A quem discordar do título desta breve reflexão, peço que mostre algo mais belo e emocionante (faltam adjetivos). A cada ano são viagens e mais viagens na história, na cultura, na vivência e nas lutas do povo brasileiro. Em fevereiro, pode escrever, tem carnaval.
O Brasil é também o país do futebol. Craques sem paralelo dão show em todas as partes do mundo com seus dribles inimitáveis.
Infelizmente, o futebol brasileiro é vítima de uma monstruosa e intensa campanha de difamação e de rebaixamento. Os jogadores são constantemente atacados (inclusive pela imprensa brasileira, papagaio da estrangeira) pelos mais variados motivos – muitos inventados.
Neymar (menino negro de origem humilde), o maior craque brasileiro da atualidade, é linchado cotidianamente pela imprensa e nas redes sociais sabe-se lá por quê. As maravilhas que faz com a bola e a adoração que causa à molecada brasileira não importam para os “acusadores”.
Daniel Alves (cujas glórias são invejáveis) já foi julgado e condenado como “estuprador”, principalmente por parte da esquerda, que (fazendo coro com a rede globo) rasgou e jogou no lixo o princípio da presunção de inocência, o qual defendeu tão feroz – e corretamente – em período recente. Uma atitude melancólica para quem se julga defensor dos direitos humanos.
A mesma campanha negativa se faz da história brasileira. Para os desavisados, 523 anos de riquíssimos feitos, de uma formação social inigualável e de uma miscigenação maravilhosa não passam de um “genocídio”. Talvez, para esses críticos, o Brasil (esse mesmo país capaz de criar a exuberância do carnaval) nunca deveria ter existido. Mortes houve, escravidão houve, repressão houve. Mas o Brasil está longe de ser só isso.
Mas com o carnaval não. A maior festa do planeta ninguém (nem os maiores odiadores da cultura e do povo brasileiro) é capaz de criticar. Seria algo muito impopular.
Uma festa que parece não ter fim; que explode a potência do povo. Por alguns dias, o preconceito, a desigualdade, a pobreza e a discriminação são mitigados (embora permaneçam, vide a separação causada pelos “cordões” de Salvador).
As escolas de samba são um show (e bota show nisso) a parte. Fazem pequenas demonstrações do que são durante o ano inteiro em suas quadras. Espaços de brutal inclusão social, representam a razão de vida de milhões de moradores das favelas e periferias. Quem é incapaz de se emocionar vendo a paixão avassaladora que os integrantes sentem por suas escolas? É espetacular.
Foram as escolas de samba as responsáveis pelo surgimento de inúmeros e estupendos talentos da música brasileira, como Cartola, Martinho da Vila, Ivone Lara, Beth Carvalho, Neguinho da Beija Flor, Paulinho da Viola e tantos outros (impossível nominar todos). Nas escolas de samba os moradores das comunidades aprendem a trabalhar para um fim comum, abandonando o egoísmo e o individualismo que grassam a sociedade neoliberal.
O poder de transformação social de uma única escola de samba é infinitamente superior ao de todas as “instituições” de Estado (burocráticas, retrógradas e falidas) somadas. Pobre do burocrata que acredita ser “agente da transformação social”.
Como todo o grupamento humano, não estão livres de problemas e contradições. Mas isso não vem ao caso agora.
Neste ano de 2023, as escolas arrasaram.
Em São Paulo, os Acadêmicos do Tucuruvi homenagearam Bezerra da Silva, ícone dos morros cariocas. A Mancha Verde tratou da cultura nordestina, falando de Lampião, Luiz Gonzaga e Padre Cícero. A Gaviões da Fiel lembrou da importância da tolerância religiosa. A Mocidade Alegre, campeã, contou a história de Yasuke, o primeiro samurai negro da história.
No Rio de Janeiro, uma emoção atrás da outra.
A Portela comemorou “100 anos da mais bela poesia”. A Império Serrano homenageou Arlindo Cruz (que desfilou mesmo com grandes dificuldades) e a Grande Rio exaltou Zeca Pagodinho (seu último carro trazia as bandeiras das demais escolas cariocas). A Vila Isabel festejou (falou de festas), destacando, dentre outros, o festival de Parintins (“É Garantido e Caprichoso emocionar”). A campeã Imperatriz Leopoldinense baseou-se na literatura de cordel para exaltar a cultura nordestina e sertaneja, assim como fez a Mocidade Independente (“Ó rainha bonita, sou teu rei cangaceiro”).
Só alguns poucos exemplos da grandeza que foram os desfiles. Todas foram campeãs, independentemente de quem ganhou, de quem subiu e de quem caiu.
A cultura nordestina foi destaque especial neste carnaval no Rio e em São Paulo, mostrando um magnífico intercâmbio cultural entre as diversas regiões do país.
Isso sem falar no carnaval da Bahia, do Galo da Madrugada em Recife, do Frevo em Olinda e de todos os demais. Em cada pequena cidade do país é uma festa especial. Não há coisa mais bela. Não há riqueza cultural maior.
Que o carnaval possa, cada vez mais, mostrar ao povo (e também aos resistentes), o valor da história e da cultura brasileiras. Que possa mostrar a importância da convivência entre as diversas cores e origens, e que divisões artificiais entre “negros e brancos”, “índios e não índios”, “homens e mulheres” não favorecem em nada a luta social (pelo contrário).
Está aí o carnaval para mostrar: todos são bem-vindos; a união de todo o povo é a maior força do país.
Vida longa ao carnaval brasileiro – o maior e mais lindo do mundo.
Gustavo Roberto Costa é Promotor de Justiça em São Paulo. Mestre em direito internacional pela Universidade Católica de Santos. Membro fundador do Coletivo por um Ministério Público Transformador – Transforma MP e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD