Em ato, estudantes cobram escola e PM após tropa agredir adolescentes

O Ministério Público de São Paulo se reuniu com representantes da Secretaria da Educação, da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e do Conselho Tutelar a pedido da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio para tratar do caso na Emygdio de Barros.

Por Arthur Stáblie, na Ponte Jornalismo.

Alunos da Escola Estadual Emygdio de Barros, no Rio Pequeno, zona oeste da cidade de São Paulo, protestaram na noite desta quinta-feira (20/2) contra a violência policial. Dois dias antes do ato, PMs agrediram com socos e chutes alunos do colégio, o que gerou revolta e a cobrança por respostas da escola e do governo de João Doria (PSDB).

Vídeos obtidos pela Ponte mostram a violência com que os policiais lidaram com os estudantes. Um deles recebeu um soco logo após sair da sala e segue levando golpes do lado de fora, enquanto outro foi rendido. Um dos PMs que atuou na escola após pedido da diretora, Lucila Folgosi, sacou a sua arma e apontou em direção ao grupo de estudantes, que se revoltou com as agressões.

Em conversa antes do ato começar, alunos do colégio contaram que é normal a direção da escola acionar a PM para resolver conflitos com alunos. Para eles, a diferença deste caso foi o limite da agressão, que partiu para a violência física. Nos outros casos, os PMs são truculentos e os ofendem verbalmente.

“A diretora e a coordenadora sempre fazem isso, é comum a PM estar aqui. Tem a ronda escolar, mas às vezes chamam e eles vêm xingando a gente”, afirmou Daniel Gabriel Silva Santana, 18, estudante do colégio. Camila Santos, 17 anos, integrante do Grêmio Estudantil da escola, explicou que a comunicação é difícil até com o grupo e que há uma série de problemas de estrutura. “Não temos livre acesso à biblioteca, pegamos livros sem autorização para estudar”, exemplificou.

Um grupo de cerca de 120 alunos marchou desde a escola, que fica na Avenida Nossa Senhora da Assunção, até a Avenida Engenheiro Heitor Antonio Eiras Garcia, ainda no bairro do Rio Pequeno. Na caminhada eles entoavam gritos como “Oh João Doria eu queria te dizer: os estudantes tão na rua e vão derrotar você”, “Mamãe mandou eu estudar pra não virar Polícia Militar” e “pobre formado é perigo para o estado”.

Outro aluno, que estava no dia da ação da PM, reforçou que mais estudantes além dos dois filmados sendo agredidos receberam golpes. “Foram pelo menos quatro alunos. Os policiais chutaram e deram socos”, contou à reportagem. Ele não participou do ato, que teve início às 18h e encerrou às 20h com aplausos de quem esteve do começo ao fim.

O jovem contou que o conflito teria começado um dia antes, quando o aluno David Harly, 18 anos, verificou se sua matrícula no período noturno estava correta e teve resposta positiva, mas foi impedido de assistir à aula no dia seguinte.

“Ele disse que tinha o direito de ficar na sala e a direção chamou a polícia. O PM veio, disse que era pra ele sair e ele concordou, só disse para não tocar nele e o policial pegou. ‘Toquei, vai fazer o quê?’. E deu naquilo”, relembrou o aluno, que pediu para não ser identificado.

Um dia após o caso, na quarta-feira, os alunos se manifestaram dentro da escola. Não receberam uma resposta imediata, que veio apenas nesta quinta-feira (20/2). Uma profissional da coordenação usou o microfone para explicar que a diretora pediu afastamento do cargo e não deu mais detalhes sobre o que seria feito após as agressões.

De acordo com os estudantes, antes de prestar esclarecimentos, a mulher disse que ninguém poderia filmá-la, caso contrário ela os processaria por uso indevido da sua imagem. A reivindicação era por respostas vindas da diretora Lucila Folgosi, o que não aconteceu. Segundo os alunos, ela não entrou mais no Emygdio de Barros desde o ocorrido.

Questionada pela Ponte, a Secretaria Estadual da Educação comunicou que determinou o afastamento de Lucila como uma das medidas tomadas após o caso. De acordo com a pasta, a ação da PM será investigada e, em um primeiro momento, não havia necessidade de a PM ser acionada.

Os PMs teriam sido chamados pela diretora para retirar da escola o estudante David. Ele não teria encontrado seu nome na lista de presença e conversou com Lucila, que, segundo ele, ameaçou chamar a polícia.

Na sequência, três policiais o esperam na saída da aula. “Eles me chamaram pelo nome na porta da sala e disseram: ‘se você não sair, a gente vai te pegar’. Aí eu falei que não precisavam encostar em mim que eu desceria, aí nisso eu levei um soco na boca”, contou David, um dia após a violência.

Ao fim do ato, o professor Leandro Aguiar, 40 anos, que dá aulas de história, lamentou o ocorrido e disse que “seu discurso não seria completo em sala de aula se eu não estivesse” junto da manifestação. O profissional alertou para a precarização das condições de trabalho de quem atua no governo do estado e para o que chamou de “eleições fake” dos grêmios estudantis.

MP questiona secretaria

O Ministério Público de São Paulo se reuniu com representantes da Secretaria da Educação, da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e do Conselho Tutelar a pedido da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio para tratar do caso na Emygdio de Barros.

No encontro, feito na noite de quarta-feira (19/2), um dos questionamentos dos promotores era sobre as políticas educacionais adotadas em situações de conflito. Segundo eles, a própria pasta não soube responder qual o procedimento padrão a ser adotado pelas escolas.

“Desde 2017, com a retirada de parte dos professores mediadores, não se tem política nenhuma de conflitos no ambiente escolar e isso foi confirmado na reunião”, criticou, em conversa com a Ponte, o promotor de Educação Daniel Serra Azul, 43 anos.

Há quatro anos no Geduc (Grupo de Atuação Especial de Educação), Serra Azul explica que os próprios profissionais das escolas não sabem o que fazer quando há situações como a vivida na Emygdio de Barros. “Já havíamos visto isso nesta própria escola por falta de gente [funcionários]”, contou.

Segundo ele, abordagens pedagógicas têm virado caso de polícia pela falta de ação do governo. E exemplificou com a proposta de colocar um PM e câmeras de segurança nas unidades. “Qual fundamento pedagógico? A secretaria não sabe dizer. Existe ator dentro da escola sem papel pedagógico?”, questionou.

O promotor criticou a falta de protocolo e o fato das escolas estarem “funcionando em total abandono”. Ao classificar a ação dos PMs na escola como “bárbara, uma brutalidade que só não fica chocado quem não cultua o valor democrático”, ele destacou o poder de se filmar uma ação ilegal.

“Infelizmente vemos naquele vídeo o que quase sempre recebemos de denúncia em casos semelhantes, mas que não foram filmados. E sabemos o porquê não é: porque um dos que filmou apanhou”, disse Daniel Serra Azul, ressaltando que este tipo de cena “não deve existir em uma democracia”.

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