Entra ano, sai ano e a questão ambiental continua tão fundamental quanto menosprezada. Agora é a vez do Rio Grande do Sul amargar os efeitos das mudanças climáticas, mas amanhã, tão certo quanto o nascer do sol, outros eventos tão drásticos virão no mesmo ou em outro lugar.
A Grande Mídia rapidamente se mobilizou para dizer que “não é hora de apontar culpados”. Também não devemos “politizar a catástrofe” e nem fazer com que a tragédia gaúcha abra margem para o tal do “populismo fiscal”. Sinceramente, não podemos esperar muita coisa de uma imprensa que até dá algum destaque para a questão ambiental, mas esconde seus diagnósticos mais relevantes porque na hora do intervalo passará uma propaganda dizendo que “o agro é pop”. As raízes do problema não são reveladas porque seus responsáveis financiam os grandes conglomerados midiáticos; e então a questão aparece como um problema sem sujeito.
Nesse breve escrito, vamos pincelar o oposto do que a Grande Mídia sugeriu: vamos politizar a catástrofe, buscar os culpados e defender ativismo fiscal como estratégia não apenas para a reconstrução do Estado do Rio Grande do Sul, mas para a colocação em prática de uma economia modulada ao redor da questão ambiental.
Para começarmos a entender o problema, te faço uma pergunta: quais são as cidades brasileiras que mais emitem gases do efeito estufa? Possivelmente você encabeçará sua lista com a cidade de São Paulo, e esse é um ótimo chute. Eu mesmo respondi isso quando um amigo ambientalista me fez a mesma indagação. Para minha surpresa, não é. Em 2019, oito das dez cidades que mais registram emissões estavam na região amazônica. A líder foi Altamira (PA), seguida de São Félix do Xingu (PA), Porto Velho (RO), Lábrea (AM) e, aí sim, São Paulo (SP)[1]. Depois vêm as cidades de Pacajá e Novo Progresso, ambas no Pará, e depois o Rio de Janeiro (RJ), seguido de Colniza (MT) e da simpática Apuí (AM) fechando o TOP 10 do ranking dos maiores contribuintes para a destruição planetária. Tirando São Paulo e Rio de Janeiro, a população das outras 8 cidades somadas não ultrapassa 1 milhão de habitantes. Entre 2000 e 2019, a agropecuária foi responsável por 67% das emissões e a “mudança de uso de terra e florestas” (um nome bonitinho para “queimadas” e “desmatamento”), que está diretamente ligada a ela, mais 18%[2]. Eu duvido que você verá um estudo que aponte essas conclusões na Globo News ou em outro veículo integrante do oligopólio midiático brasileiro. Afinal, durante o intervalo passará a propaganda que já conhecemos: “O agro é pop”. Informação é a mercadoria principal das empresas de comunicação e a publicidade é sua remuneração.
Como a questão ambiental é, por excelência, difusa, é claro que os culpados vão muito além do Agro. Como o planeta não tem fronteiras, o aquecimento global como um todo acaba sendo o evento climático responsável pelas catástrofes ambientais, que, diga-se, não afetam apenas o Rio Grande do Sul. Neste mesmo período, Afeganistão, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Quênia, Burundi, Somália e Tanzânia sofrem com chuvas torrenciais semelhantes[3]. Mas fato é que o Brasil vem aumentando suas emissões de gases do efeito estufa e, no nosso cercado, o Agro não pode deixar de ser apontado como um dos culpados ao lado da Grande Mídia que o protege.
Para ir além do Agro, devemos falar sobre o paradigma econômico-político-cultural vigente, o neoliberalismo. Fica mais fácil identificar os culpados pela sua posição na estrutura econômica e pelas ideias que defendem no campo superestrutural. O neoliberalismo incorpora um princípio geral de desregulamentação das relações de produção ao mesmo tempo em que busca a regulamentação da intervenção estatal, notadamente, da sua política fiscal.
O neoliberalismo busca desregulamentar as relações de produção em sentido amplo, e isso vale tanto para as relações de trabalho quanto para os entraves de qualquer natureza à reprodução da acumulação capitalista. Vale tanto para o mercado de capitais – que passou por uma brutal desregulamentação nos idos das décadas de 1980 e 1990 – quanto para as relações de trabalho. É assim que entendemos a contrarreforma trabalhista e as novas formas de trabalho precarizado (uberização). É também assim que entendemos a encarniçada luta pela remoção de regulamentações ambientais. Lembram do Ministro (agora deputado!) que queria “passar a boiada”? Lembram do que aquela expressão significava? Basicamente, reduzir ao máximo possível a regulamentação ambiental e desmontar aparatos de fiscalização.
