STF, Banco Central, super ricos: a história coletiva é implacável e dramática

Por Maria Betânia Silva no GGN.

I – UM FATO QUALQUER !?
No dia 26 de outubro do ano corrente, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 860631, que data de 2015 e foi interposto por um cidadão contra a Caixa Econômica Federal (CEF). A Caixa, que lhe tinha financiado, sob a cláusula de alienação fiduciária, a aquisição de um bem imóvel, pretendia aplicar a Lei nº9.514/97 para retomar o bem por causa do atraso no pagamento das prestações. O caso chegou no STF em 02 de janeiro de 2015 e foi distribuído ao gabinete do Ministro Luiz Fux, para a relatoria.


O Recurso Extraordinário no STF, desde então, em uma brevíssima síntese:


a) foi remetido à Procuradoria Geral da República, em 2017, que se manifestou favoravelmente ao mutuário;
b) teve reconhecimento de que a causa continha elementos para ser julgada com a cláusula de Repercussão Geral (art.322 do Regimento Interno do STF n.58/2022), em 2018 e;


c) ainda, contou com decisões do relator, admitindo no dia 14 de agosto de 2018, a Associação Brasileira de Mutuários de Habitação para atuar no processo e, depois, em 02 de agosto 2019, o Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.
até que em 17 de dezembro de 2020, o Recurso foi incluído em pauta de julgamento para o 24 de março de 2021.


O julgamento, porém, não ocorreu nessa data.
Em 24 de fevereiro de 2021, coincidentemente, dia previsto para o julgamento do Recurso Extraordinário no STF sobre a Lei nº9.514/97 o relator, Ministro Luiz Fux, admitiu o Banco Central e a FEBRABAN como amicus curiae.


Após isso, o recurso foi de novo em pauta para julgamento no dia 01.06.2022 que somente teve seu início em 25 de outubro de 2023, com decisão favorável à CEF e extensão dessa decisão para todos os casos que envolvem a compra de imóveis sob financiamento, mediante a cláusula de alienação fiduciária. Isso significa, na prática, que os bancos financiadores de compra de bem imóvel, amparados na Lei nº9.514/97, podem retomá-lo do comprador que esteja em débito, através de um procedimento feito em cartório, não precisando ajuizar qualquer ação no Judiciário, desde que o devedor seja devidamente notificado sobre o procedimento.


Assim, se o devedor verificar irregularidades e violação ao seu direito de defesa, poderá, ele, ajuizar uma ação no Poder Judiciário contra o banco. Este foi, aliás, um dos argumentos suscitados pelo Ministro relator que convalidou a Lei nº9.514/97, considerando-a em harmonia com a Constituição que consagra a busca da tutela jurisdicional quando houver lesão ao direitos. Além disso, o próprio Presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, em entrevista voltada a esclarecer o referido julgamento, salientou, ainda, que a decisão pode ter por efeito o barateamento do crédito imobiliário.

I.1. OUTRO FATO…
Por coincidência também, no dia 24 de fevereiro 2021, durante o governo anterior, foi sancionada a Lei Complementar nº179 conferindo autonomia ao Banco Central. Dando cumprimento a essa lei, no dia 20 de março do mesmo ano, foram nomeados, como Presidente do Banco Central (BACEN), o senhor Roberto Campos Neto e dois diretores, o de Administração e o de Regulação, com mandatos até dezembro de 2024. Eventual demissão do Presidente do BC, segundo essa Lei Complementar, deve obter o aval do Senado Federal e, de acordo com o art.6º dela:


“O Banco Central do Brasil é autarquia de natureza especial caracterizada pela ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, pela investidura a termo de seus dirigentes e pela estabilidade durante seus mandatos, bem como pelas demais disposições constantes desta Lei Complementar ou de leis específicas destinadas à sua implementação”.


