desempenharem suas funções de maneira exemplar, registrando todos uma alta produtividade, com reconhecida atuação no Tribunal.
Ora, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 alçou a liberdade de expressão a direito fundamental, no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (art. 5º, IV).
Ademais, no Capítulo V – Da Comunicação Social, do Título VIII – Da Ordem Social –, o art. 220 da Constituição da República dispõe que: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição.”
Note-se, outrossim, que a própria Lei Orgânica da Magistratura Nacional dispõe que “salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir” (art. 41).
Assim, não houve a prática de qualquer infração disciplinar por parte dos referidos Magistrados, mesmo porque, “dedicar-se à atividade político-partidária”, como veda a Constituição da República, difere da manifestação livre da expressão. Tratou-se, portanto, de uma decisão arbitrária, que escapa dos limites constitucionais.
Ao que parece os Magistrados estão sendo punidos, na verdade, por suas posições ideológicas, visto serem Juízes com uma visão garantista e comprometidos com os direitos fundamentais. Uma Magistratura independente e altiva e, sobretudo, livre para se expressar, é uma necessidade em uma Democracia.
A Constituição Federal, ao prever as atribuições do Conselho Nacional de Justiça, não lhe deu, ainda que se faça uma interpretação de natureza persecutória e de caráter pessoal (ad terrorem), atribuição para ser órgão censor em relação ao direito de livre manifestação do pensamento de membro da Magistratura, bem como de sua liberdade de consciência e de livre expressão da sua atividade intelectual. O Conselho Nacional de Justiça é responsável, tão somente, pelo controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros. Não pode converter-se em órgão censor contra o livre pensamento e expressão dos Juízes.
Assim, a abertura de novo procedimento contra os quatro Magistrados, por conduta praticada fora do exercício de suas funções, estabelece, indevidamente, um limite à liberdade de expressão de toda a Magistratura brasileira.
Por isso, a prerrogativa da independência funcional dos Juízes não admite subordinação intelectual ou hierarquia entre os membros da Magistratura. Não é possível buscar uma uniformidade ou alinhamento da formação ideológica de seus membros e tampouco a atividade censória das corregedorias e do Conselho Nacional de Justiça pode introduzir uma disciplina, aliás não escrita, para a partir dela alcançar esse fim.
“A censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público“, assentou o Supremo Tribunal Federal na ADPF 130. A proteção à liberdade de expressão, ou seja, de manifestação do pensamento intelectual, artístico ou científico faculta a todos exercerem o direito de crítica, não estando excluído dessa proteção nenhum indivíduo, nacional ou estrangeiro.
Diante do exposto, manifesta este Coletivo MP Transforma a sua irresignação em relação à decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça, ao tempo em que presta total e irrestrita solidariedade aos colegas Magistrados.