O sábado, 3 de dezembro, marca o Dia Mundial de Combate aos Agrotóxicos. A data lembra as vítimas da maior tragédia da indústria química, em 1984, na explosão da fábrica de agrotóxicos em Bhopal, na Índia.
Foram entre 4 e 10 mil mortes instantâneas, em meio a 200 mil intoxicados. Registraram-se, ainda, 25 mil casos de cegueira, com cerca de 50 mil incapacitados para o trabalho. Todavia, os números seguem nebulosos, pois a multinacional recusou-se a fornecer detalhes técnicos do desastre. Alegou sigilo industrial.
O Brasil já documentou experimento trágico com agrotóxicos em Paulínia – SP. Foram contaminados trabalhadores, familiares e a comunidade do entorno, por 30 anos. Há mais de 60 mortes dentre as mil vítimas que responsabilizaram a Shell-Basf, numa atuação emblemática do MPT perante a Justiça do Trabalho. O acordo judicial foi da ordem de R$ 500 milhões. Apesar disso, as empresas continuaram negando a negligência ou que a exposição tenha desencadeado prejuízo à saúde de pessoas.
A “opacidade”, o “silêncio”, a reação às “perguntas incômodas” e o “negacionismo científico” dos “mercadores da dúvida” foram estudados pela jornalista Fernanda Sández na obra “La Argentina Fumigada”, que investigou o caso das Províncias de Santa Fé e Entre Rios.
Pesquisadores independentes da produção de commodities agrícolas, dependente de fórmulas tóxicas rejeitadas pelos países civilizados, têm consciência de que a tragédia da exposição de trabalhadores brasileiros, proprietários ou empregados, ainda está por ser documentada e contada.
A OMS estima que apenas 2% das intoxicações são registradas, embora haja dados epidemiológicos alarmantes registrados por instituições científicas como a Fiocruz, Universidades Federais e Instituto Nacional do Câncer: câncer, aborto, malformação e desregulação hormonal, dentre outros.
Mesmo assim, tramita no Senado da República o PL nº 1.459/2022, um Substitutivo da Câmara dos Deputados, que altera totalmente o Regime Jurídico dos Agrotóxicos. Trata-se de uma proposição de fevereiro de 2022, mais grave do que aquela que teve início no Senado, que alterava apenas 2 artigos.
A proposição dá função secundária à ANVISA e ao IBAMA, concentrando a decisão sobre agrotóxicos na Agricultura. Também elimina o critério atual do perigo, que veda a análise de produtos causadores de câncer, aborto, malformação e desregulação hormonal, e introduz o impreciso e temerário conceito de “risco inaceitável”. Qual seria o percentual aceitável para malformação de crianças? Ou câncer?
Causa perplexidade a proposta de aprovação de agrotóxicos por decurso de prazo, caso não sejam observados o limite de tramitação dos pedidos de registro. O desmonte dos órgãos de análise passaria a ser de interesse da indústria.
Apesar de inventiva, a dispensa de registro de produtos destinados à exportação não interessa à agricultura nacional. Haveria a exposição de trabalhadores em fábricas, vizinhanças, rodovias, portos e mananciais d’água a agrotóxicos de composição e agressividade ignoradas pelas autoridades.
Também é incompatível com a Constituição a proposta de limitar a ação de Estados, Municípios e SUS no monitoramento da qualidade da água, dos alimentos e do ambiente, e na informação dos riscos de agrotóxicos.
Faz parte da estratégia de obscurecer a tentativa de mudar o nome, de agrotóxicos para “pesticidas”, e retirar a limitação à propaganda de substâncias tóxicas, prevista na lei atual. Os dispositivos indicam retrocesso, contrariando o direito constitucionalmente assegurado à informação.
Há um histórico de intimidação e silenciamento. A autora de Primavera Silenciosa, Rachel Carson, demonstrou cientificamente, em 1962, os danos de agrotóxicos organoclorados ao meio ambiente e à saúde humana. Sofreu campanha com ataques pessoais na condição de mulher pesquisadora, sendo acusada de comunista, conforme trecho da carta publicada na revista The New Yorker: “A posição de Rachel Carson reflete suas simpatias comunistas. Nós podemos viver sem pássaros ou animais, mas como demonstra a atual queda do mercado, não podemos viver sem a economia”.
Importante relembrar, a propósito, a contundente citação que Carson usou para se defender das infames acusações: a “obrigação de suportar nos dá o direito de saber”. Os brasileiros não podem ser ludibriados, têm o direito Constitucional e moral de discutir PL nº 1.459/2022 e de ser informados das consequências do uso dos agrotóxicos.
Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho e integrante do Coletivo Transforma MP.
A promotora de Justiça (MPMG) e integrante do Coletivo Transforma MP, Daniela Campos, doou dois exemplares da obra Democracia e Justiça em Pedaços à biblioteca da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) campus de Frutal.
A entrega dos livros ocorreu após uma palestra sobre Justiça Restaurativa para integrantes do Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da universidade, a qual a Daniela Campos apresentou sobre a importância da resolução de conflitos em diferentes perspectivas.
A obra “Democracia e Justiça em Pedaços” reúne centenas de artigos críticos de membros do Coletivo, que refletem sobre a situação política, racial e de gênero no país. Os livros podem ser adquiridos pelo site da editora Appris.
O Brasil padece de ânsias e carências extremas. Na agenda socioambiental, a lista de abandonos e urgências em questões vitais é enorme: fome e insegurança alimentar; emprego e trabalho digno; pequenos empreendedores; educação; saúde e descalabro sanitário; segurança pública e encarceramento; infância, mulheres, idosos e minorias; e clima.
A frente ampla e plural que venceu as eleições constituiu-se numa Trincheira Civilizatória, com vitória numericamente apertada. Porém, considerando as manipulações e as perversas estratégias utilizadas pelos derrotados, o desfecho sinaliza esperança. Porém, a pesada conta das demandas reprimidas, após uma gestão deliberadamente avessa à civilidade, chegará à mesa dos vencedores.
A história demonstra que, diferentemente do que é ensinado nas escolas, as mudanças que marcam a evolução da sociedade são construídas de forma lenta e custosa. Mesmo nas revoluções, os processos reais de construção não são marcados por arroubos mágicos e datados. Destruir é mais fácil.
Stefan Zweig, na biografia de Maria Antonieta, narra magnificamente os bastidores de Versalhes e os dramas de uma das monarcas mais polêmicas da história. Paralelamente, compreende-se que a Revolução Francesa não se definiu no 14 de julho (Tomada da Bastilha, em 1989). A Rainha só foi executada 4 anos depois. Além de descontínua e demorada, a Revolução teve fases e etapas, intermitências, avanços e recaídas.
O período mais turbulento e sangrento foi abordado por Victor Hugo na majestosa obra “O noventa e três”. O enredo descreve a guerra da Vendeia – confronto entre republicanos, movidos pelos ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade, e saudosistas da monarquia – com ricos detalhes e contradições do Tribunal Revolucionário.
