Após recomendação do Ministério Público (MPPE), o Tribunal de Justiça de Pernambuco determinou que o governo do estado reinsira a peça “O Evangelho Segundo Jesus – Rainha do Céu” na grade do Festival de Inverno de Garanhuns.
O espetáculo, que tem a atriz transexual Renata Carvalho no papel de Jesus Cristo, havia sido censurado duas vezes no fim de junho. Primeiro, pela Prefeitura local, que se negou a ceder espaço para a realização do evento, depois, pelo governo pernambucano, que, em nota, cancelou a apresentação alegando “possibilidade de prejuízos das parcerias estratégicas e nobres que o viabilizam”.
Pedido do promotor do Ministério Público de Pernambuco, Domingos Sávio, ao desembargador Silvio Neves Baptista Filho motivou a decisão. Domingos Sávio baseou-se no artigo 5º, incisos, 4 e 9 da Constituição Federal, ressaltando que a “decisão administrativa violou os princípios da motivação, da ampla defesa e do contraditório”, uma vez que os produtores não puderam se manifestar acerca da exclusão.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes…
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Apoio e nova apresentção
Artistas e produtores locais se mobilizaram e realizaram um financiamento coletivo para que o espetáculo seja encenado em Garanhuns, no dia 27 de julho, em local ainda mantido em sigilo por motivo de segurança.
“Jesus é a imagem e semelhança de todos, menos de nós, pessoas trans. Acham que é inapropriado, sem-vergonhice, de má fé. Mas essa imagem que a travesti tem na nossa sociedade vem dessa construção social, da criminalização e folclorização que esta mesma sociedade faz de nós por meio da exclusão e marginalização. Esquecem de ver que a peça fala sobre amor, sobre perdão.” (Renata Carvalho).
No dia 21 de julho, durante apresentação no mesmo Festival de Inverno de Garanhuns, a cantora Daniela Mercury também manifestou-se sobre a censura que a peça sofreu.
“Como é que alguém tem a capacidade de oprimir uma travesti que há tantos anos sofre violência nesse país? (…) El a estava com voz embargada e eu senti vergonha pelos políticos que fazem isso. Isso é desumanidade, maldade, ruindade. Eu não aceito ninguém maltratando ninguém”, declarou. “Ela é Jesus Cristo, sim. Jesus Cristo, eu estou aqui eu sou gay, eu sou lésbica e daí?” (Daniela Mercury).
British Council e autora da peça ajudaram na adaptação brasileira
Ironicamente, o espetáculo integrava o debate proposto pelo tema-homenagem da 28ª edição do FIG: Um viva à liberdade. A peça é um monólogo e traz histórias bíblicas sob a perspectiva contemporânea, recontada com um discurso de empoderamento, por um Jesus Cristo que volta à Terra como travesti.
O texto é da dramaturga escocesa Jo Clifford, também ela transexual, traduzido e dirigido por Natalia Mallo, e já havia sido encenado no Recife, dentro do Trema! Festival. Na contramão da intolerância e da censura, a narrativa trata, de acordo com a autora, do perdão, do acolhimento e do amor.
Por iniciativa do British Council, Jo Clifford veio para o Brasil no começo de maio de 2016 para colaborar na adaptação para o português de sua peça, ministrar workshops de dramaturgia e encenar “O Evangelho…” no Festival Internacional de Teatro, Palco & Rua de Belo Horizonte.
A peça estreou em 2009 e, desde então, circula pelo mundo em diferentes adaptações.
Foto: Renata Carvalho interpretando Jesus no espetáculo (Divulgação)
Com informações do Diário de Pernambuco.