Artigos dos procuradores do MPT, Leomar Daroncho e Luciano Lima Leivas no Correio Braziliense
Extraído no Brasil desde a década de 1940, o amianto crisotila, fibra mineral usada principalmente na construção civil, é associado ao câncer desde 1955. A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer reconhece o amianto como cancerígeno desde 1972. A substância pode provocar mesotelioma – tumor nas membranas que revestem o pulmão (pleura) – conhecido como o câncer do amianto.
Em 2017 o STF baniu o amianto em todo o território nacional, em decisão comemorada por defensores da saúde pública. O Instituto Nacional do Câncer – INCA classificou de histórica a proibição da extração, industrialização, comercialização, distribuição e o uso do produto.
A Organização Internacional do Trabalho estima em cem mil as mortes anuais de trabalhadores causadas pelo amianto. Na Itália, a principal marca respondeu na Justiça pela acusação de ter provocado uma catástrofe ambiental, ao violar normas de segurança do trabalho, com cerca de 3 mil mortes, entre trabalhadores e vizinhos da fábrica. O promotor responsável pelo caso classificou a tragédia das vítimas fatais de uma “ferida aberta”.
No dia 23/1/2023, a Fundacentro divulgou a criação de banco unificado de dados com o registro de 3.057 mortes decorrentes de doenças relacionadas ao amianto no Brasil, entre 1996 e 2017.
Os pesquisadores destacam a preocupação com os efeitos da contaminação ambiental acumulada, em razão da tardia proibição, indicando a importância de manter o sistema de monitoramento da saúde dos trabalhadores, dada a projeção de que seguirão surgindo vítimas após o término da exposição ocupacional. Também ressaltam a cautela com os números, que devem ser bem superiores, em razão da subnotificação.
O asbesto foi proibido, a partir da década de 1990, em mais de 70 países. No Brasil, em 1993, foi apresentado o Projeto de Lei nº 2.186, que pretendia proibir o amianto. Paradoxalmente, o projeto foi convertido na lei que permitia o aproveitamento econômico do amianto.
Ao declarar inconstitucional o dispositivo legal que autorizava o aproveitamento econômico do mineral cancerígeno, o STF reconheceu as evidências de que não existe limite seguro para a exposição humana ao produto, sendo impossível o uso controlado da perigosa substância.
Todavia, os efeitos da decisão foram suspensos em razão de recurso (embargos de declaração) apresentado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria e pelo Instituto Brasileiro do Crisotila, cujo julgamento é aguardado para que haja segurança jurídica na importante matéria.
No dia 16/02/2023 o STF deve retomar o julgamento da ação (ADI 3406), em que foi declarada a inconstitucionalidade do dispositivo que permitia o aproveitamento econômico do amianto no Brasil, pacificando a questão.
Registre-se que no início dos anos 2000, diversos estados brasileiros publicaram leis regionais de proibição do amianto, casos de SP, RJ, RS e PE. Tanto a Lei Federal de permissão quanto as leis estaduais de proibição foram questionadas no STF. Em 2017, a Corte declarou constitucionais as leis estaduais (proibitivas) e inconstitucional a Lei Federal (permissiva).
Contudo, o Estado de Goiás, que sedia a única mina de amianto no Brasil, em sentido contrário à decisão do STF, publicou a Lei Estadual nº 20.514/2019, permitindo a extração, o beneficiamento e a exportação, do amianto da variedade crisotila. A lei goiana, incentivada pela insegurança gerada na pendência de decisão definitiva do STF, trouxe situações concretas de absoluta insegurança jurídica. A lei de Goiás acabou sobrepondo-se ao entendimento do STF sobre a Lei Federal e às leis de outros estados
Em abril de 2022, um caminhão carregado de amianto goiano que se dirigia ao porto de Santos sofreu acidente na BR-153, no município de Prata/MG lançando no ambiente cerca de 30 toneladas do produto perigoso. Porém, há lei dos estados de Minas Gerais e de São Paulo proibindo expressamente o amianto em seus territórios, sendo que a lei paulista foi declarada constitucional pelo STF.
O banimento do amianto é recomendado pela OMS como critério de saúde ambiental. A pacificação do tema pelo STF, mantendo a pauta de julgamento prevista e confirmando a decisão definitiva de banimento, que se alinha aos princípios da precaução e da prevenção e encerraria o período de retrocessos e de inseguranças, afirmando a centralidade dos direitos humanos e o protagonismo da Corte constitucional na concretização da Agenda 2030 da ONU.
Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho e membro do Coletivo Transforma MP.
Luciano Lima Leivas é Procurador do Trabalho.