Ao contrário de narrativas cinematográficas, que atribuem a um único dia a libertação da tirania e a universalização dos direitos e das liberdades, do Homem e do Cidadão, os franceses experimentaram reveses na caminhada: Monarquia Constitucional, Convenção Nacional, Diretório, Consulado e Império (Napoleão), Terror e guilhotina, golpes, revoltas e guerras externas.
Com avanços e recuos, a Segunda República deu lugar ao Segundo Império, de Napoleão III, que durou até 1870. Ou seja, somente 81 anos após à emblemática Tomada da Bastilha estabeleceu-se o regime republicano. Desde então a história continua sendo construída, entre sobressaltos e recaídas, e ainda há insatisfações e questões sociais pendentes de solução. Num período mais recente, a França sediou o Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, em 1919. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) surgiu do Tratado, com o objetivo promover a justiça social, condição reconhecida desde o preâmbulo da Constituição da OIT como necessária para viabilizar inclusive a prosperidade econômica, já que há consenso de que a miséria e as privações ameaçam a harmonia e a paz universais.
A história não é linear. As nossas conquistas sociais mais relevantes contaram com a ferrenha oposição de conservadores privilegiados, especialmente quando se buscou introduzir dignidade nas relações de trabalho, como na abolição da escravidão e no reconhecimento de direitos a trabalhadores, urbanos e rurais.
Aproveitadores e arautos do atraso mantêm-se à espreita. De forma oportunística, manipulam o desencanto com as dificuldades reais e as promessas democráticas não cumpridas. Eventualmente, espasmos reacionários triunfam sobre a noção de civilidade, como ocorreu no período recente, atrasando a marcha progressiva de afirmação dos direitos humanos, sociais e ambientais.
A preservação da esperança e o ânimo para a luta por tempos melhores são fundamentais para que se atinja o objetivo de retomar o caminho de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que garanta o desenvolvimento e ao mesmo tempo erradique a pobreza, reduzindo as desigualdades. Essas são marcas da Constituição de 1988, que aponta o caminho e não comporta retrocessos.
Há justos motivos para a pressa. Há demandas civilizatórias que devem ser priorizadas dentre as urgências, como a fome. Deve haver sabedoria e paciência histórica com o ritmo do processo, numa sociedade cindida e deliberadamente mal-informada. A reflexão do poeta Edson Marques talvez indique o caminho para a retomada civilizatória: “Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade”.
Quem, todavia, não quer discutir o capitalismo, deve igualmente calar-se sobre o fascismo (Max Horkheimer)[1].
Sem dúvida, muito já se falou a respeito das crises que atingiram a democracia de diferentes países nas duas primeiras décadas do século XXI. A literatura em torno do assunto é relativamente extensa e abrange vários exemplos, como Hungria, Polônia, Venezuela e até mesmo os Estados Unidos da América (EUA). Neste texto, a pergunta que se levanta é se o raciocínio normalmente apresentado nessas análises também é capaz de dar conta da crise que se abateu sobre o Brasil nos últimos anos.
De certo ponto de vista, quando se olha para a maior parte desses estudos, percebe-se que muitos deles são escritos por professoras e professores de universidades norte-americanas, que comungam de uma ideia meramente liberal de democracia. Além disso, esses trabalhos costumam apontar semelhanças nas estratégias que líderes políticos com tendências autocráticas adotam para minarem o regime democrático de seus próprios países.
Em um livro bastante famoso, os professores da Universidade de Chicago Tom Ginsburg e Aziz Huq, por exemplo, elaboram um conceito de democracia “tão minimalista quanto possível”, que se constrói a partir de 3 elementos básicos: (i) eleições competitivas; (ii) liberdade de expressão e associação; e (iii) Estado de Direito. Para eles, sempre que esses elementos forem atacados, será possível dizer que a democracia de um determinado país está em declínio[2].
Paralelamente a essa noção liberal de democracia, é comum que esses trabalhos descrevam processos semelhantes de erosão, que costumam se repetir em diferentes países. Neste ponto, Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, professores da Universidade de Harvard, são bem claros quando dizem que se antigamente as democracias morriam por golpes de estado, com a quebra evidente da legalidade, hoje em dia “constituições e outras instituições nominalmente democráticas restam vigentes. As pessoas ainda votam. Autocratas eleitos mantém um verniz de democracia enquanto corroem a sua essência”[3]. Um pouco além, a professora da Universidade de Princeton, Kim Lane Scheppele, diz que, após eleitos, líderes autocráticos se utilizam das próprias leis e dos processos de reforma da constituição para, entre outras coisas, imporem limites à atuação dos órgãos de controle do Executivo e se manterem no poder indefinidamente[4].
Há muitos exemplos que poderiam ser mencionados. Na Hungria, após a vitória nas eleições de 2010, o partido de Viktor Orban chamado Fidesz iniciou uma série de ataques à Corte Constitucional do país: primeiramente por meio de reformas na Constituição que tiraram a competência do Tribunal para o julgamento de questões orçamentárias; em seguida, com a aprovação de um novo texto constitucional entre 2011 e 2012, que, além de reduzir a idade máxima de aposentadoria dos juízes de 70 para 62, aumentou o número de membros da Corte de 11 para 15[5]. Na Polônia, em 2015, o Partido da Lei e da Justiça (PiS), de forte inspiração católica, também conseguiu interferir de forma grave na independência do Tribunal Constitucional. Por um lado, deixou de nomear para a Corte juízes que haviam sido indicados pelo governo anterior, aprovando a indicação de 5 outros nomes, que o próprio PiS acabou apontando, e, por outro, aprovou uma lei por meio da qual se passou a exigir uma maioria qualificada de 2/3 para a tomada de determinadas decisões pelo Tribunal, dificultando o controle de constitucionalidade das medidas executadas pelo governo[6]. Na Venezuela, o presidente Hugo Chavez aproveitou o apoio popular que tinha, para convocar uma constituinte e, em 1999, aprovar uma nova Constituição no país. Por meio dela, tanto o Congresso quanto a Corte Constitucional foram fechados, para logo em seguida serem preenchidos por novos membros aliados ao governo chavista. Além disso, por meio de emendas ao texto constitucional, Chavez conseguiu aprovar o direito de concorrer a sucessivas reeleições sem nenhum limite, o que o autorizou a permanecer no poder até o ano de sua morte, em 2013[7].
O receituário prescrito por acadêmicas e acadêmicos estadunidenses parece de fato se confirmar: ao invés de golpes militares, líderes autocratas são eleitos pelo povo e se valem das próprias ferramentas legais e constitucionais para destruírem o regime democrático por dentro. Mas e o Brasil? Também se encaixa nesse diagnóstico?
