Adeus ano velho, feliz ano novo(?): expectativas e desafios diante do esvaziamento do papel da esfera pública no Brasil de 2017

Por Fabiano de Melo Pessoa, no GGN.

Finalmente chegamos a 2018! Como de costume, no começo de cada ano, se busca fazer um balanço daquele que passou e o que se pretende naquele que se inicia. No que se refere ao cenário político-institucional brasileiro, o balanço de fim de ano não poderia ser mais assustador, no que diz respeito ao estado atual do nível do diálogo público e de valorização dos mecanismos de interação no âmbito da esfera pública, no Brasil de 2017.

Fechamos o ano com a continuidade da implementação de medidas, por parte do Congresso e da Presidência da República, de uma agenda que, em momento algum, fora submetida ao debate público ou escrutinada pelos cidadãos, por meio do voto ou de outros mecanismos eficientes de participação popular.

Começamos a sentir os efeitos do novo regime fiscal instituído pela EC-95, no apagar das luzes de 2016, em 15.12.2016, como já aqui trazido pelas colunas das colegas Daniela Campos [1], Andrea Barcelos [2] e Lúcia Helena Barbosa [3], os quais tendem a agravar, ainda mais, o processo de exclusão e aprofundamento das desigualdades com a desestruturação do sistema de assistência social, sem que também isto tenha passado por uma discussão pública com o grau de relevância correspondente à intensidade das mudanças produzidas.

Foram implementadas mudanças estruturais e profundas na regulação das relações de trabalho, por meio da reforma trabalhista, com o advento da Lei 13.467, de 13.07.17, sem que o devido diálogo público sobre o tema tivesse sido realizado, conforme se anunciou, por meio de vários escritos de membros do Transforma-MP [4].

No momento, trava-se verdadeira “batalha campal” no âmbito da informação e da contrainformação para fazer aprovar a reforma previdenciária, com a forte utilização de mecanismos de pressão, por parte do governo, sobre os congressistas, para que votem a favor das reformas, mesmo diante da grande impopularidade das medidas.

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Para além disso, inúmeros foram os ensaios realizados para implementação da reforma política, com a pretensão de introdução de instrumentos ainda mais concentradores de poder e desprivilegiadores do fortalecimento da construção do diálogo público, como por nós discutido em nossa última coluna [5].

Não houve, portanto, no ano que passou, disposição, tampouco encontraram-se reunidas condições políticas mínimas para realização de um debate, no âmbito da esfera pública, capaz de influenciar o direcionamento das medidas que se pretendiam adotar nos temas objetos de mudanças tão intensas.

A avalanche de acontecimentos desencadeados pelo afastamento da Presidente, em 2016, nos frágeis termos e condições em que o processo de impedimento se deu, funcionou como instrumento eficaz para a geração de uma profunda divisão da sociedade brasileira, em torno dos argumentos que circundavam o debate.

Implodiu-se, assim, com bastante eficiência, as pontes ainda existentes de diálogo entre os diversos espectros políticos nacionais. Impôs-se, por conseguinte, o esvaziamento do debate público, inviabilizado pelos inflamados ânimos e reduzido a uma rasteira troca de farpas e agressões entre os partidários das posições contrapostas.

A quebra das até então minimamente convergentes expectativas político-jurídicas, duramente construídas nos esforços dos anos pós-ditadura, inclusive quanto à continuidade do processo regular de alternância política do Chefe do Executivo, abriu o caminho para o alargamento do processo de deslocamento das ações do Estado, em relação ao resultado da mediação do diálogo político-institucional, na seara da esfera pública.

Nesta nova fase, busca-se, portanto, a implementação, “à jato”, das reformas. Apresenta-se como novo instrumento de combate a “retórica da urgência” e da “inexorável necessidade da adoção das medidas propostas”, como condição indispensável para a manutenção da estrutura do Estado e a retomada do desenvolvimento. Pelo mesmo conjunto de argumentos, se justifica o açodamento na implementação das medidas e a não realização do diálogo necessário.

Ora, o conjunto dos fatos nos aponta para a existência de um “novo arranjo institucional”, na relação estabelecida entre os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) produzido no âmbito da construção do vigente momento político e um afastamento do processo decisório da influência do debate produzido na esfera pública, em meio aos diversos interesses em jogo e que estão postos como pano de fundo de todo este cenário.

Este novo arranjo institucional se revela, inclusive, pela nova acolhida apresentada às denúncias e fatos levantados em face do novo governo, com respostas assimétricas para casos semelhantes ou de maior gravidade em face do governo anterior.

Com tudo isso, descortina-se, diante de nós, uma importante radiografia dos acontecimentos recentes com a revelação dos interesses postos na disputa e o delineamento dos (re)arranjos promovidos nas relações institucionais, em meio ao processo de fundação desta “Novíssima República”. Para tanto, um olhar atento às novas prioridades, ações e respostas estabelecidas, pelos diversos agentes políticos e econômicos envolvidos, em meio os novos contextos apresentados, se mostra suficiente para a compreensão de vários destes aspectos.

