Tiros de metralhadora desde helicópteros: a guerra às drogas mostrando suas garras

Por Gustavo Roberto Costa, na Carta Capital.

Poucos têm falado, mas os acontecimentos recentes envolvendo sobrevoos de helicópteros disparando tiros em comunidades pobres do Rio de Janeiro, a par de serem criminosos no seu mais puro sentido, são mais um capítulo lastimável (para dizer o mínimo) da fracassada, mentirosa, enganadora, racista, odiosa, nojenta, caolha, míope, cega, desacreditada, canalha, calhorda, homicida, insensível, higienista, violenta e absurdamente ineficiente “guerra às drogas”.

Chegou-se ao ápice do que essa política sangrenta pode justificar. Numa das ocasiões, na Maré, alunos tiveram que se refugiar dentro e fora de escolas. Os professores de um projeto social tocavam músicas em volume alto, em meio aos blindados, helicópteros (caveirões voadores, segundo os moradores) e disparos, para tentar acalmar os alunos (no teto de uma escola há um cartaz: não atire, escola).

Resultado: oito mortos, incluindo uma criança. Vale lembrar que a Maré foi onde um estudante de 14 anos, com uniforme de sua escola, foi atingido e morto em meio a uma troca de tiros, cerca de um ano atrás. De acordo com a polícia civil, os oito eram suspeitos de fazer parte do “tráfico”.

Recentemente, o governador do Estado embarcou num helicóptero no município litorâneo de Angra dos Reis, onde tiros foram disparados contra uma tenda evangélica. Por sorte, não havia ninguém no local, embora sábados sejam dias em que a tenda é usada para orações. A justificativa do (des)governador: a tenda foi confundida com “esconderijo do tráfico”.

As rajadas sem fim sobre a população tornaram-se rotineiras também no Alemão, no Jacarezinho, na Cidade de Deus e em outras. Nem é preciso dizer que todas – sem exceção – são comunidades pobres. Não há notícia de helicópteros sobrevoando a Barra da Tijuca, o Leblon ou o Arpoador.

O governador alega ainda que age com a contundência necessária para o enfretamento de “narcoterroristas, traficantes que tomaram de assalto comunidades do Rio”. A ironia é assistir a pessoas – inclusive membros de instituições de Estado – alegando que há no Brasil uma idolatria de bandidos. Quem os moradores desses locais odiarão? Quem serão seus inimigos? Aqueles que atiram em seus filhos, pais, irmãos, netos e amigos? Muito provável.

O fato é que não há mais como negar. Não há mais como esconder. Não há mais como fingir. Não há mais como manipular os fatos. A “guerra às drogas” é uma guerra contra os pobres. É uma política de extermínio; de massacre; de morte; de genocídio. Esses são seus objetivos ocultos (hoje já não tão ocultos). Seus objetivos declarados – de impedir que as drogas se disseminem – são um fracasso total.

Ou será que ainda se tem tamanha ingenuidade de imaginar que o encarceramento em massa e a matança da população serão meios eficazes para frear o avassalador mercado ilegal de drogas? Será que alguém nega a extrema facilidade de se conseguir drogas ilegais no país? Alienação maior, impossível.

Lembre-se que dos 726.712 presos registrados no Brasil em junho de 2016 (para 368.049 vagas) – crescimento de 707% em menos de 30 anos –, 28% respondiam por tráfico de drogas. 55% dos presos tinham entre 18 e 29 anos. Os negros, embora sejam 51% da população, representavam 64% dos presos. 51% tinham o ensino fundamental incompleto, 4% eram analfabetos, 6% eram alfabetizados sem cursos regulares e 14% tinham apenas o ensino fundamental[1].

Desta forma, os temíveis e perigosíssimos “traficantes” são, majoritariamente, negros, pobres e sem escolaridade. Com milhões de desempregados e subempregados, será que há tantas outras opções assim?

Por outro lado, a taxa de crimes graves como o homicídio doloso cresce anualmente. Embora com uma aparente e significativa queda em 2018, somente em 2017, 63.880 pessoas foram vítimas desse tipo de delito, contra 62.517 em 2016. Uma taxa anual de 30,8 mortes para cada 100 mil habitantes. Em 2006, haviam sido 49.704 (26 a cada 100.000). Jovens de 15 a 29 anos representam 56,5% dessas vítimas e 71,5% são negros ou pardos. A vitimização da população negra cresceu 23,1% nos últimos dez anos[2].

Ao mesmo tempo, em 2018, ocorreram 6.160 mortes causadas por policiais em serviço (aumento de 18% com relação a 2017 – 5.225). Em 2016 foram 4.222. Só no RJ foram 1.534 pessoas. Em São Paulo, 851. O número de policiais mortos diminuiu – 374 para 307. Em 2016 tinham sido 453. Só no primeiro trimestre de 2019, no RJ, já foram mortas pela polícia 434 pessoas (4 por dia), um aumento de 18% com relação ao mesmo período do ano passado. Em SP, foram 213 pessoas, aumento de 8% em comparação a 2018.

Assim, a política criminal brasileira, altamente ineficiente para reduzir a criminalidade, é baseada na destruição de sua população. Na destruição daqueles que são descartáveis, e cujas mortes não geram comoção; cujo sofrimento é, no mais das vezes, comemorado. É a guerra de classes elevada a sua última potência. Em nome da política neoliberal de concentração máxima de riqueza, os disfuncionais não têm direitos; devem ser eliminados.

Lembre-se apenas que a fome, a miséria, a pobreza extrema e a injustiça embrutecem os homens (e mulheres), até o dia em que percebem que são a maioria.

[1] Dados retirados de: INFOPEN Atualização – Junho de 2016 / organização, Thandara Santos; colaboração, Marlene Inês da Rosa [et al.]. – Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional, 2017. Disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf> Acesso em 7-3-18.

[2] Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/brasil-ultrapassa-

marca-de-62-mil-homicidios-por-ano;

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/06/05/taxa-de-homicidios-de-negros-cresce-26-em-10-anos-mortes-de-brancos-caem.htm. Acesso em 17 mai. 2019.

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