Por um lado, sim. Parece não haver maiores dúvidas de que o governo de Jair Bolsonaro sempre foi uma ameaça à democracia do país. O presidente foi eleito fazendo homenagens a Brilhante Ustra[8] e Augusto Pinochet[9]; dizendo que o erro da ditadura civil-militar de 1964-85 foi torturar e não matar[10]; que o ex-presidente Fernando Henrique devia ser fuzilado[11]; que certas mulheres não mereciam ser estupradas por serem supostamente feias[12]; que quilombolas se pesavam em arrobas e não serviam sequer para procriar[13]. O presidente nunca escondeu suas convicções, e se você, leitor, votou nele, você sempre soube de todas elas. Consciente ou inconscientemente, você talvez aprovasse essas coisas e tentou se justificar dizendo que tudo isso não passava de piadas.
O fato é que, uma vez eleito, Bolsonaro se juntou aos seus colegas autoritários (Orban, Erdo?an e Hugo Chavez) e colocou o Brasil na lista de países com democracia em crise. Ao longo de seu mandato, o presidente instigou seus eleitores contra o Congresso e, principalmente, o Supremo Tribunal Federal; referiu-se a ministros do Tribunal como “canalhas”; ameaçou não cumprir decisões da Corte[14]; capturou diversos órgãos como o Ibama, a Funai, a Fundação Palmares e, sobretudo, a Procuradoria-Geral da República, mediante a nomeação de pessoas que desempenharam funções totalmente contrárias ao papel que lhes cabia por lei[15]. Além de tudo isso, diante das dificuldades encontradas no Congresso para aprovar suas pautas reacionárias, Bolsonaro inovou nas estratégias de autocratização, ao se ver obrigado a editar decretos infralegais que violavam a Constituição de 88, como o que extinguiu conselhos populares e o do tão falado sigilo de 100 anos[16]. Sem se esquecer, é obvio, de sua postura na pandemia da Covid-19, que para muitos especialistas chegou a ser criminosa.
Sob esse ponto de vista, com certeza, a derrota de Bolsonaro representa um alívio; o Brasil parece ter encontrado uma saída desse buraco de lama no qual se afundou. Mas e a eleição de Lula representa de fato o fim da crise no país?
Essa resposta só o tempo irá dizer. Como o professor da UFMG David Francisco Lopes Gomes ensina, a crise que atingiu o Brasil é muito mais profunda do que dizem os slogans da literatura ianque[17]. Na verdade, ela é uma crise do modelo de bem-estar social. E, por isso, além de não se iniciar com Bolsonaro, pode não ter um fim com a eleição de Lula, apesar de tudo o que a história do petista representa.
É inegável que, durante a primeira década dos anos 2000, o Brasil experimentou um sensível avanço com a redução das desigualdades econômicas e a inclusão social de parcelas mais vulneráveis da população. Ainda que muito mais pudesse ter sido feito, milhões de pessoas saíram da miséria. Todavia, como Joaquim Nabuco chegou a dizer, o Brasil é o país cuja escravidão negra deixou marcas muito profundas; é o país do elevador de serviço para pretos e pobres; onde as elites dizem sem medo que a universidade tem que ser para poucos[18] e que empregada doméstica não pode ir para a Disney, nos EUA[19].
Num país assim, em que a desigualdade e o racismo são problemas estruturais, não iria demorar para que houvesse uma violenta reação às poucas conquistas sociais obtidas na primeira década do século. Bolsonaro pode ser o auge dessa reação, mas não é o início dela. Já no governo de Michel Temer é possível perceber o quanto o país caminhava a passos largos para um modelo neoliberal, que, com base no argumento de fortalecer a economia, passou a deixar em segundo plano os direitos sociais e trabalhistas.
É nesse contexto que se aprova a emenda constitucional n. 95/2016, que instituiu um novo regime fiscal para o Brasil, impondo um limite aos gastos públicos em matéria de educação e saúde por 20 anos – uma medida que, segundo Richard Albert, teria provocado um desmembramento do texto constitucional brasileiro[20]. É nesse mesmo contexto também que se aprovam as leis 13.429 e 13.467, ambas de 2019, que flexibilizaram o caráter protecionista do direito do trabalho brasileiro, ao concederem ampla liberdade na locação de mão de obra aos empresários e ao determinarem o fim da contribuição sindical obrigatória. Nunca é demais lembrar ainda da reforma da previdência aprovada já no governo Bolsonaro, pela emenda constitucional n. 103/2019, que, para Emílio Meyer, representa um dos pontos recentes de aliança entre o autoritarismo e o neoliberalismo no Brasil.
Sob essa perspectiva, até mesmo o STF, que parecia ser um defensor da democracia, muda de lado, para se mostrar um aliado do governo e, em conjunto com ele, fazer avançar a agenda de erosão dos direitos sociais. Quando não foi o caso de um silêncio estratégico, disfarçado pelo julgamento de outras demandas que ocupavam a pauta do Tribunal, o que se viu foi o reconhecimento da validade daquelas medidas neoliberais.
Diante de todas as alianças feitas pelo presidente Lula para ganhar a eleição e derrubar de vez a ameaça que Bolsonaro representa para a democracia brasileira, fica a pergunta sobre se, ultrapassado esse perigo imediato, a crise mais profunda que atinge o coração do constitucionalismo social do país também será devidamente enfrentada. Sem desmerecer a literatura norte-americana, o fato é que os problemas brasileiros são muito mais graves do que aquilo que os best sellers de aeroporto conseguem descrever. A erosão democrática, por aqui, é apenas a parte mais visível de todo um processo de desmonte de direitos sociais – uma espécie de fungo que repousa na superfície de um corpo já bem degradado por dentro[21]. Como o filósofo alemão Max Horkheimer há muito tempo já disse, a crítica ao fascismo é sempre incompleta, se ela se esquece de dar atenção aos interesses econômicos que o autoritarismo pretende garantir. Apesar de cool, a análise de professoras e professores das universidades mais glamorosas dos EUA não esgota a totalidade da crise que se abateu ao menos no Brasil; e, por isso, ela deve passar por um filtro de adaptação mínima ao contexto do país. Quem, porém, não se dispuser a discutir os problemas do capitalismo brasileiro, não tem por que querer discutir a crise democrática nacional.
De um modo ou de outro, o que se espera é que o presidente Lula e sua equipe saibam o que realmente está em jogo no Brasil e que só não tenham se calado em relação ao fungo, porque perceberam antes o que já estava apodrecido por dentro.
[1] No original: Wer aber vom Kapitalismus nicht reden will, sollte auch vom Faschismus schweigen (tradução livre). HORKHEIMER, Max: Die Juden und Europa. In: Gesammelte Werke. Band 4, Frankfurt am Main 1988, S. 308.
[2] GINSBURG, Tom HUQ, Aziz. How to save a constitutional democracy. Chicago: The University of Chicago Press, 2018, p. 43.
[3] LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2018, p. 11.
[4] SCHEPPELE, Kim Lane. Autocratic Legalism. University of Chicago Law Review, 2018, 85, p. 545-583.
[5] LANDAU, David. Abusive constitutionalism. University of California, Davis Law Review, v. 47, 2013, p. 189.
[6] GINSBURG, Tom HUQ, Aziz. How to save a constitutional democracy. Chicago: The University of Chicago Press, 2018, p. 99.
[7] LANDAU, David. Abusive constitutionalism. University of California, Davis Law Review, v. 47, 2013, p. 206.
[8] Veja-se a notícia disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/08/08/bolsonaro-chama-coronel-ustra-de-heroi-nacional.ghtml.
[9] Confira-se a reportagem em: https://veja.abril.com.br/mundo/bolsonaro-exalta-ditadura-de-pinochet-no-chile-e-ataca-pai-de-bachelet/.
[10] Veja-se a notícia veiculada em: https://jovempan.com.br/programas/panico/defensor-da-ditadura-jair-bolsonaro-reforca-frase-polemica-o-erro-foi-torturar-e-nao-matar.html.
[11] Confira-se a reportagem disponível em: https://revistaforum.com.br/politica/2017/10/10/bolsonaro-ja-defendeu-tortura-fuzilamento-de-fhc-veja-video-23506.html.
[13] SARMENTO, Daniel; PONTES, João Gabriel Madeira. Democracia Militante e a candidatura de Bolsonaro: inelegibilidade a partir de interpretação teleológica do art. 17, da Constituição? Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/democracia-militante-e-a-candidatura-de-bolsonaro-24082018>
[14] Confira-se a notícia disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-chama-moraes-de-canalha-e-diz-que-nunca-sera-preso/.
[15] MEYER, Emílio Peluso Neder. Constitutional erosion in Brazil: Progresses and failures of a constitutional project. Oxford: Hart, 2021.
[16] Como se sabe, Bolsonaro tentou interferir na autonomia das Universidades Públicas, pela Medida Provisória (MP) 979/2020; afetou a demarcação de terras indígenas pelas MP’s 870 e 886/2019; editou decretos que extinguiam conselhos populares (9759/2019), que violavam o direito à educação de pessoas com deficiência (10.502/2020), que ameaçavam o meio-ambiente (10.224/2020; 10.239/2020; 10.223/2020), que ampliavam o acesso da população a armas de fogo, favorecendo inclusive pessoas acusadas pelo Ministério Público de envolvimento com milícias e que, é claro, impunham 100 anos de sigilo a atos e informações pessoais de integrantes do governo.
[17] GOMES, David Francisco Lopes. Emilio Meyer, constitucionalismo e autoritarismo: sobre Constitutional Erosion in Brazil. Cadernos da Escola do Legislativo, v. 24, p. 201-222, 2022.
Recentemente, mais precisamente no dia 05 de novembro deste ano de 2022, um grupo de pessoas composto por juristas (com membros de várias instâncias do Poder Judiciário e advogados) e o conhecido médico Drauzio Varela, publicaram uma carta aberta ao Presidente eleito, pedindo que este reveja a Lei de Drogas e evite o encarceramento em massa de homens e mulheres. Destaca o artigo os efeitos nefastos da pena de prisão, ressaltando o papel central da criminalização de determinadas substâncias e a falta de critérios objetivos na tipificação de condutas – que permite, muitas vezes, a persecução de mero porte como se tráfico fosse – para a explosão do aprisionamento. Argumenta que essa é uma das causas centrais que contribuem para inserir o Brasil entre os três países com maior número de encarcerados.
Muito embora saibamos que a questão de melhor definir os contornos do que se pode entender como crime de tráfico não dependa das atribuições exclusivas da Presidência da República, demandando atuação do Congresso Nacional na revisão dos diplomas legais que regulam a questão, o tema é interessantíssimo por chamar essa pauta à reflexão, tratando-se de discussão indispensável para qualquer pessoa interessada em segurança pública; equidade na aplicação do direito; enfim, que manifeste algum tipo preocupação séria com questões sociais.
Gostaria de consignar que concordo com a proposta trazida pelos signatários da referida carta e poderia, ainda, acrescentar outros vários argumentos além da injustiça e do desserviço à segurança pública que é esse aprisionamento de microtraficantes. Não só pelas consequências nefastas produzidas pelo próprio encarceramento, tais como as descritas no documento referido e como já é sabido por qualquer um que se dedique um mínimo a estudar a prisão mas, também, e por exemplo, pelo fato que esse tipo de persecução acaba por transformar-se em atividade principal das polícias ostensivas; tal se dá, já por ser a forma mais simples de fazer crescer estatísticas, o velho “mostrar serviço”; quanto devido à circunstância de ser fortemente induzida tal atividade pela pressão midiática (que acaba modulando também uma pressão social no mesmo sentido).
Atuando dessa forma a polícia tem enorme parte de seu contingente voltado a atacar tal conduta que, na maioria das vezes, apresenta mínimo potencial de lesão social (punido por ser proibido[1]), e fica com enorme dificuldade de se voltar contra crimes de grande potencial de lesão, como aqueles praticados com violência real contra a pessoa (punidos por serem maus em si mesmos). Essa seletividade iniciada, em termos de persecução penal, pela polícia, evidentemente se reflete na sobrecarga das instâncias criminais posteriores (polícia judiciária, Ministério Público e Justiça), que, igualmente, têm suas atividades comprometidas, ao menos em qualidade, pela avalanche de casos de microtráfico.
Muitos outros argumentos seriam cabíveis nesse debate, até mesmo a questão de eventual descriminalização de determinadas substâncias, mas esse já seria outro debate, mais amplo. De sorte que, no momento e em relação ao texto em comento, resta ressaltar ser muito oportuna a manifestação, sendo?, sem dúvida, um interessante e importante movimento no sentido de se pensar racionalmente a questão e não manter uma velha e superada “guerra às drogas”, iniciada por Nixon nos EUA no longínquo ano de 1971 e já abandonada no próprio país em que nasceu, e em muitos outros, por se mostrar inútil e, pior que isso, contraproducente. A tão propalada guerra às drogas teve o efeito (demonstrado por diversos estudos sérios, cujas referências deixam de ser mencionadas neste texto pelo caráter sintético a que se propõe) de gerar muito mais dano social que proteção.
Finalmente, observa-se ser lamentável que entre os signatários da Carta perceba-se a falta de participação de representantes do Ministério Público na iniciativa. Acredito que o caráter punitivista adotado por uma parte de seus membros possa ser, sem dúvida, um dos fatores que levaram nossa Instituição a, talvez, não ser convidada a assinar a manifestação.
Acho oportuna a ocasião para propor mais uma reflexão a ser doravante desenvolvida, além do próprio debate induzido pela Carta: refiro-me à necessidade de pensarmos seriamente a respeito de voltarmos a respirar os ares democráticos e humanistas de 1989, época do pós-Constituição Cidadã e discutir o papel do Ministério Público, especialmente na seara criminal, como ator muito maior e mais importante que um acusador de plantão. Parece urgente encontrarmos meios de reacendermos a imagem da Instituição, especialmente entre seus membros, como aquela encarregada de buscar a realização da justiça substancial, que nem sempre – na verdade quase nunca – se perfaz com condenação ou imposição de pena e, muito menos, da pena mais dura possível[2]…
* O autor é Procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná, Doutor em Filosofia (PUC-PR) e Mestre em Ciências Sociais Aplicadas (UEPG-Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR). Foi professor de direito penal e constitucional na UEPG; na Escola da Magistratura do Paraná e na Fundação Escola do Ministério Público do Paraná. Autor do livro “Movimento de ‘lei e ordem’ e a iniquidade do controle social pelo sistema penal no Brasil” – Ed. Lumen Juris, 2009. É membro do Coletivo MP Transforma.
[1] Aqui trago a ideia expressada por SENECA punitur, quia peccatum est (De ira, Livro 1, 16, 21 (punido, porque pecou), apud CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal, Parte Geral, 3ª ed., p. 462; Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2008.
[2] Infelizmente, como menciona Hassemer, as “esperanças relativas aos efeitos favoráveis da punição estatal são formuladas, nos últimos tempos, com uma ênfase e detêm uma unanimidade raramente encontrada no campo da política interna (…) se inserem na posição de um remédio para todos os males”. HASSEMER, Winfried. Por que e para qual fim punimos. In Direito Penal Libertário. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 81-98.
Presidente eleito deve mediar novos pactos e mostrar ao mundo que é possível derrotar o fascismo com o melhor da democracia.
Alessandra Elias de Queiroga é Promotora de Justiça no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Marlon Alberto Weichert é Procurador regional da República em São Paulo
[RESUMO] A terceira eleição de Lula (PT) à Presidência carrega o simbolismo da trajetória de Nelson Mandela, que conduziu a reconstrução do tecido social de uma África do Sul à beira da guerra civil. A vitória da proposta democrática nesta eleição, comprometida em enfrentar a semente do nazifascismo, é o primeiro passo de um novo processo de transição no Brasil, que deve reestabelecer a verdade, promover justiça e reparar vítimas.
O mundo, desde os anos 1990, teve poucos líderes que se destacaram como estadistas. Certamente, Nelson Mandela foi um deles. Madiba, como carinhosamente era chamado pelo povo sul-africano, lutou por décadas contra o regime do apartheid e passou 27 anos preso. Em 1994, foi eleito presidente, conduziu a transição política da África do Sul e garantiu a pacificação de uma sociedade então conflagrada e à beira de uma guerra civil. Sob o apartheid, a maioria negra da África do Sul sofreu todo tipo de violação de direitos e, em um Estado controlado pela minoria branca, precisou resistir e se organizar, inclusive com o recurso à luta armada, para conquistar a liberdade e a igualdade.
No colapso do último governo autoritário, temia-se que o país entrasse em convulsão, em boa parte pela força da indignação dos que haviam sofrido, por tanto tempo, a violência do regime de segregação racial. Mandela, que havia sido um dos líderes da resistência armada, conduziu o país por outro caminho, o da reconstrução do tecido social.
A terceira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) traz a força do simbolismo de Madiba. Ainda que não seja possível comparar o tempo e as condições de cárcere, Lula, personagem político nascido das intensas lutas sindicais e sociais dos anos 1970 e 1980, depois de duas vezes presidente, foi duramente perseguido pela Operação Lava Jato e, condenado por um juiz parcial, foi preso injustamente, como decidiu, reiteradamente, o STF (Supremo Tribunal Federal).
Vasculharam a sua vida e a de seus familiares, humilharam-no, negaram-lhe até mesmo o direito de enterrar um irmão. Deram-lhe todos os motivos para cultivar o ódio, o ressentimento e o sentimento de vingança.
Libertado, entretanto, não assumiu o papel que se podia dele esperar, como de qualquer humano, de buscar revanche. Ao contrário, Lula tomou para si a responsabilidade de liderar um projeto de afastar do Brasil a semente, já germinada e em plena frutificação, do nazifascismo. Com uma liderança que somente os grandes estadistas possuem, organizou uma frente democrática e enfrentou uma das mais desiguais e desonestas campanhas eleitorais da história brasileira. Lula e a ampla aliança que costurou venceram o gabinete do ódio, a estrondosa manipulação dos orçamentos público e secreto, a violência miliciana e, ainda, a omissão dos órgãos de controle.
Com o compromisso de salvar a democracia, resgatar o projeto constitucional de redução das desigualdades sociais e investir na solidariedade, impuseram, pela primeira vez na história brasileira, a derrota a um candidato à reeleição presidencial. O resultado foi apertado, é fato, mas, diante do contexto, a vitória é estrondosa.
O novo presidente da República assumiu com o povo brasileiro, em seu primeiro discurso após a eleição, um compromisso: governar para todos, vencedores e vencidos, para os 215 milhões de brasileiros e não apenas para a metade que votou nele e na frente ampla. Essa tarefa não será fácil de cumprir, pois, afinal, o país está mais dividido que nunca, com um grupo, de tamanho ainda indeterminado, defendendo o uso da violência e do golpismo para derrubar a vontade democrática da maioria.
Não nos iludamos. A vitória da proposta democrática e civilizatória desta eleição é só o primeiro passo de uma longa caminhada para a reconciliação nacional, que dependerá de um novo processo de transição. Porém, esse processo de transição não é responsabilidade apenas do chefe do Poder Executivo, mas de todos os atores da sociedade.
A grandeza de Lula não pode servir de desculpa para que os demais agentes pensem que sua eleição resolve todos os problemas. Como alerta Boaventura de Sousa Santos, seria “estultícia irresponsável pensar que o processo golpista terminou”.
De fato, acreditar que Lula sozinho será o salvador da democracia e aplacará toda a violência política iniciada em 2014 —quando um grupo político impugnou o resultado das eleições que reelegeram Dilma Roussef—, seria compactuar com o pensamento da extrema direita, para quem um líder vale mais que os partidos políticos, todas as instituições de um país, as iniciativas coletivas.
De fato, é no conservadorismo radicalizado que a figura do líder “mitológico” se afigura como elemento essencial. Natascha Strobl, em recente livro destacado pelo podcast Filosofia Vermelha, ressalta as seguintes características desses movimentos de extrema direita: a criação destruidora ou a transgressão consciente, a polarização com a ideia de nós contra os outros, o líder, o desmonte antidemocrático do Estado e suas instituições, a encenação midiática e a criação de realidades paralelas. É esse movimento que busca a destruição da democracia e das instituições públicas.
