Adolescência: de quem é a culpa?

Artigo do Procurador do Trabalho e integrante do Coletivo Transforma MP, Leomar Daroncho, no Correio Braziliense

Provavelmente o leitor já assistiu à série inglesa “Adolescência”, com interpretações magnéticas, em 4 episódios de muitos questionamentos e poucas respostas. Uma das produções mais vistas, em que um garoto de 13 anos, Jamie Miller, é acusado pelo assassinato de uma colega.

Há uma infinidade de análises possíveis sobre a série: busca de aprovação, isolamento, bullying, frustração e misoginia nas redes sociais. Stephen Graham, criador da série e intérprete do pai do adolescente, declarou que pretendia inspirar os pais a aproximar-se dos seus filhos: “Não estamos apontando o dedo para nenhum indivíduo ou coisa em particular… talvez todos nós sejamos responsáveis de alguma forma”.

O abalo de uma família normal, na produção, tanto arrebata quanto perturba pela falta de habilidade de falar e compreender: dos pais, da escola, dos professores e dos investigadores. Há uma barreira construída por linguagens e expressões incompreendidas. Emojis e siglas separam adolescentes de adultos, sugerindo a culpa pela falha na educação dos filhos.

Para os propósitos deste espaço, importa o registro de que a nossa Constituição, no Capítulo VII, estabelece a família como base da sociedade, com especial proteção do Estado, compreendendo também a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Em seguida, a Carta assinala que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, uma série de direitos. Há referência expressa ao direito à convivência familiar, apresentado textualmente como um dever da família, da sociedade e do Estado. Assim, devem colocados a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Sobre os pais pesa o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.

Na crua vida real, pais que trabalham por mais de 10 horas diárias, 6 dias por semana, formal ou informalmente, recebendo ou não horas extras e enfrentando longos trajetos no deslocamento, podem ser cobrados, e sentir-se culpados, pela dificuldade de acompanhar, ouvir e orientar seus filhos? Alguns ainda seguem sendo acionados e demandados em seu “tempo livre”, quando formalmente estariam desconectados do trabalho” – conexão permanente e prontidão sem fim em trabalho não pago.

A jornada máxima estabelecida na Constituição deveria ser de até 8 horas diárias e até 44 horas semanais. Em leitura enviesada e cruel, a prática e a jurisprudência acomodaram a ordinária, recorrente, sistemática e rotineira prestação de serviço extraordinário, de forma habitual. As “horas extras” chegam a ser desejadas por trabalhadores de baixa remuneração, na luta pela sobrevivência, o que viabiliza o trabalho exaustivo por seis dias, com um dia de descanso.

A situação pode ser ainda mais perversa nas categorias que acumulam empregos no regime 12 X 36, suprimindo os períodos de descanso, e na ilusória liberdade dos trabalhadores de plataformas que, trabalhando sob demandas e metas, são artificialmente excluídos da proteção dos limites da jornada de trabalho.

O limite à jornada de trabalho é uma conquista que remonta ao início do século 20, sob a influência da Encíclica Rerum Novarum — sobre a condição dos operários —, do papa Leão XIII, que demonstrava preocupação com o número de horas de trabalho e a necessidade de tempo para repouso e aperfeiçoamento familiar, moral e religioso.

A tecnologia, apontada como vilã em determinadas leituras da série, vem nos seduzindo com a promessa de garantir mais tempo livre. Dispositivos eletrônicos, computadores, smartphones e milhares de aplicativos proporcionariam tempo a ser usufruído com a família, a convivência social, o lazer, a espiritualidade, a cultura e atividades lúdicas.

A Inglaterra, país em que se passa a série, registrou a média de 41 horas semanais para o trabalho em tempo integral, em 2019, sendo que muitas empresas britânicas estão desenvolvendo um exitoso programa de redução da semana de trabalho para apenas quatro dias por semana, sem redução de salários.

Mais do que apontar culpados, é importante encaminhar soluções. Humanizar o trabalho e a sociedade, assegurando tempo para o exercício de direitos e obrigações, como a convivência familiar. É muito oportuna a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 8/25), espécie de grito do desespero contra a opressão, acabando com a escala de trabalho 6×1, atualizando com limites civilizados a duração do trabalho.

Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho e integrante do Coletivo Transforma MP.

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