Por Rafael Bevilaqua, em sua página pessoal.
Desculpem meu ceticismo quando ouço algum de vocês falar “torçam para o novo governo” ou “torçam para o Brasil”. Não estavam em disputa projetos de “bem comum” para o país: o presidente eleito quer o bem dos seus pares.
O projeto dele não me inclui (ele quer a oposição atrás das grades, na ponta da praia ou no exílio e acabar com todas as formas de “ativismo”). Não inclui minhas amigas mulheres, minha mãe e qualquer outra que considere merecer igualdade em direitos e salários. Não inclui os meus amigos e parentes negros que preferem Universidades a prisões. Não inclui os meus amigos e parentes gays que querem simplesmente existir em paz. Não inclui indígenas, não inclui agricultores rurais sem terra, não inclui os sem-teto.
Acima de tudo, o projeto de Bolsonaro não inclui gente que trabalha e depende de trabalho para sobreviver. Gente que precisa do salário no fim do mês, que precisa da Previdência, de aposentadoria. E mais: não inclui as pessoas que sequer conseguem trabalhar pois estão à margem da sociedade.
Não consigo achar consolo na identificação de culpados: a arrogância do PT, o “traidor” Ciro, os “infiltrados” pós-modernos, os votos nulos, a minha tia que compartilhava fake news no Whatsapp, etc. Não vejo no que esse tipo de caça às bruxas, que gera uma divisão autofágica, vai ser útil neste momento.
Não vejo graça nas brincadeiras, às vezes inocentes, de quem me manda “chorar”: minha mãe chorou, minha companheira chorou, amigos meus que querem viver, não apenas sobreviver, choraram. Eu estou em choque.
Política não é futebol, o “choro” deles pela derrota não é futilidade. É o desespero de pessoas que, como meus pais, viveram sob uma ditadura militar e conviveram ou sofreram com a tortura e o desaparecimento de amigos/companheiros. A tortura real, cruel, não as relativizações e comparações grosseiras. É um choro de dor pelas feridas que ainda não cicatrizaram e agora serão ainda mais aprofundadas.
Aliás, qualquer brincadeira nesse momento me parece cruel ou infantil.
Vi alguém dizendo que vai esfregar na cara dos seus adversários cada ano que não houver mortes ou tortura. Não precisa. Eu vou comemorar junto com você, estarei feliz, mas creio que seja impossível. Tortura e homicídio de gente pobre e trabalhadora já existem hoje sem um apologista na presidência da República, só espero que ele não consiga piorar a situação.
Aliás, o melhor que posso esperar de Bolsonaro para os próximos anos é justamente isso: NADA. Isso mesmo: NADA. Espero que ele não consiga realizar NADA do que prometeu. Aliás, muitos de vocês me disseram que ele não iria conseguir fazer os absurdos que dizia, que era tudo para “chamar a atenção” e que este seria o preço para supostamente “acabar com a corrupção”. Espero que essa aposta insensata esteja correta.
Quero que o novo chefe do Executivo seja incompetente como foi nos seus 28 anos de parlamentar e isso é o melhor que posso esperar dele.
Ainda assim, só isso já vai ser uma tragédia para quem jogou todas as fichas na esperança de que o salvador da pátria estava chegando.
Mas não temam, esse é só um pedido de desculpas pela minha desesperança, não uma declaração de ressentimento ou promessa de vendeta.
Quando chegar o momento em que novamente precisemos dar as mãos, se for de sua vontade, eu aqui, que pretendo resistir, não guardarei um “eu avisei” para retribuir minha tristeza: estarei com a mão estendida e os braços abertos para de novo o acolher como igual.
Para existir e resistir é importante estarmos juntos e cada braço fará falta: o do que sempre lutou, o do que luta quando necessário, o do aliado de última hora, também o daquele que fraquejou em algum momento e, por último, mas não menos importante, o dos nossos irmãos arrependidos.
O sol há de brilhar mais uma vez.
Raphael Bevilaqua é Procurador da República em Rondônia (MPF) e integrante do Transforma MP. Bacharel em Direito e mestrando em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ.
Imagem: Luzia Contim e Márcio Martins Moreira (https://www.youtube.com/watch?v=en1JRMruaFg)