Lembram também da questão do Marco Temporal? Há poucos instrumentos tão eficazes na proteção do meio ambiente natural quanto a demarcação de terras indígenas. Mas essa forma de regulamentação significa um entrave na expansão da fronteira agrícola, e por isso a Bancada Ruralista trabalhou diuturnamente pela aprovação do Marco Temporal.
Em 2019, o Rio Grande do Sul aprovou um Código Florestal Estadual, mas essa legislação sofreu nada menos do que 480 vetos ou alterações do atual governador. Uma das mais icônicas alterações chegou a permitir o “autolicenciamento” ambiental em alguns casos. Na época, a Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente protestou contra os vetos e alterações do governador: “É um projeto desestruturante, destruidor e prostituinte, porque prostitui a questão ambiental numa liberalização infundada que destrói 10 anos de trabalho”[4]. O objetivo dos vetos era claro: remover regulamentações destinadas à proteção ambiental em prol da atividade econômica.
É claro que a explicação para a tragédia gaúcha é muito mais ampla. Ela reside muito mais num “estado geral de coisas” do que no desmonte de um código ambiental específico. O governador gaúcho está nos holofotes, mas desconfio que nenhum governador esteja fazendo o dever de casa em relação à questão ambiental. De todo modo, a “passagem da boiada” representada pelas centenas de vetos ao Código Ambiental do RS é um exemplo ilustrado do que queremos dizer: o ímpeto da acumulação capitalista, sob o paradigma neoliberal, trabalha com um princípio geral de desregulamentação que busca remover barreiras regulatórias que representem entraves ao seu “livre” desenvolvimento imediato. Todos aqueles que, na macropolítica econômica, encampam o paradigma neoliberal, podem ser apontados como culpados pela tragédia. E é por isso que os oligopólios de mídia não querem que a questão seja politizada. Essa é mais uma das questões que revelam a crise da democracia liberal tradicional: ela não conta com instrumentos para tratar de questões estruturais de longo prazo, para os quais são necessárias atuações planificadas em nível muito mais amplo do que os “Três Poderes” são capazes.
A verdade é que há uma contradição muito clara entre as conclusões da Ciência e as dinâmicas internas ao modo de produção capitalista. A Ciência diz que precisamos descarbonizar nossa economia, mas isso representa um custo de produção para os campeões de emissão de gases do efeito estufa. Precisamos reduzir o desmatamento, mas essa é a forma menos custosa para expandir a fronteira agrícola. Externalizar as internalidades negativas é a forma mais barata para gerenciar os recursos da produção capitalista. E como baratear o custo da produção é o mantra geral do capitalismo, a preocupação com a questão ambiental não passa do discurso para a prática. Em outras palavras, como o modo de produção capitalista é a estrutura fundamental da nossa sociedade, a natureza em sentido amplo passa a entrar no cálculo econômico da forma como melhor aprouver aos interesses da acumulação do capital. A Ciência tem desempenhado bem seu papel e nos alertado sobre os impactos cada vez mais drásticos das mudanças climáticas; mas suas recomendações esbarram em uma força material colossal: a estrutura econômica orquestrada pelo capital e as classes sociais que dela se beneficiam.
Então precisamos falar de economia política. A caridade é muito legal, mas não resolverá nada. É preciso falar de políticas públicas, e para falar de políticas públicas é preciso falar de orçamento. Precisamos urgentemente de um Green New Deal e, mais do que isso, precisamos de um novo paradigma econômico que retome o ativismo fiscal de outrora, dessa vez modulado pela urgente questão ambiental.
Precisamos, em primeiro lugar, parar de acreditar que o orçamento público é como o orçamento de uma família. O Brasil é um país dotado de soberania monetária que precisa emitir moeda antes de poder arrecadá-la da economia privada. Pelo menos via de regra, eu e você precisamos arrecadar dinheiro antes que possamos gastá-lo, e se nossas receitas não forem suficientes para cobrir nossos gastos, teremos problemas sérios. Algo radicalmente distinto se passa com o Estado brasileiro.
