Agrotóxicos: o direito de saber

Por Leomar Daroncho no Correio Braziliense

O sábado, 3 de dezembro, marca o Dia Mundial de Combate aos Agrotóxicos. A data lembra as vítimas da maior tragédia da indústria química, em 1984, na explosão da fábrica de agrotóxicos em Bhopal, na Índia.

Foram entre 4 e 10 mil mortes instantâneas, em meio a 200 mil intoxicados. Registraram-se, ainda, 25 mil casos de cegueira, com cerca de 50 mil incapacitados para o trabalho. Todavia, os números seguem nebulosos, pois a multinacional recusou-se a fornecer detalhes técnicos do desastre. Alegou sigilo industrial.

O Brasil já documentou experimento trágico com agrotóxicos em Paulínia – SP. Foram contaminados trabalhadores, familiares e a comunidade do entorno, por 30 anos. Há mais de 60 mortes dentre as mil vítimas que responsabilizaram a Shell-Basf, numa atuação emblemática do MPT perante a Justiça do Trabalho. O acordo judicial foi da ordem de R$ 500 milhões. Apesar disso, as empresas continuaram negando a negligência ou que a exposição tenha desencadeado prejuízo à saúde de pessoas.

A “opacidade”, o “silêncio”, a reação às “perguntas incômodas” e o “negacionismo científico” dos “mercadores da dúvida” foram estudados pela jornalista Fernanda Sández na obra “La Argentina Fumigada”, que investigou o caso das Províncias de Santa Fé e Entre Rios.

Pesquisadores independentes da produção de commodities agrícolas, dependente de fórmulas tóxicas rejeitadas pelos países civilizados, têm consciência de que a tragédia da exposição de trabalhadores brasileiros, proprietários ou empregados, ainda está por ser documentada e contada.

A OMS estima que apenas 2% das intoxicações são registradas, embora haja dados epidemiológicos alarmantes registrados por instituições científicas como a Fiocruz, Universidades Federais e Instituto Nacional do Câncer: câncer, aborto, malformação e desregulação hormonal, dentre outros.

Mesmo assim, tramita no Senado da República o PL nº 1.459/2022, um Substitutivo da Câmara dos Deputados, que altera totalmente o Regime Jurídico dos Agrotóxicos. Trata-se de uma proposição de fevereiro de 2022, mais grave do que aquela que teve início no Senado, que alterava apenas 2 artigos.

A proposição dá função secundária à ANVISA e ao IBAMA, concentrando a decisão sobre agrotóxicos na Agricultura. Também elimina o critério atual do perigo, que veda a análise de produtos causadores de câncer, aborto, malformação e desregulação hormonal, e introduz o impreciso e temerário conceito de “risco inaceitável”. Qual seria o percentual aceitável para malformação de crianças? Ou câncer?

Causa perplexidade a proposta de aprovação de agrotóxicos por decurso de prazo, caso não sejam observados o limite de tramitação dos pedidos de registro. O desmonte dos órgãos de análise passaria a ser de interesse da indústria.  

Apesar de inventiva, a dispensa de registro de produtos destinados à exportação não interessa à agricultura nacional. Haveria a exposição de trabalhadores em fábricas, vizinhanças, rodovias, portos e mananciais d’água a agrotóxicos de composição e agressividade ignoradas pelas autoridades.

Também é incompatível com a Constituição a proposta de limitar a ação de Estados, Municípios e SUS no monitoramento da qualidade da água, dos alimentos e do ambiente, e na informação dos riscos de agrotóxicos.

Faz parte da estratégia de obscurecer a tentativa de mudar o nome, de agrotóxicos para “pesticidas”, e retirar a limitação à propaganda de substâncias tóxicas, prevista na lei atual. Os dispositivos indicam retrocesso, contrariando o direito constitucionalmente assegurado à informação.

Há um histórico de intimidação e silenciamento. A autora de Primavera Silenciosa, Rachel Carson, demonstrou cientificamente, em 1962, os danos de agrotóxicos organoclorados ao meio ambiente e à saúde humana. Sofreu campanha com ataques pessoais na condição de mulher pesquisadora, sendo acusada de comunista, conforme trecho da carta publicada na revista The New Yorker: “A posição de Rachel Carson reflete suas simpatias comunistas. Nós podemos viver sem pássaros ou animais, mas como demonstra a atual queda do mercado, não podemos viver sem a economia”.

Importante relembrar, a propósito, a contundente citação que Carson usou para se defender das infames acusações: a “obrigação de suportar nos dá o direito de saber”. Os brasileiros não podem ser ludibriados, têm o direito Constitucional e moral de discutir PL nº 1.459/2022 e de ser informados das consequências do uso dos agrotóxicos.

Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho e integrante do Coletivo Transforma MP.

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