Por Tiago Muniz Cavalcanti no GGN
Derrotado, Ciro Gomes sumiu. Ninguém sabe, ninguém viu. Depois de uma candidatura desastrosa, repleta de ataques pessoais e comparações esdrúxulas, o candidato à presidência da república pelo PDT terminou a corrida em primeiro turno com apenas 3% dos votos válidos, bem abaixo dos seus próprios resultados em pleitos anteriores. Diante do fracasso, optou pelo silêncio: se não viajou, escondeu-se.
Apesar de sua trágica participação nas eleições em curso, Ciro contribuiu para que o tema da renda minima voltasse a ser debatido em larga escala. Ele prometia criar um programa de transferência de renda que pagaria mil reais para todas as famílias em situação de vulnerabilidade. O recurso para financiar o benefício viria de duas fontes distintas: da unificação das dotações orçamentárias de auxílios atualmente existentes e do imposto sobre grandes fortunas, que prometia regulamentar.
Se implementado, o projeto avançaria no sentido de se alcançar a instituição de uma renda universal e incondicionada na forma prevista na Lei nº 10.835/2004, sancionada pelo presidente Lula. A legislação prevê a criação da renda básica de cidadania, um direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica.
Muito embora a Lei preveja a instituição de uma renda universal e incondicionada, não dependendo portanto de quaisquer condições relacionadas à situação financeira do beneficiário, sua abrangência deveria ser alcançada em etapas, a critério do Poder Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas da população. Foi nesse contexto que o Partido dos Trabalhadores criou o Bolsa Família, um programa de transferência de renda sob condicionalidades, tais como níveis de renda, pré-natal em mulheres grávidas, vacinação e frequência de crianças e jovens na escola.
Histórico defensor da renda mínima, Eduardo Suplicy, em entrevista concedida à Revista do Instituto Humanitas Unisinos (ed. 333, ano X, 2010), observa no Bolsa Família um passo na direção da Renda Básica de Cidadania. Segundo ele, “o programa teve efeitos muito positivos do ponto de vista de ter contribuído para diminuir a pobreza absoluta e também para diminuir o grau de desigualdade de renda no país”. De fato, o Bolsa Família foi o primeiro passo para que todas as pessoas possam participar efetivamente da riqueza da nação. No entanto, é preciso avançar, e nesse aspecto a proposta de Ciro Gomes cumpre essa função: prometia taxar de grandes fortunas e ampliar a rede de proteção.
São inúmeros os benefícios da renda mínima. Antes de tudo, ela serviria como mecanismo de combate aos mais graves problemas sociais atualmente vigentes – desigualdade, pobreza e exclusão social –, atenuando os efeitos deles decorrentes. Com isso, além de colaborar para a diminuição da violência e dos níveis de criminalidade, em grande medida fomentados pelas condições de miséria e marginalidade, a renda favoreceria ainda a saúde da população brasileira, já que as condições econômicas possuem influência direta no processo de saúde-doença das pessoas.
Ademais, ao proporcionar condições materiais necessárias para uma vida digna, promovendo a inclusão de todos aqueles que são privados de participar da vida social, a renda contribuiria para a elevação dos níveis de felicidade do País. Isto porque as medidas convencionais de felicidade são inversamente proporcionais à desigualdade e estão diretamente relacionadas à segurança econômica, conforme demonstra o estudo Economic security for a better world, realizado pela Organização Internacional do Trabalho. A renda inegavelmente concederia liberdade para que o beneficiário elegesse as prioridades para a sua vida e realizasse suas vontades, aspirações e desejos, estimulando a execução de atividades não-remuneradas essenciais à qualidade de vida da população, tais quais a arte e o desporto, e permitindo um maior estado de autodeterminação.
As mulheres seriam especialmente beneficiadas, sobretudo em uma sociedade patriarcal onde grande parte delas depende economicamente do marido. A garantia de uma renda conceder-lhes-ia maior autonomia e poder de barganha no seio familiar, podendo encorajar uma divisão mais justa do trabalho doméstico. Além do mais, em famílias monoparentais por ausência paterna, a renda serviria para melhorar as condições de vida das mães solteiras, um grupo especialmente vulnera?vel à discriminação no acesso ao mercado de trabalho. É induvidoso, portanto, que a implementação da renda mínima contribuiria para a luta da justiça de gênero como um instrumento das mulheres contra a opressão que lhes é imposta pelo hétero-patriarcado.
Ainda mais relevante, a renda valorizaria trabalhos atualmente indesejáveis e mal remunerados, promovendo, com isso, o aumento dos salários e a melhoria das condições de execução das funções menos atraentes. Seria, portanto, capaz de reverter a vulnerabilidade social que coage os trabalhadores a aceitarem condições de trabalho servis e degradantes, incompatíveis com a dignidade humana. Dessa forma, os trabalhos penosos e aqueles executados em condic?o?es fi?sicas extremas deixariam de ser aceitos com os ni?veis salariais atuais, fomentando a melhoria do padrão de execução e a implementação de incrementos salariais substanciais para torná-los atrativos.
Ciro contribuiu para resgatar o debate em torno da renda mínima, é inegável. Apesar disso, sai derrotado das eleições. Acusado de trair seus tradicionais eleitores da centro-esquerda política e de não se posicionar diante de opções tão díspares e numa eleição tão acirrada.
Tiago Muniz Cavalcanti
Procurador do Trabalho, Doutor em Direito e integrante do Coletivo Transforma MP.