É preciso fazer duas diferenciações fundamentais: 1) países dotados de soberania monetária e países despidos dessa soberania, por um lado; 2) dívida externa e dívida interna, por outro. Desde o surgimento dos Estados modernos o conceito de soberania política se entrelaça com um conceito menos conhecido, mas muito importante: a soberania monetária. Em breve resumo, trata-se do poder de emitir sua própria moeda e de exigi-la em seus guichês de pagamento, forma pela qual se força a unidade monetária dentro do território nacional. O poder de emitir moeda é um traço fundamental do conceito de soberania política, e, portanto, da própria soberania política. Países dotados de soberania monetária sempre podem pagar sua dívida pública denominada em moeda nacional pela simples razão de que podem emitir moeda em último caso. Se essa emissão for descontrolada, isso pode, é claro, provocar problemas inflacionários, mas ainda assim não há o menor risco de inadimplemento da dívida pública. Para países soberanamente monetários, o tal do “risco fiscal” é uma falácia, um terrorismo instrumentalizado para fazer com que o Estado gaste menos. A história não demonstra nenhum mísero exemplo de algum país soberanamente monetário que tenha deixado de pagar alguma dívida denominada em sua própria moeda. E é aí que entra a segunda diferenciação, entre dívida interna e dívida externa. A dívida externa é realmente um problema porque o Brasil não emite dólares. Dívidas externas são preocupantes e existem alguns exemplos históricos de países que declararam moratória por dívidas denominadas em moeda estrangeira (como a Argentina e o México). O risco de insolvência existe somente para países que renunciaram à sua soberania monetária (como o Equador e a Zona do Euro) e para aqueles que possuem dívidas externas relevantes. Mas o Brasil continua emitindo seus Reais e não tem nenhum problema com dívida externa (ao contrário, possuímos a 7ª maior reserva de divisas externas do mundo e somos credores internacionais). Colocar o conceito de “soberania monetária” no centro da discussão econômica nos dá outra perspectiva do problema.
Talvez você esteja desconfiado(a). O que esse cara está falando? Então vou usar um argumento de autoridade. Joseph Stiglitz, vencedor do Nobel de Economia, afirmou em entrevista recente: “Qualquer pessoa que entenda a nossa dívida pública sabe que todos os títulos do Tesouro americano são denominados em dólares. O que isso significa? Que é possível imprimir mais dinheiro. Nunca deixaremos de honrar nossos compromissos”[5]. Poderia citar outros economistas de grande renome que apontam para a mesma conclusão (como Paul Krugman, outro Nobel, ou André Lara Resende, um dos pais do Plano Real), mas acho que a ideia já está clara; o que falta é aceitarmos que a realidade é assim.
Além dessa analogia fajuta – porém pegajosa! – entre o orçamento estatal e o orçamento de uma família (ou de uma firma), também precisamos nos livrar da ideia de que são os tributos que financiam os gastos estatais. Ora, se a União detém o monopólio nacional de autorizar a emissão de moeda e se os tributos são pagos em reais, então não há como concluir de modo diferente: é a emissão de moedas pelo Estado que precede a tributação, e não o contrário! Se você tiver alguma dúvida sobre isso, abra sua carteira, pegue uma nota de qualquer valor e repare no canto superior esquerdo. Lá estará escrito “Banco Central do Brasil”. É esse dinheiro, que precisou ser antes emitido pelo Estado, que você poderá utilizar para pagar seus tributos. Como consequência, em termos econômicos, ao contrário do que se passa comigo ou contigo, o Estado não tem menor necessidade de arrecadar antes de gastar. A correlação entre gastos e despesas fiscais é importante para fins de controle do sistema de preços, mas a cronologia correta é que o Estado gasta primeiro e arrecada depois (A ordem é G(T), e não T(G), sendo T os Tributos e G os gastos do governo).
Com isso, a própria noção de “responsabilidade fiscal” está de cabeça para baixo porque parte da premissa de que são os tributos que financiam os gastos públicos e que, por essa razão, o Estado precisa arrecadar mais do que gasta ou então buscar um “orçamento equilibrado”, do mesmo jeito que uma família ou uma firma.
