O ATIVISMO JUDICIAL E A ESQUERDA NO BRASIL:  UM NAMORO PERIGOSO

Lula Marques/Agência PT

Por Rogério Pacheco Alves* no GGN

A perspectiva crítica de Marx sobre o direito e os tribunais moldou parte da visão da esquerda brasileira. Uma visão negativa, ou, no mínimo, desconfiada.
          As primeiras inflexões ocorrem com o direito alternativo da década de 1980, que acreditava poder domar hermeneuticamente a brutalidade do direito penal em favor dos pobres, e com a Constituição de 1988, que, ao empoderar o Judiciário, abriu os tribunais aos movimentos sociais e à sociedade civil, num processo de acesso à justiça nunca experimentado. E as respostas foram positivas na defesa dos direitos fundamentais das
minorias e dos vulneráveis: cotas universitárias para as populações negras e indígenas, reconhecimento dos efeitos jurídicos das uniões homoafetivas etc. Iniciava-se um feliz e promissor namoro entre a esquerda e o ativista Poder Judiciário brasileiro.

          Mas, como o Judiciário não é um bloco monolítico e é um poder político em ascensão no Brasil (atenção hermeneutas e Hermenegildos: não há poder que não seja político!), logo veio a decepção: mesmo em ambiente relativamente democrático e com uma constituição progressista, os tribunais e o Supremo Tribunal Federal podem ser máquinas de guerra contra o dissenso (os mais experimentados haverão de lembrar do Tribunal de Segurança Nacional da ditadura Vargas). Além disso, podem ser colonizados por poderosos interesses corporativos, pelas empresas de aplicativos, por exemplo, que escravizam milhares de jovens país afora, jovens precarizados cujos corpos são lentamente triturados, destituídos de direitos sociais elementares.
         O namoro entre a esquerda e o ativismo judicial, interrompido pelo lawfare lavajatista e seus heróis de ocasião, parece ter sido retomado através do inquérito das Fake News: o Presidente da República agradece publicamente ao Ministro Alexandre de Moraes pelos relevantes serviços prestados à democracia; o Ministro Gilmar Mendes, decano da Corte Suprema, dá as cartas novamente nos bastidores dos processos de nomeação de personagens centrais do sistema de justiça.

     Ocorre que o inquérito das Fake News, para usar a expressão de um ilustre jurista que defendeu habilmente sua juridicidade, gera um imenso “constrangimento epistemológico”, pois reúne na figura do juiz, escolhido a dedo, também a do investigador e a do acusador, em atropelo ao sistema acusatório. O Supremo Tribunal Federal, em uníssono, defende a constitucionalidade das investigações sigilosas, num movimento de sobrevivência política bastante compreensível (trata-se de “perseverar na existência”, já nos dizia o velho Spinoza).

          A direita e a extrema-direita possuem mais clareza sobre o ativismo judicial, consideram-no nocivo à democracia (democracia que a extrema-direita despreza e sabota a todo tempo). E a esquerda brasileira, o que pensa sobre o ativismo? Talvez seja o caso de assumir que o ativismo judicial é estratégico aos seus interesses, uma possibilidade a mais do xadrez político, uma condição dada pelas circunstâncias da vida política (a fortuna de que nos fala Maquiavel). Que seja, pois a política não pode ser pensada a partir de uma moralidade jornalística subserviente a projetos e interesses autocráticos (o combate à corrupção e a defesa da dignidade humana invocados no preâmbulo do AI-5). Mas, como diziam os mais antigos, vento que venta lá, venta cá …

*Este artigo não representa necessariamente a opinião do Coletivo Transforma MP.

Rogério Pacheco Alves é Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Promotor de Justiça no ERJ e Integrante do Coletivo Transforma MP.

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