Parece ter faltado às instituições maturidade para frear a criminalização da política
O Brasil nunca mais foi o mesmo depois de 2013. A tempestade institucional que se viu após aquelas jornadas de junho teve na bandeira do enfrentamento da corrupção o seu principal motor. A sociedade aplaudia investidas robespierrianas contra políticos e o sistema judicial chancelava incursões nos domínios da política, com atuação decisiva do Supremo Tribunal Federal até na suspensão da nomeação de ministro de Estado para a chefia da Casa Civil.
No vale-tudo da cruzada anticorrupção, o Ministério Público Federal, em iniciativa institucional pouco ortodoxa, chegou a propor ao Congresso dez medidas contra a corrupção —algumas de conteúdo hoje reconhecidamente tido como questionável—, na mesma crença de milhões de brasileiros de que contribuiram para a construção de um Brasil mais justo e solidário.
Após a tempestade, no entanto, não veio a bonança. Nos escombros da terra arrasada que se tornou a disputa política no país, sobreveio, nos últimos quatro anos, um desmonte de órgãos de controle. Instituições como o MPF, a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal sofreram grandes impactos decorrentes de medidas que atacaram por dentro seu funcionamento. Paralelamente, medidas administrativas e legislativas concorreram para a opacidade governamental e para o desmonte de políticas públicas em variadas áreas, com efeitos devastadores no enfrentamento da corrupção. Em recente nota, a organização Transparência Internacional destacou o “desmanche, sem precedentes, dos arcabouços legais e institucionais anticorrupção que o país levou décadas para construir.”
Da tentativa de emparedamento da política, passou-se à normalização do sigilo de cem anos. A história demonstra, mais uma vez, que não existem governos livres de corrupção, mas governos que respeitam a institucionalidade e permitem o funcionamento do sistema de enfrentamento da corrupção. Parece ter faltado às instituições a maturidade necessária para frear a criminalização da política e zelar por uma persecução penal técnica e politicamente isenta.
É irônico constatar que muitos dos protagonistas do discurso anticorrupção apoiem, hoje, alguns dos responsáveis pela erosão dos mecanismos anticorrupção. Esse quadro, somado ao silêncio eloquente de parcela da sociedade brasileira, permite concluir que o “combate” à corrupção não era o fim, mas um meio, mero instrumento de intervenção antidemocrática no jogo político, o que, aliás, não é inédito na história brasileira.
As mobilizações de 2013 completam dez anos no próximo ano, e um dos muitos aprendizados não pode ser esquecido: quando o enfrentamento da corrupção se transforma em combate à política, debilita-se o organismo social, deixando-o vulnerável à infecção oportunista do radicalismo autoritário.
Para evitar que a história se repita como farsa, é preciso repensar a corrupção como fenômeno estrutural, cujo enfrentamento depende do fortalecimento da democracia, de abordagens institucionais desprovidas de moralismo populista e da compreensão da relação da corrupção com a profunda desigualdade que marca a sociedade brasileira.