Vamos refletir um segundo sobre o que significa o tal do “resultado primário”, ou os mais famosos “superávits\déficits fiscais”. Parece intuitivo que se abstrairmos o setor externo da economia, podemos trabalhar com dois setores nacionais: o público e o privado. Esses dois setores se entrecruzam de tal forma que todo déficit público corresponde a um superávit do setor privado e vice-versa. Se o Estado realiza superávit fiscal, então isso significa que o setor público retirou mais dinheiro da economia privada do que nela despejou. Se realiza déficit, então significa que o setor privado está superavitário. Os déficits geralmente são vistos com desconfiança porque tendemos a analisar as coisas pelas lentes da péssima analogia entre orçamento público e orçamento privado. Mas a verdade é que essa busca insana por superávits fiscais ou “resultados primários equilibrados” acaba drenando recursos do setor privado da mesma forma que os tão mal falados déficits públicos despejam recursos na economia. O que deveria acontecer, na realidade, é que o orçamento fiscal deveria oscilar com a flexibilidade necessária para acompanhar o ciclo econômico, atuando de forma expansionista (anticíclica) em momentos de baixa do ciclo e de forma mais contida em momentos de crescimento. Déficits\superávits não são bons ou ruins em si mesmos porque eles devem ser vistos como instrumentos para a concretização dos objetivos e direitos fundamentais previstos na Constituição. Como o Brasil é um país soberanamente monetário sem dívida externa relevante, é o orçamento que deveria se adequar ao programa constitucional, e não o contrário.
Os déficits públicos podem se transformar em dívida pública, mas já vimos que isso não é propriamente um problema. Afinal, além de não carregar risco de insolvência, os títulos da dívida pública são ativos do setor privado. Esse tipo de pensamento acaba demonizando a política fiscal expansionista, exatamente aquela heroína que poderia nos conduzir a uma economia ambientalmente sustentável.
Ora, e a inflação? Sim, a inflação pode ser um problema. Absolutamente ninguém está defendendo que o Estado despeje dinheiro de um helicóptero para resolver todos os problemas do mundo. Só que a inflação é um fenômeno extremamente complexo e multifatorial cujas causas vão muito além do aumento da quantidade de moeda em circulação. Não existe nenhuma relação necessária e unívoca entre emissão de moeda e inflação. Além disso, há uma quantidade vasta de mecanismos antiinflacionários que vão muito além do controle da base monetária. A farmacologia inflacionária é muito mais complexa do que o simples controle da quantidade de moeda em circulação.
A política fiscal do Estado é um grande poder que deveria servir ao bem comum e à concretização dos direitos fundamentais previstos na Constituição. O Estado brasileiro, contudo, se encontra acorrentado por “camisas de força jurídicas” que, na prática, estão mais preocupadas com o tal do “resultado fiscal” do que com as promessas constitucionais. Estamos falando notadamente da Lei de “Responsabilidade” Fiscal, da Regra de Ouro e do recém-criado “Regime Fiscal Sustentável”, um nome bonitinho para um novo teto de gastos[6]. As regras fiscais brasileiras amarram o orçamento de tal forma que grandes projetos econômicos de longo prazo modulados pela questão ambiental jamais poderão ser postos em prática. Podemos utilizar créditos extraordinários para remediar a tragédia gaúcha, mas não podemos fazer muito mais do que isso porque nossas regras fiscais neutralizam o potencial da política fiscal.
Vamos a alguns exemplos internacionais. A China tem problemas históricos com as cheias de seus rios (em especial, o Rio Amarelo e o Rio Yan-Tsé). Para lidar com essa questão, a China desenvolveu uma fantástica infraestrutura urbanística chamada “cidades-esponja”: as cidades são projetadas para contar com grandes estruturas naturais alagáveis que fazem com que a chuva seja contida por um tempo e, depois, rapidamente absorvida pelo lençol freático sem destruir os imóveis e a infraestrutura urbana. Posteriormente, a chuva acumulada pode ser utilizada nos tempos de seca. Há todo um sistema de parques, praças e áreas verdes que foram projetados especialmente para isso. A China pôde construir cidades-esponja sem grandes dificuldades porque possui uma economia planificada que permite manejar seu orçamento público para atender os objetivos traçados em seus planos quinquenais sem que existam regras fiscais restritivas que limitem o gasto público. Em termos de política fiscal, a China faz o exato oposto do receituário neoliberal.
Mas também podemos trazer exemplos de economias capitalistas. O Japão conta com uma enorme infraestrutura chamada “Canal Subterrâneo de Escoamento da Área Metropolitana”, um sistema de 6,3 quilômetros de túneis e enormes câmaras cilíndricas projetado para evitar inundações na capital japonesa[7]. Nada disso seria possível sem a utilização do poder da política fiscal a serviço da concretização de políticas de adaptação ambiental.
