Bolsonaro ou as “instituições? Nenhum dos dois

Por Gustavo Roberto Costa*

O governo Bolsonaro tem pouca estima pela democracia. O atual ocupante da cadeira
presidencial já defendeu abertamente a tortura e a morte. Saudou a memória de um
assassino em rede nacional. Defendeu (e continua defendendo) a legitimidade da morte de
cidadãos por forças policiais. Defendeu que se jogue o ECA (exemplo de legislação
protetiva de direitos individuais e sociais) na latrina. Não demonstra qualquer apreço pelo
jogo democrático.

É um governo que atende a interesses estrangeiros. Que entrega quase que gratuitamente
nossas riquezas. Destrói diária e paulatinamente o patrimônio nacional e o Estado (a crise
do coronavírus está demonstrando que somente um Estado capacitado pode fazer frente a
graves problemas como esse). Apoia sistematicamente a retirada de direitos da população
pobre e vulnerável, a fim de garantir o lucro dos rentistas.

Um governo que exalta o Deus “mercado”, esse parasita que é o verdadeiro responsável
pela profunda crise que vivemos atualmente. A guerra de preços do petróleo e a queda
brutal das bolsas mundiais ocorreriam com ou sem o corona – que, apesar de sua
gravidade, vem servindo também como cortina de fumaça para encobrir o colapso do
sistema financeiro. A crise não é em razão do vírus, e sim do capitalismo.

Mas no que o bolsonarismo difere de instituições como o Congresso Nacional e o Supremo
Tribunal Federal? A par de algumas honrosas exceções, nada. Bolsonaro, ao menos, é
coerente e sincero. Nunca escondeu seus pensamentos e intenções.

Foi esse Congresso Nacional o responsável pelo golpe de 2016. Foi esse grande defensor
da democracia que rasgou a Constituição, ao promulgar uma emenda que congela o
investimento público no Brasil por vinte anos (independentemente das necessidades do
povo). A mesma casa que aprovou uma indecente reforma previdenciária e um mais
indecente ainda “pacote anticrime” (com o apoio de parte da “esquerda”, é bom que se
diga).

E o que dizer do “guardião da Constituição”, o Supremo Tribunal Federal? De 2014 em
diante – apesar de todo o alerta da comunidade jurídica –, a corte avalizou a maior parte
dos abusos da chamada “Operação Lava-Jato”. Acovardou-se. Apequenou-se. Rasgou a
Constituição ao permitir a execução criminal após condenação em segunda instância.
Deixou que o cidadão Lula da Silva fosse preso arbitrariamente e fez vista grossa das inúmeras ilegalidades que envolveram seu processo. Impediram-no de forma ilícita (com a
colaboração inestimável do TSE) de participar das eleições.
Não é demais lembrar que o Poder Judiciário (ladeado pelo Ministério Público) é o grande
responsável pela explosão do encarceramento da juventude pobre do país. Ambos fingem
que não veem o crescimento exponencial da taxa de letalidade policial. O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, vem dando seguidas mostras de que tem lado – e não é
o do trabalho, definitivamente. Isso sem contar os inúmeros integrantes do Judiciário que
apoiam abertamente a agenda bolsonarista.

Não. As instituições da democracia burguesa não têm defesa. Não há democracia com elas.
Só uma democracia de fachada. Uma democracia que apenas funciona para garantir a
acumulação de riqueza nas mãos de poucos e, consequentemente, massacrar a população.
Não representam o povo. Não representam seus interesses. Ressalvadas novamente as
conhecidas exceções, fazem o jogo do capital.

Por isso devemos defender o seu fechamento? Não. Mas devemos ter absolutamente claro
que o Estado de Direito que conhecemos foi destruído exatamente por aqueles que
deveriam defendê-lo, e já não são mais dignos de qualquer confiança. As instituições do
Estado devem ser ocupadas pelo povo, que deve ser proporcional e rigorosamente
representado em seus quadros.

Negros, pobres, mulheres, indígenas, empregadas domésticas, coletores de papel reciclado,
sem-terra, sem-teto, operários, caminhoneiros, carteiros e petroleiros, todos devem compor
os Poderes da República – inclusive o Judiciário e o Ministério Público, cuja composição
deve passar pelo crivo da população. O espaço reservado à elite deve ser de acordo com
seu tamanho na sociedade: 1%.

Senão, com Bolsonaro ou sem Bolsonaro, o cenário desolador será o mesmo.

*Gustavo Roberto Costa é Promotor de Justiça em São Paulo. Membro fundador do
Coletivo por um Ministério Público Transformador – Transforma MP e da
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD. Associado do IBCCRIM –
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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