A desconstrução desse radicalismo antidemocrático depende de um esforço coletivo da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais e das instituições, no sentido de restaurar o valor da pluralidade política e da dignidade da pessoa humana.
O líder, neste caso, não terá o papel de dizer a verdade, de guiar as massas cegas, como se propaga no contexto de extrema direita. A sua função, na social-democracia, é de mediar os pactos entre os atores sociais e políticos. A sua missão não é redentora, mas de impulsionar, intermediar e validar o processo institucional e democrático de reversão da política de terra arrasada —e de “passagem de boiadas”—, assim como de reforço das estruturas do Estado democrático de Direito.
Diferentemente do que se tentou após a ditadura militar, cuja transição foi baseada no esquecimento e na impunidade das graves violações dos direitos humanos cometidas, o Brasil terá que repassar tudo o que aconteceu no passado recente e relacionar os acontecimentos com as heranças ditatoriais que permaneceram encravadas nas esferas pública e privada mesmo após 1988.
Identificar, compreender, responsabilizar e reverter os abusos praticados contra as regras democráticas, o meio ambiente, a educação, a saúde, os povos indígenas e as comunidades tradicionais, os órgãos de controle da administração, a produção de dados científicos e todos os demais valores essenciais do Estado democrático de Direito será elemento essencial dessa iniciativa. Revelar a verdade, promover justiça, reparar vítimas e garantir a memória de todas as violações de direitos são missões a cumprir.
Será, sobretudo, fundamental investir em reformas nas instituições que contribuíram, com ação ou omissão, para o arroubo autoritário, a começar por aquelas que passaram ilesas na transição pós-ditadura e se revelaram ainda dominadas por culturas e práticas antidemocráticas. Somente assim será possível almejar que o país se fortaleça para prevenir a recorrência de projetos incompatíveis com o desenho constitucional e para permitir a reconciliação dos brasileiros.
A busca da verdade e da justiça de transição passa pela necessidade de se fazer um diálogo com toda a sociedade, sem o desprezo a nenhum segmento, mesmos os mais conservadores, religiosos e ideológicos, desde que interessados em uma convivência civilizada e afastada do nazifascismo. Para isso, é necessário investir na comunicação ética e eficaz, no diálogo deliberativo e em um pacto de restabelecimento da verdade histórica.
Nesse contexto, vale lembrar da obra-prima distópica de George Orwell, “1984”, que retrata uma sociedade de controle em que, por meio do Ministério da Verdade, todo o passado é alterado, criando-se uma memória histórica falsa, para que as pessoas se conformem com o presente e assintam com o futuro. Ali se diz, com precisão que não parece ficcional, que “quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”.
De fato, quando nos falta acesso ao que realmente ocorreu no nosso passado histórico, abrimos espaço para a construção de uma retórica fraudulenta que, entre outras consequências nefastas, cria uma nostalgia de um tempo que nunca aconteceu, de uma sociedade próspera que foi apenas almejada, mas nunca alcançada.
Esse é o germe da realidade paralela, das notícias mentirosas (fake news), do “terraplanismo”, da aversão à ciência e ao sistema de peritos. O restabelecimento da verdade é, portanto, uma medida fundamental para quem está sob o domínio do tempo presente. Somente assim haverá algum controle possível sobre o futuro.
Lula e a frente ampla certamente reúnem as melhores condições para levar adiante esse novo processo de transição. Seja porque foram eleitos para garantir a democracia, seja porque aprenderam e sentiram na pele as consequências de não terem investido o suficiente na superação do legado da ditadura militar.
De fato, se a necessidade de um processo amplo de justiça de transição após o fim da ditadura tivesse sido levada a sério, o militarismo, o golpismo e o fascismo não teriam tão facilmente ressurgido no país, e o STF e as instituições democráticas não estariam tão afrontadas.
Lula, que retorna à presidência com 77 anos, à semelhança de Mandela, que tinha 75 anos quando a assumiu, pode situar-se ao lado de Madiba como arquiteto da reconciliação de um país. O Madiba brasileiro tem todos os atributos para liderar esse processo de transição, com ampla participação social. Será excelente oportunidade para identificar a origem de nossos problemas, bem como os crimes e as violações dos direitos humanos e do regime democrático cometidos nesses últimos anos e sua relação com a ditadura.
O processo de reconstrução do Brasil poderá então ser iniciado. O nosso tempo demanda que esse processo seja sério e que dê as condições para resolver os dilemas de nossa sociedade no estrito espaço do convívio democrático.
Rememorando o filósofo Mark Fisher, que prematuramente nos deixou em 2017, todos nós, cidadãos que lutamos pelo bem comum, pelo bem viver de toda a coletividade, não podemos parecer apenas sonhadores utópicos. Temos que ter nosso próprio realismo, conhecer onde estamos e para onde queremos ir.
Esse é um desafio que precisa ser superado em muito pouco tempo, porque o fascismo nos ronda de maneira ameaçadora e mostra seus dentes nas almas inquietas de pessoas comuns, fascinadas pela figura do líder “que é contra tudo isso que está aí”.
Assim como o mundo não foi o mesmo depois do processo que Mandiba liderou e que permitiu uma nova consciência sobre a violência do racismo, também Lula pode ser peça-chave para demonstrar que é possível derrotar o fascismo com o melhor da democracia, com o fortalecimento de uma sociedade plural e diversa, na qual a divergência não sacrifica a solidariedade.
O país não pode seguir no rumo atual, sob risco de colapso e ampla violência. A comunidade internacional e especialmente a América Latina esperam e precisam que o Brasil faça a diferença, como elemento central para estancar a ameaça autoritária e redefinir a própria expectativa de salvação socioambiental do planeta.
O Brasil foi surpreendido por atitudes isoladas e antidemocráticas de fechar estradas e acessos às cidades, por uma minoria de defensores do candidato derrotado, Jair Bolsonaro. O Presidente se manteve em silêncio por 45 horas e fez um discurso raso e minúsculo, em que avaliza as manifestações antidemocráticas.
Repudiamos qualquer movimento que atente contra os resultados eleitorais e a Democracia no Brasil.
As eleições representam o ponto mais alto da Democracia e explicitam o significado de “Governo do Povo”. Respeitar a voz das urnas deve ser a atitude e a consciência política de todo candidato e de que legitima o processo democrático, nada se espera de diferente, respeito ao veredito popular.
A alternância de poder é própria da Democracia e é preciso compreender que os que hoje são governo, amanhã poderão ser oposição e vice-versa, é o amadurecimento da democracia sólida de uma nação.
Nada, porém, pode obstar a Vontade expressa no voto, a transição e o respeito pelo que foi decidido pelas urnas. Qualquer manifestação que vise impedir que os eleitos assumam seus mandatos, atentam contra os princípios basilares do Brasil e configuram grave atentado contra a Democracia, que foi construída a duras penas e com o sangue e suor de brasileiras e brasileiros que não se mantiveram inertes diante do autoritarismo.