Enfatize-se que embora nomeado por um Presidente da República, o Presidente do Banco Central não se submete a nenhum Ministério e não está em posição de subordinação hierárquica. Assim, cabe esse banco, através do seu presidente, conferir solidez ao Sistema Financeiro, autorizando e fiscalizando as instituições financeiras e impondo-lhes normas reguladoras, como definição da taxa de juros baseados na Selic, para que elas operem no mercado de crédito. Por isso, o BC é considerado o ‘banco dos bancos”.
Logo no início do ano de 2023, a atuação do Presidente do Banco Central foi alvo de duras críticas por parte do governo do Presidente Lula. O governo se mostrou indócil com a manutenção da taxa juros no patamar de 13,75%, que vem sendo, contudo, reduzida pelo BC a conta gotas, depois de muita pressão. Mesmo assim, agora em novembro, ela, ainda, apresenta o percentual de 12,25%.


Tudo isso significa que o desempenho do Banco Central tem potencial para interferir no mercado imobiliário e nos programas governamentais, por exemplo, que dependem de crédito oferecidos pelas instituições financeiras públicas e privadas, afinal, sobre as prestações incidem os juros e o BACEN fixa-lhes num percentual de referência.


Dentre as instituições financeiras que lidam com financiamento para compra de bem imóvel, destaque-se a Caixa Econômica Federal, que em 2021 cobria 67% do mercado imobiliário do país, segundo matéria publicada no G1 (https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/especial-publicitario/roca-imoveis/noticia/2023/08/14/financiamento-imobiliario-da-caixa-o-que-mudou-em-2023.ghtml).
Também, nessa matéria, fica claro que em julho de 2023 a CEF efetuou mudanças no programa de financiamento que envolve o Programa do Governo Federal “Minha Casa, Minha Vida”, reduzindo os juros para facilitar o acesso ao crédito imobiliário. Por pressão do governo, após árduas negociações, em agosto de 2023 se deu o primeiro corte da taxa Selic definida pelo Banco Central.

I.2. MAIS UM FATO…
Com o propósito de regulamentar o art.153 da Constituição Federal de 1988 foi aprovado na Câmara de Deputados, no dia 25 de outubro do ano corrente, coincidentemente, data na qual se iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário sobre a Lei nº9.514/97, o projeto de lei que prevê o pagamento do Imposto sobre Grandes Fortunas e offshores. (IGF)


Segundo o site do Congresso em Foco (https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/tributacao-das-offshores-veja-como-cada-deputado-votou/) a votação na base do governo, contou com o partido União Brasil que contabilizou 14 votos contrários, o PP que contabilizou 10, o MDB, cinco; o PSD, dois e o Republicanos, quatro.


Obviamente, o governo contou com muitos mais votos favoráveis vindos desses partidos que compõem a sua base no Congresso assim como aqueles da bancada do PT. Na oposição, o PL forneceu 12 votos favoráveis, havendo a maioria dos membros desse partido votado desfavoravelmente ao IGF. O projeto seguirá, então, para o Senado Federal.


Interessante registrar que matéria publicada em 29.08.2023, no site Brasil de Fato, (https://www.brasildefato.com.br/2023/08/29/taxacao-de-super-ricos-afeta-0-001-dos-brasileiros-e-financiaria-cerca-de-30-do-minha-casa-minha-vida) aponta que o IGF afeta 0,001% dos brasileiros e financiaria 30% do Minha Casa, Minha Vida.


I.3. MAIS UM OUTRO FATO
Ainda, segundo os veículos de comunicação que cobriram a votação na Câmara de Deputados do Projeto relativo ao IGF, a aprovação contou com o apoio do Presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, que poucas horas antes, conseguira indicar para Presidência da CEF o nome de Carlos Antônio Vieira em lugar de Rita Serrano, funcionária de carreira da CEF, que foi exonerada do cargo.


Esse fato gerou na mídia alternativa especulações sobre se o IGF constituiu uma verdadeira vitória para o governo e forças progressistas, na perspectiva de reduzir os benefícios históricos dos que possuem grandes fortunas no país ou, se esse projeto configurou uma grande e grave armadilha.


No canal YouTube do Instituto Conhecimento Liberta, conforme vídeo veiculado no dia 27.10, o seu criador, Eduardo Moreira, baseado em nota dada pela assessoria de imprensa do governo, ventila a ocorrência de uma farsa.


Isto porque, segundo ele, a alegada taxação dos super ricos, na verdade, promove uma redução da alíquota e não a elevação do imposto, que já incide sobre os chamados Fundos Exclusivos. Nesse diapasão, Eduardo Moreira explicou que Fundos Exclusivos é um tipo de investimento comum entre os super ricos, os quais, são submetidos ao pagamento de 15% sobre os rendimentos obtidos com os seus investimentos apenas quando do resgate do dinheiro investido e que, com o referido projeto, passarão a pagar, por antecipação, entre 6 e 8% caso ocorra a aprovação no Senado. Ou seja, eles terão redução da alíquota caso antecipem o resgate, tratamento que difere dos Fundos de Investimentos para os “pobres mortais”, porque estes pagam obrigatoriamente de seis em seis meses os 15% de imposto sobre o lucro do dinheiro investido.


Segundo Eduardo Moreira, essa redução trazida pelo projeto IGF estaria atrelada ao arcabouço fiscal promovido pelo Ministério da Fazenda, que, sob pressão desses super ricos, foi obrigado a negociar com eles. Assim, para ter de imediato o dinheiro em caixa necessário para zerar o déficit prometido no arcabouço fiscal, o Ministério foi enredado na ideia de reduzir o imposto do Fundo Exclusivo de investimento, em caso de pagamento, por antecipação. O ponto positivo nessa negociação, ressaltou, foi a taxação sobre o dinheiro dos super ricos nas offshores, mesmo assim numa alíquota menor do que aquela querida pelo governo.


Paralelamente, Eduardo Moreira chama a atenção para matéria publicada na Carta Capital que revela lucros no percentual de 144% nos Fundos de Investimentos realizado pelo Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de 2019 até agora. Com o projeto IGF no horizonte, ele pagará o imposto, se quiser antecipar o pagamento, aplicando-se-lhe a alíquota de 8% e não mais de 15%.

II. TUDO É POLÍTICA
Talvez, numa leitura apressada, os fatos acima narrados possam até parecer desconectados, mas na realidade de vida do Brasil atual fornecem indícios do quão implacável é a nossa História. Vejamos.
Sob as lentes macroscópicas da Economia e numa perspectiva meramente formal, o STF fez a interpretação da Lei nº9.514/97, convalidando-a. Sua aplicação, no entanto, poderia, em uma situação concreta, também levar em conta argumentos relacionados a juros altos, passando pelas distorções históricas de distribuição de renda no país que desembocam num debate sobre o sistema tributário em vigor e nos mecanismos que movimentam o sistema financeiro em favor dos bancos. Enfim, dados de realidade da economia brasileira que, a rigor, dificultam a vida das pessoas de classe média dependentes de financiamento para aquisição da casa própria.


Em vista de tudo isso, apressar ou lenfiticar o motor das desigualdades sociais acaba também sendo uma tarefa que o Judiciário pode cumprir, porque resvala na ideia de fazer justiça. Logicamente, antes de tudo, a escolha de argumentos que fundamentam uma decisão judicial demanda o exame de muitas variáveis e muita sensibilidade social para não abraçar formalismos exagerados que naturalizam a injustiça. Em alguns casos para além do que se coloca no horizonte do Judiciário, o esforço de reduzir desigualdades envolve outras esferas de poder e inúmeras negociações que se apresentam quase como um cabo de guerra de avanços e recuos na mesa da Política.


A despeito de ser a Política, por excelência, a arte da negociação, isso somente é possível quando as partes envolvidas nessa negociação são verdadeiramente democráticas. Ou seja, agem com transparência, com honestidade e a favor do bem-estar da maioria da coletividade, sem excluir minorias.
Dito isto, indo aos fatos narrados nos itens anteriores e aos elos que existem entre eles, atente-se que o precedente de Repercussão Geral firmado pelo STF no RE 860631, é lamentável.