A política fiscal é um grande poder que tem sido demonizado todo santo dia pelos ideólogos do neoliberalismo, que contam com uma poderosíssima caixa de ressonância: a Grande Mídia. O paradigma neoliberal precisa ser quebrado para ontem, e no seu lugar é preciso trabalhar pela construção de um novo consenso econômico apoiado no ativismo fiscal do Estado direcionado para a solução de problemas socioambientais. Algumas medidas paliativas podem ser tomadas apenas com incentivos políticos, mas se quisermos de verdade aplicar as recomendações da Ciência, o Estado precisa entrar na jogada. Afinal, só o Estado pode criar recursos sem necessidade de antes arrecadá-los e, mais do que isso, só o Estado pode direcioná-los para uma economia realmente preocupada com a questão ambiental. Não basta reconstruir o Rio Grande do Sul, é preciso criar sistemas de infraestrutura que impeçam que os eventos climáticos que virão em número e intensidade cada vez maiores produzam os estragos que observamos. É preciso também fortalecer a musculatura dos órgãos de fiscalização ambiental, aumentar as áreas de preservação e reordenar a matriz econômica rumo a um projeto de reindustrialização. Nada disso será possível sem a derrubada do paradigma econômico neoliberal austericida.
Torço e escrevo para que as águas da tragédia gaúcha leve embora o lamaçal chamado “paradigma neoliberal” e represente um ponto de virada sobre a forma adequada de compreender a relação entre o orçamento público e a questão ambiental. Todavia, o mais provável é que o neoliberalismo se aproveite da tragédia para reproduzir sua mecânica de funcionamento. O prefeito de Porto Alegre contratou uma consultoria privada para “gerir a crise”, num ato de reconhecimento de sua própria incapacidade de desempenhar a função para a qual foi eleito. Segundo reportagem da GGN, a empresa de consultoria contratada já “geriu o desastre” em Nova Orleans depois do furacão Katrina. Naquela oportunidade, suas ações incluíram a demissão em massa (7 mil funcionários da educação foram imediatamente dispensados depois do furacão), privatização de serviços públicos e marginalização de comunidades negras e pobres[8]. Pois é, o neoliberalismo não cansa de nos surpreender em sua capacidade de capitalização de tragédias.
O neoliberalismo trabalha forte para despolitizar a economia. Precisamos fazer o movimento inverso. Precisamos colocar a economia política no centro das discussões. A política fiscal é um enorme poder à disposição do Estado; e como tal, precisa urgentemente ser utilizada para resolver problemas socioambientais e concretizar promessas constitucionais até então presentes apenas no papel e nos sonhos. Do contrário, tão certo quanto o raiar do dia seguinte, novas tragédias virão e todos sabemos quem são os que mais sofrem.
Este artigo não representa, necessariamente, a opinião do Coletivo Transforma MP
Gustavo Livio é Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público do Estado da Bahia. Mestrando com pesquisa em Direito e Economia pela UFRJ. Integrante do movimento Transforma MP.
REFERÊNCIAS.
[1] Disponível em: https://energiaeambiente.org.br/oito-dos-dez-municipios-que-mais-emitem-gases-de-efeito-estufa-estao-na-amazonia-20220617. Acesso em 15.05.2024.
[2] Disponível em: https://energiaeambiente.org.br/wp-content/uploads/2023/04/SEEG-10-anos-v5.pdf. Acesso em: 14.05.2024.
[3] Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/sociedade/sete-paises-do-mundo-enfrentam-enchentes-devastadoras-e-simultaneas-as-do-rio-grande-do-sul/. Acesso em: 15.05.2024.
[4] Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/05/04/eduardo-leite-cortou-ou-alterou-quase-500-pontos-do-codigo-ambiental-do-rs-em-2019. Acesso em: 14.05.2024
[5] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-jan-24/ideias-milenioideias-milenioideias-milenioideias-milenio/. Acesso em: 16.05.2024.
[6] Sobre as críticas ao Novo Teto de Gastos, já escrevi em outra oportunidade: https://www.conjur.com.br/2023-abr-26/gustavo-livio-nao-precisamos-teto-gastos2/.
[7] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-46940113. Acesso em: 16.05.2024
[8] Disponível em: https://jornalggn.com.br/noticia/o-desastre-da-alvarez-marsal-a-consultoria-contratada-pela-prefeitura-de-poa/. Acesso em: 17.05.2024