Feliz aniversário, Estatuto da Criança e do Adolescente!

 

Por Luisa de Marillac* no GGN 

Há 31 anos o Brasil tem em você uma das leis mais evoluídas do mundo, na perspectiva emancipatória dos Direitos Humanos. Sim, é verdade que tem gente que acha que você é um sonho que não se tornou realidade, mas se hoje ninguém duvida que todas as crianças têm direitos e que devem ser atendidas por suas famílias, pela sociedade e pelo Estado com absoluta prioridade é porque tuas palavras são firmes e fortalecem a nossa Constituição Federal.

Também é verdade que há quem ache você um pesadelo, dizem que você só fala de direitos, que impede a correta educação das crianças pois, imaginem!, não deixa as famílias darem limites aos seus filhos.  Ou seja, com você – “esse estatuto” – os pais não podem mais bater nos filhos pois os filhos podem denunciá-los, e, por isso, você é “inimigo da família”.

Mas é que temos parcelas da sociedade que não acompanham a sua evolução, Estatuto. Você acaba sendo alvo de ataques e objeto de muitas maledicências, dizem até que você teria que “ser rasgado”. Por certo, esses que assim dizem acreditam que as crianças são propriedade dos pais e das famílias. Não são sujeitos, não são sequer ainda humanos e precisam ser tratados com violência para que possam “aprender a ser gente”. Esses que abominam você acreditam que você atrapalha os pais e os professores a “fazerem o seu papel”. É que o papel de educar para essas pessoas inclui o direito de violar a dignidade do aprendiz, inclui o direito de usar da violência, inclui o direito de oprimir, de explorar, de privar a liberdade, de violar a privacidade. Essas pessoas não comemoram o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade que você estabelece para todas as crianças e adolescentes brasileiros e brasileiras. Elas acreditam que reconhecer os direitos de crianças e adolescentes diminui os direitos dos adultos. Ora, veja só!

Dizem também que você só serve para “proteger bandidos”, que por sua causa os adolescentes podem fazer o que quiser que não vão presos, que você é o responsável pelo aumento da criminalidade. Mas quem diz isso não vê que, de mais de 20 mil adolescentes que são presos para cumprir medida de internação (sim, eles são presos!), menos de 15% cometeram crimes violentos e, embora haja muita falha nos dados a respeito da criminalidade, há estudos que garantem que os adolescentes são responsáveis por menos de 10% dos crimes cometidos no Brasil.  Essas pessoas chamam de bandidos as meninas e os meninos que não tiveram acesso aos direitos fundamentais e cujas famílias são ofendidas pela pobreza e pela exclusão, pois são essas e esses os adolescentes que acabam entrando na criminalidade. Chamam de bandidos as meninas e os meninos que são explorados pelo tráfico de drogas e ainda dizem que “bandido bom é bandido morto”.

Pois é, Estatuto, há mesmo quem não goste de você, sobretudo entre as pessoas que também não gostam dos direitos humanos, que acham que as pessoas que defendem os direitos humanos não deixam as “pessoas de bem” trabalharem. Mas, afinal é tanta coisa pra prestar atenção, né?, tanta coisa pra superar, tantos preconceitos que herdamos de uma sociedade marcada pela desigualdade social, pelo racismo estrutural, ferida pelo machismo, pela homofobia, com tanta dificuldade de conviver com as diversidades… Pra alguns é mesmo mais fácil seguir a maioria hipnotizada pela mídia cujos valores – de mercado – não são mesmo muito humanos.

Ainda bem, Estatuto, que você continua nos ensinando democracia, nos convidando a agir em rede, nos instigando a combater o adultocentrismo, nos sensibilizando a respeitar a família em seus múltiplos arranjos, a valorizar a liberdade e a autonomia dos indivíduos, mesmo que ainda em desenvolvimento. Se é verdade que nem tudo que você escreveu já se cumpre, também é verdade que muito se conquistou a partir da sua existência e que podemos ir, passo a passo, em busca do seu total cumprimento.

Hoje, mesmo abalados com as tragédias da pandemia do Covid, é dia de celebrar porque o Brasil tem se tornado, desde 1990, um lugar melhor para crianças e adolescentes viverem, um lugar onde há pessoas, famílias, serviços, instituições e organizações que abraçam o Estatuto da Criança e do Adolescente como bandeira, como escudo e como horizonte e se comprometem a lutar para que as crianças e adolescentes brasileiras e brasileiros sejam livres de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão e tenham pleno acesso aos direitos fundamentais.

*Luisa de Marillac é Promotora de Justiça de Defesa de Crianças e Adolescentes no MPDFT

 

 

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