A Democracia venceu e deve ser abraçada por todos, quem vence e quem perde, no dia seguinte o que importa é o interesse maior do Brasil, sua união num só país, a decisão da maioria cria o momento.
Assinam:
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST Associação Brasileira pela Democracia – ABJD Associação Juízes Para a Democracia – AJD Associação dos Advogados e Advogadas pela Democracia Justiça e Cidadania – ADJC Movimento da Advocacia Trabalhista Independente – MATI Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal – Condsef Sindicato dos Advogados e Advogadas de São Paulo – SASP Sindicato dos Advogados do Espírito Santo Sindicato do Metroviários de São Paulo Sindipetro PA/AM/MA/AP Sindiquímica-BA Federação Nacional dos Estudantes de Direito – FENED Frente Esperança Garcia OBSERVATÓRIO JURÍDICO DEMOCRÁTICO- OJD/GRU. Frente Ampla em Defesa dos Direitos Humanos – FADDH Bloco Tricolor Antifa Grupo Tribuna Trabalhista Assessoria Popular Maria Felipa – Minas Gerais Instituto Trabalho Digno
Muitos de nós que desejam um mundo próspero para todos e não apenas para uma pequena minoria de privilegiados, sabem que derrotar o neoliberalismo é o maior dos nossos desafios. Mas se queremos derrotá-lo, é nosso dever antes compreendê-lo. Afinal, o que é o neoliberalismo? Quais são suas origens e fundamentos, e quais os seus objetivos, os declarados e os reais?
Simplificadamente, pode-se afirmar que o credo neoliberal parte da seguinte ideia: o Estado é ineficiente, corrupto, gasta excessivamente e exige do empreendedor pesados encargos, dificultando o crescimento econômico. Assim, é necessário reduzir o tamanho do Estado, cortando gastos e diminuindo os custos suportados pelas empresas. Sob a lógica neoliberal, tais medidas impulsionarão o desenvolvimento econômico e todos serão beneficiados.
Ocorre que passados 30 anos de hegemonia neoliberal no mundo, não parece que seu receituário tenha dado certo, pelo menos não para os 99% mais pobres. Estudos da Oxfam apontam que o 1% mais rico do mundo tem hoje mais do que o dobro da riqueza somada de 6,9 bilhões de pessoas[1]. Mais impressionante ainda é saber que um novo bilionário surge a cada 30 horas, enquanto cerca de 263 milhões de pessoas foram empurradas para a extrema pobreza em 2022[2].
Diante de tudo isso, uma pergunta se impõe: se o mundo real mostrou que o neoliberalismo fracassou em seus objetivos declarados de produzir estabilidade e desenvolvimento, por que diariamente seus porta-vozes, na mídia e nas universidades, continuam a nos dizer que as reformas neoliberais são a pré-condição para o sucesso econômico? Paul Krugman, agraciado com o prêmio Nobel de economia, costuma afirmar, numa mistura de ironia e perplexidade, que o neoliberalismo é uma espécie de ideia zumbi, que, apesar de considerada morta pelo teste da realidade empírica, continua a devorar o cérebro dos fundamentalistas do livre mercado[3].
A perplexidade, contudo, não ajuda a explicar a persistência do neoliberalismo. Para compreendê-la, é preciso ter em conta que o neoliberalismo não é apenas um conjunto de ideias que pretendem ser aplicadas para se obter determinado resultado econômico. O neoliberalismo é, sobretudo, um projeto de poder político classista. Se do ponto de vista econômico ele se revelou um fracasso, como projeto de poder político o neoliberalismo é um sucesso absoluto. E ao contrário do que a ideologia neoliberal proclama, o processo de neoliberalização tem sido conduzido diretamente pelo Estado, a partir de uma intervenção estatal extensa e permanente a serviço das elites do dinheiro[4]. Privatizações, redução de impostos sobre a riqueza e o capital, diminuição dos direitos trabalhistas e previdenciários, cortes de gastos nas áreas da educação, da saúde e em outros programas sociais nada mais são do que o Estado atuando diretamente para transferir renda dos mais pobres para os mais ricos. E o mesmo se pode dizer da abertura financeira e comercial exigida pelas políticas neoliberais, que servem unicamente à finalidade de aumentar a dependência econômica dos países subdesenvolvidos em relação aos países desenvolvidos, que assim têm acesso direto a mão de obra barata, a recursos naturais escassos, e aos instrumentos financeiros para produzir ataques especulativos às moedas nacionais. Há nisso tudo, portanto, uma dupla ofensiva do grande capital: contra os trabalhadores do mundo todo, e contra os países do chamado Sul Global. Se o objetivo declarado do neoliberalismo é o desenvolvimento econômico, sua função real é facilitar a concentração de renda e poder nas mãos daqueles que já tem muito dinheiro e poder.
Mas como é possível que um sistema tão perverso permaneça hegemônico no campo das ideias? Na verdade, a hegemonia do neoliberalismo só pode ser entendida se acompanharmos as disputas políticas do século XX. Por razões de espaço, simplificaremos bastante a história.
Sabemos que o capitalismo se desenvolveu ao longo dos séculos por meio das invasões coloniais, da expropriação de terras, da pilhagem de riquezas, da escravidão, e da exploração do trabalho, inclusive do trabalho infantil[5]. Em virtude de tamanha opressão, a insatisfação crescente dos trabalhadores e dos povos subjugados levou a que o século XX visse eclodir incontáveis lutas por libertação nacional e por direitos civis, econômicos e sociais, cuja maior referência e inspiração foi a revolução russa de 1917[6]. Depois da épica vitória da União Soviética sobre os nazistas, o ocidente capitalista não podia mais ignorar o fascínio que o socialismo exercia no imaginário popular. Muitos se perguntavam como fora possível que a União Soviética se transformasse, em pouco mais de duas décadas, de um país atrasado e devastado por duas guerras civis e duas guerras mundiais, na segunda potência mundial, ao mesmo tempo em que promovia melhorias dramáticas nas condições de vida de centenas de milhões de pessoas[7]. Os governos capitalistas ocidentais compreenderam que era preciso dar uma resposta liberal à promessa socialista de emancipação humana e à ameaça das revoluções populares.
Essa resposta, comandada pelos EUA, veio em várias frentes. Enquanto, numa delas, erguia-se uma gigantesca máquina de propaganda aglutinando mídia, universidades e indústria cultural na disseminação do anticomunismo[8], noutra frente era lançado o modelo capitalista de estado de bem-estar social, em que um mercado privado integrava-se a amplas redes públicas de proteção social, e o estado exercia a função de indutor do desenvolvimento econômico e social. Esse modelo tinha um objetivo histórico específico: mostrar que os estados capitalistas eram capazes de construir estados de bem-estar social tão bons quanto os que estavam sendo construídos na União Soviética e nos países socialistas do leste europeu. Os mesmos países capitalistas que desenvolveram sua economia por meio da opressão sobre parcelas enormes da população do planeta, agora precisavam mostrar que um outro capitalismo era possível, e que um grande acordo de classes substituiria a ideia obsoleta da luta de classes, garantindo, assim, prosperidade para todos. O grande sucesso do estado de bem-estar social capitalista nos 30 anos do pós-guerra cumpria, pois, um importante papel na guerra ideológica promovida contra o socialismo[9].
