O Coletivo Transforma- MP vem a público manifestar repúdio à atuação de duas profissionais do Sistema de Justiça: a Juíza Joanna Ribeiro Zimmer e Promotora Mirela Dutra Alberton, ambas da Comarca de Tijucas, em Santa Catarina, que durante audiência com uma menina de 11 anos de idade, grávida em razão de estupro, negaram- lhe o direito à realização de um aborto legal. E, para além dessa negativa, induziram a garota a manter a gravidez por mais duas semanas a fim de permitir o nascimento do bebê e a entrega dele para adoção, a despeito do risco de vida que a gestação lhe trazia, o que foi atestado em laudos da equipe médica afeta ao processo.
O caso veio à tona, após uma matéria publicada pelo site The Intercept, que trouxe inclusive um vídeo da audiência ( preservando a identidade da garota e da mãe dela) na qual se pode ouvir tanto a Juíza quanto a Promotora fazendo perguntas diretamente à menina, em total desatenção à Lei n°13.431, de 04 de Abril de 2017.
O que se vê no vídeo é a inabilidade e falta de sensibilidade das profissionais em se dirigir a uma criança, indagando- lhe questões cujas respostas demandavam uma maturidade que ela não tem, fazendo- a muito provavelmente revisitar a dor psíquica e física do crime do qual foi vítima.
Não há como aceitar o despreparo das duas mulheres adultas que estavam ali supostamente como profissionais que deviam conhecer os termos da lei aplicável à area do direito na qual exercessem o seu ofício e que, ademais, deveriam resolver um problema grave, mas procederam de forma a aprofundá- lo.
Indagar à garota se ela queria escolher o nome do bebê como presente de aniversário, ou, ainda, se ela achava que o pai do bebê concordaria com a adoção, quando a criança nascesse, é dilacerante, torturante mesmo: é virar as costas à dor da garota e ao desespero de sua mãe; é minimizar a prática do crime que gerou a gravidez; é abrir um espaço para uma negociação sobre algo inegociável.
O homem que engravidou a garota é um estuprador! E ele tem que responder por isso, havendo que se proteger a saúde e em especial a vida da menina, que desde sempre esteve sob risco com a gravidez, agora, até já avançada.
A audiência expôs o vezo patriarcal na atuação da Juíza e da Promotora, fazendo- as, em pleno século XXI, tratar o corpo grávido de uma menina como produtora de “cria”.
Não obstante as mudanças havidas ao longo do tempo na sociedade brasileira, a Juíza e a Promotora, com as atitudes que adotaram, é como se tivessem reatualizado a lógica escravocrata do século XIX, segundo a qual independente da vontade ou das condições de saúde da mãe, parir uma criança fazia a felicidade, na época, daqueles que viam no recém- nascido um ser capaz de abastecer o mercado futuro de mão- de- obra. No caso em tela, a gestação da menina faria a felicidade de casais que aguardavam a adoção.
A perspectiva posta pelas operadoras do Sistema de Justiça, na mencionada comarca, ignorou o princípio constitucional consistente em conferir prioridade absoluta à criança e ao adolescente, enterrou as regras do ECA de proteção à criança e,ainda, da Lei n° 13.431/17, que prevê técnicas específicas de ouvida de criança e adolescente em situação de vulnerabilidade em virtude de violência.
Por todas essas razões, é de se esperar que as instâncias competentes do Poder Judiciário e do Ministério Público de Santa Catarina tomem a iniciativa necessária para evitar que situações como essa não mais se repitam e que, sobretudo, adotem as medidas pertinentes em relação às profissionais envolvidas no caso em foco, já que elas cabia reconhecer direitos, e não suprimi- los.