Em 2023, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) marcou posição contra as práticas de uso de agrotóxicos, ressaltando os riscos à saúde, em especial nas causas do câncer.
Por Leomar Daroncho no Correio Braziliense
Na quarta década da maior catástrofe da indústria química, o Supremo Tribunal Federal (STF) está por decidir uma das mais importantes questões ambientais. Da decisão depende a efetiva proteção dos brasileiros expostos aos agrotóxicos.
Em 3 de dezembro de 1984, a cidade de Bhopal, na região central da Índia, registrou o maior acidente industrial da história. A explosão da fábrica de agrotóxicos deixou entre 4 e 10 mil pessoas mortas imediatamente. A fabricante negou-se a fornecer informações, dificultando o socorro de 200 mil pessoas intoxicadas pela nuvem de veneno. Estimam-se 25 mil casos de cegueira e 50 mil incapacitados para o trabalho. A data emblemática marca o Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos.
A desoneração tributária de agrotóxicos é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.553. A ação questiona regras de convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária que reduzem em 60% a base do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços sobre agrotóxicos, além de dispositivos que zeram o Imposto sobre Produtos Industrializados.
Em 5 de novembro, foi realizada audiência pública no STF, conduzida pelo relator, ministro Edson Fachin. Foram dezenas de manifestações de representantes do setor econômico, trabalhadores, governo, cientistas e entidades, além da sociedade civil.
O setor econômico buscou demonstrar a relevância da atividade econômica que desfruta dos benefícios fiscais há quase 30 anos. Muitos dos representantes de entidades e da sociedade civil demonstraram a iniquidade das vantagens tributárias concedidas a um setor que se anuncia com grande pujança econômica e usa insumos químicos especialmente na produção de commodities de exportação. Foram apresentados dados impactantes do comprometimento do meio ambiente e da saúde de trabalhadores e da população exposta a produtos tóxicos. Chamou a atenção a falta de representante do Ministério da Saúde, área diretamente impactada pelo estímulo ao uso de agrotóxicos.
No Brasil, a tragédia silenciosa e subnotificada é sentida pelas vítimas do espalhamento do veneno na forma de enfermidades crônicas, dado reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde (MS).
No mesmo 5 de novembro, o Ministério da Saúde publicou a Lista atualizada de Doenças Relacionadas ao Trabalho, com o objetivo de orientar as ações de vigilância e promoção da saúde. São mais de 40 enfermidades decorrentes da exposição dos trabalhadores aos agrotóxicos, com várias modalidades de câncer, linfomas, leucemia, hipotireoidismo, Parkinson e depressão.
Em 2023, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) marcou posição contra as práticas de uso de agrotóxicos, ressaltando os riscos à saúde, em especial nas causas do câncer. Indicou que o intensivo uso de agrotóxicos gera grandes malefícios, como poluição ambiental e intoxicação de trabalhadores e da população. O documento aponta o fato de o Brasil permitir o uso de agrotóxicos proibidos em outros países.
A isenção de impostos concedida à indústria de agrotóxicos é apontada pelo Inca como um grande incentivo ao uso que vai na contramão das medidas protetoras, decorrentes do princípio da precaução, que recomenda ações que reduzam progressiva e sustentadamente o uso de agrotóxicos.
Causou surpresa a manifestação da Advocacia Geral da União, favorável à renúncia de receitas, em pauta contrária ao interesse do erário, justamente quando o governo se debate com a crise orçamentária ou colapso fiscal.
Quanto à manifestação dos representantes do Ministério da Agricultura, favorável à continuidade da desoneração e indiferente aos dados que apontam os danos à saúde dos trabalhadores, proprietários ou empregados, chamou a atenção a resistência ao uso da expressão adotada pela lei e pela Constituição: “agrotóxico”, escolhendo usar o eufemismo “defensivos”, que compõe a estratégia de marketing do setor beneficiado pela desoneração.
Essa estudada cautela demonstra um alinhamento com a indústria química que traz preocupação adicional, pois a recente alteração na legislação dos agrotóxicos (Lei nº 14.785 / 2023) concentrou no Ministério da Agricultura a competência exclusiva para o registro de pesticidas. As áreas da Saúde e do Meio Ambiente ficaram com função secundária.
A grave decisão do STF, felizmente, dá-se no contexto em que tem havido compromisso com a Agenda 2030 — Pacto do mundo civilizado com o desenvolvimento sustentável. Há esperanças de que não seja perpetuada a silenciosa tragédia de Bhopal em nossas fronteiras agrícolas.
Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho e integrante do Coletivo Transforma MP.