Mas além dessas duas frentes, havia uma terceira e não menos importante frente. Também por meio de espionagem, conspirações, guerras híbridas e convencionais, golpes de estado e assassinato de líderes populares[10], os EUA agiam para enfraquecer as lutas socialistas e por libertação nacional nos quatro cantos do planeta, e, entre 1989 e 1991, acabaram vencendo a guerra fria travada entre o bloco capitalista e o bloco socialista. Vários governos socialistas no Leste Europeu foram derrubados e a União Soviética dissolvida.
Não é nossa intenção discutir aqui as razões pelas quais o modelo socialista da União Soviética e do Leste europeu ruiu. O importante a ser dito é que, com o fim da competição entre capitalismo e socialismo, o capitalismo já não necessitava do estado de bem-estar social. Esse modelo de sociedade havia cumprido sua função histórica e precisava ser descartado. O que se viu então a partir daí foi o desmonte (total ou parcial) das redes de proteção social que existiam em vários países, e a ascensão e a hegemonia do modelo neoliberal de governança. A social-democracia foi sequestrada no mundo todo pelo neoliberalismo, e sua ideologia totalitária passou a ocupar todos os espaços da vida social[11]. As noções de competição, eficiência e lucratividade substituíram os ideais de comunidade e cooperação, e a busca do interesse próprio sufocou o princípio da solidariedade. Valores fundamentais como democracia, liberdade e direitos humanos foram usados como bandeiras para desencadear guerras e promover a derrubada de governos que ousaram desafiar os EUA e seu modelo hegemônico. Nem mesmo uma pandemia que matou cerca de 15 milhões de pessoas foi capaz de reverter esse quadro[12].
No fim das contas, a verdade é que, ao ruir a União Soviética, ruiu também o acordo de classes que servia de pretexto para a sustentação do estado de bem-estar social capitalista. Queiramos ou não, vivemos hoje em um mundo neoliberal controlado por poderosas oligarquias que promovem há 30 anos uma espécie de neocolonização do planeta, e não será fácil sair dessa situação. Mas se ninguém tem dúvida de que derrotar o neoliberalismo é um desafio colossal, é somente compreendendo suas raízes, seus reais objetivos e os motivos do seu fracasso econômico e social para 99% da população, que poderemos dar um passo adiante e substituí-lo por um modelo de economia que assegure a todos uma existência digna e próspera, um modelo que faça uma clara e definitiva opção pelas pessoas e não pelo lucro.
As entidades abaixo indicadas, muitas das quais integrantes da Coalizão em Defesa do Sistema Eleitoral, à vista da divulgação dos resultados do segundo turno das eleições gerais de 2022, vêm a público: 1) Expressar o pleno reconhecimento da validade dos resultados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral; 2) Reafirmar a confiança na integridade do processo eleitoral, em todas as suas etapas, conduzido de forma transparente, democrática e competente pelo Tribunal Superior Eleitoral e por todas as forças sociais que colaboraram para a sua realização; 3) Reiterar a credibilidade nas urnas eletrônicas e no sistema eletrônico de votação, por sua segurança, alto grau de desenvolvimento tecnológico, transparência e auditabilidade; 4) Celebrar, mais uma vez, a democracia brasileira que, a despeito de tantos ataques, questionamentos infundados, ameaças de ruptura, violências e discursos de ódio, superou mais uma etapa, permitindo a manifestação da vontade soberana do povo. Brasil, 30 de outubro de 2022. Assinam a nota: 1) Advogados e Advogadas Públicos para a Democracia – APD, 2) ANDES – Sindicato Nacional 3) Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, 4) Asociacion Latinoamericana de Abogados y Abogadas Laboralistas – ALAL, 5) Associação Americana de Juristas – AAJ, 6) Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED, 7) Associação Brasileira de Estudos do Trabalho – ABET, 8) Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD, 9) Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos – ANADEP, 10) Associação de Juristas Pela Democracia – AJURD, 11) Associação Juízes para a Democracia – AJD 12) Associação Mundial de Rádios Comunitárias – AMARC, 13) APUBHUFMG+ – Sindicato dos Professores. 14) Carreiras Públicas pelo Desenvolvimento Sustentável – ARCA 15) Central da Classe Trabalhadora – Intersindical, 16) Central do Servidor – PUBLICA, 17) Central dos Sindicatos Brasileiros – CSB, 18) Central Sindical e Popular CONLUTAS, 19) Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB, 20) Central Única dos Trabalhadores – CUT, 21) Coalizão Negra por Direitos, 22) ColetivA Mulheres Defensoras Públicas do Brasil, 23) Coletivo Defensoras e Defensores Públicos do Brasil, 24) Coletivo Transforma MP, 25) Comissão Brasileira Justiça e Paz – CBJP, 26) Comissão de Justiça e Paz DF – CBJ/DF, 27) Comissão Pastoral da Terra – CPT, 28) Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, 29) Confederação Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC, 30) Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais e Agricultores e Agricultoras Familiares – CONTAG, 31) Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro – CONTRAF 32) Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços – CONTRACS 33) Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, 34) Caoeste – Conferência Americana de Organismos Eleitorais Subnacionais pela Transparência Eleitoral, 35) Federação Nacional dos Estudantes de Direito – FENED, 36) Federação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário da União e do Ministério Público da União – FENAJUFE, 37) Federação Única dos Petroleiros – FUP, 38) Força Sindical, 39) Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC, 40) Fórum Social Mundial Justiça e Democracia – FSMJD, 41) Grupo Prerrogativas, 42) Grupo Nuances pela Livre Expressão Sexual, 43) Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB 44) Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU, 45) Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC, 46) Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho – IPEATRA, 47) Marcha Mundial pelo Clima, 48) Marcha Mundial das Mulheres, 49) Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, 50) Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST, 51) Movimento Policiais Antifascismo, 52) Nova Central – NCST, 53) Plataforma pela Reforma do Sistema Político, 54) Sindicato dos Advogados de São Paulo – SASP, 55) Sindicato dos Bancários de Brasília, 56) Sindicato dos Bancários de São Paulo, 57) Sindicato dos Docentes do CEFET – MG, 58) Sindicato Nacional dos Servidores do IPEA – ANFIPEA, 59) SINASEFE – Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica, 60) Sindicato dos Técnicos de Nível Superior das Instituições Federais de Ensino Superior – ATENS 61) União Geral dos Trabalhadores – UGT, 62) Viva Rio