O novo cenário político-institucional, estabelecido pela nova conjuntura política, tem como prioridade a implementação urgente de reformas no sentido de uma desoneração do Estado, principalmente no âmbito das ações de garantia e efetivação de direitos fundamentais, especialmente os de cunho social.

Prioriza, ainda, o repasse da gestão do sistema de previdência ao capital privado sob regulação preponderante das regras fixadas pelo mercado, sob o argumento de melhor eficiência na destinação dos recursos públicos.

Por outro lado, do ponto de vista das relações institucionais, busca o estabelecimento de um novo arranjo de forças, capaz de garantir uma “nova interpretação” dos atos promovidos pelos seus agentes, no contexto das novas denúncias e, em paralelo, o enfraquecimento das ações de combate à corrupção, antes tido como carro chefe de sua retórica política, quando na oposição.

Isto nos parece claro e facilmente verificável.

E se, por um lado, apresentam-se como prioritárias as medidas já referidas, com o viés de enfraquecimento do sistema de direitos estabelecido na Constituição Federal de 1988, por outro, continuamos a assistir, em novas manchetes, neste começo de ano, erupções de crime e violência, bem como de sucateamento dos serviços públicos, nos mais diversos pontos do país.

No Estado do Rio Grande do Norte, servidores das forças de Segurança Pública se encontram em greve. Com isso, desencadeou-se uma onda de assaltos e mortes que assusta a população. Já no Estado de Goiás, tem-se o desenrolar de mais um capítulo do caos existente no sistema penitenciário, evidenciado nas novas rebeliões e mortes dos primeiros dias do ano.

No Estado do Rio de Janeiro, parcela significativa dos serviços públicos se encontra inviabilizada pela falta de recursos para o pagamento dos agentes públicos e manutenção dos serviços, estabelecendo-se situações de completa destruição em áreas importantes como saúde e educação.

A compreensão das contradições entre narrativas discursivas, interesses em disputa e o (re)direcionamento das políticas públicas se apresenta como problema complexo a ser encarado com seriedade por toda a sociedade brasileira, como forma de efetivo enfrentamento dos problemas que continuarão a nos afligir, neste ano de 2018.

A retomada da esfera pública como espaço efetivo de formação de consensos ou de dissensos suportáveis, oriundos de um diálogo o mais ampliado possível, nos parece a única alternativa viável para a busca de soluções pactuadas e que possam ser implementadas sem os sobressaltos e quebras de expectativas que neste momento observamos. Este nos parece ser um dos grandes desafios apresentados no campo político-institucional brasileiro, para 2018, diante do completo esvaziamento que fora imposto a esta esfera discursiva e de participação, com as consequentes crises que se seguiram, durante o ano de 2017.

O processo eleitoral de 2018, neste ponto, será um importante momento de verificação do encaminhamento a ser dado pela nossa institucionalidade democrática, no esforço de (re)construção do diálogo público.

No que diz respeito ao Ministério Público, neste balanço de fim de ano, mostra-se importante que se destaque a necessidade de atenção para o complexo pano de fundo dos acontecimentos recentes. Resta indispensável que se lance um olhar sobre as narrativas apresentadas, as estratégias promovidas e os resultados obtidos pelos diversos atores envolvidos.

Apenas deste modo, se poderá, no futuro, se projetar uma avaliação prospectiva, que possa ir além da superfície dos fatos, para que se promova, em cada caso, as intervenções adequadas aos problemas concretos e ao alcance do devido interesse público em meios aos diversos interesses envolvidos.

Deve-se intensificar a busca por mecanismos de proteção contra o “aparelhamento” das ações institucionais, de modo a evitar que funcionem como “instrumentos úteis” na consecução de projetos que fujam aos escopos ministeriais, quase sempre promovidos por agentes com interesses nem sempre de cunho republicano ou democrático.

Por outro lado, tem-se como fundamental que se coloque em perspectiva, no âmbito do planejamento da intervenção ministerial, em 2018, a necessidade de que sejam somados esforços na tarefa de (re)construção de uma esfera pública ativa e inclusiva.

Deve-se se buscar a (re)construção de um ambiente político minimamente estável, com uma esfera pública que funcione como espaço de produção de diálogos e debates possíveis de efetivamente influenciar o processo de tomada de decisão das instâncias institucionais, algo que ficou para trás nestes últimos anos, em especial, como aqui destacado, no ano de 2017.

Eis aí, portanto, alguns dos desafios que temos como postos para o ano de 2018, na busca da superação da crise em que todos nós, tenhamos ou não contribuído ou aderido às estratégias político-discursivas aqui apontadas, nos encontramos inseridos. Sigamos, então, na luta e na procura de alternativas.

Fabiano de Melo Pessoa, Promotor de Justiça em Pernambuco e membro fundador do Coletivo por um Ministério Público Transformador – Transforma MP.


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Foto: Reprodução youtube

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