Se um lado, do ponto de vista das garantias formais relativas ao direito de defesa do mutuário, a Lei nº9,514/97, convalidada pelo STF, está sintonizada com a Constituição Federal; de outro, a decisão desse Tribunal tem o condão de produzir efeitos muito desfavoráveis para quem pretendia realizar o sonho da casa própria sem recorrer, por exemplo, ao Programa Nacional de Habitação como o “Minha Casa, Minha Vida” porque em função do seu perfil o financiamento em banco privado para comprar o seu imóvel lhe era possível. Nessa perspectiva, a decisão frustra a concretização de vários princípios constitucionais, um deles: o direito à moradia.


A permissão de que os bancos financiadores de compra de imóvel por particulares, sob a cláusula de alienação fiduciária, possam retomar o imóvel nos termos da Lei nº 9.514/97, em caso de atraso de três prestações, sem acionar o Poder Judiciário, torna o procedimento célere para o banco e deixa no olho da rua o devedor, que vai precisar se virar para ter um teto, mesmo que o imóvel retomado seja o único para abrigar a sua família. Essa hipótese se concretizada, aliás, contraria um precedente judicial que se revelava sólido no mundo jurídico, qual seja: o de proteger o bem de família para amparar os filhos. Não parece crível que o banco vá esperar e se sensibilizar com explicações do mutuário sobre se o atraso nas prestações se deveu à perda de emprego ou a uma doença grave no seio da família ou a outra razão qualquer impeditiva para para arcar com sua obrigação. Ele, o mutuário, se se sentir prejudicado recorrerá ao Judiciário em desvantagem, travando uma luta de formiga contra um Elefante. Não é por acaso que, no Brasil, se tem uma Associação de Defesa dos Mutuários!


E isso tudo não passa ao largo do fato de se ter no Banco Central, que é um dos segmentos do Sistema Financeiro Nacional, um Presidente soberano porque elevado ao patamar de autoridade máxima na definição da taxa básica de juros da economia do país, além de muitas outras tarefas de relevância para a estabilidade monetária.


O Banco Central (BACEN) tem papel salutar no desenho desse sistema e define a taxa de juros aplicável aos negócios das instituições financeiras; o seu Presidente, aliás, exerce funções no Conselho Monetário Nacional com direito a voto e outras tantas funções semelhantes àquelas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ligada ao Ministério da Fazenda. Também, como um outro segmento do Sistema Financeiro Nacional, a CVM, que se volta à fiscalização dos fundos de investimento, bolsa de valores, e não está submetida a uma relação hierárquica ao Ministério da Fazenda. Já o BACEN fiscaliza os bancos.
Assim, BACEN e CVM, atuam de forma coordenada por força de convênio sob o olhar do Conselho Monetário Nacional que orienta a aplicação dos recursos das instituições financeiras, dentre outras tantas tarefas.


Em certa medida é compreensível porque o governo tinha tanto interesse em regulamentar o Imposto sobre Grandes Fortunas que implica desagradar os super ricos quanto aos seus investimentos. Os Fundos de Investimento a um só tempo promovem o cruzamento entre questões financeiras relacionadas aos rendimentos dos valores nele aplicados e questões tributárias relacionadas ao montante de imposto que se paga sobre a valorização do capital “imobilizado” nos Fundos. Na prática, a sistemática de cobrança de imposto sobre o capital dos super ricos, contribuiria para elevar a arrecadação, aumentando, portanto, o caixa do governo que depende disso para a realização dos seus próprios investimentos atrelados aos seus programas de melhoria social.


É preciso considerar que os super ricos constituem uma parcela ínfima da sociedade brasileira acostumada a viver à beira da piscina enquanto o seu investimento nos Fundos Exclusivos bem abrigados pelos bancos, cresce como onda de tsunami sobre as casas de uma comunidade de pescadores, de sorte que a mudança trazida pelo projeto de lei de IGF no limite talvez constituísse a esperança de poder direcionar recursos correspondentes aos 30% de financiamento do Programa Minha Casa, Minha Vida, como prospectado na matéria do Brasil de Fato (https://www.brasildefato.com.br/2023/08/29/taxacao-de-super-ricos-afeta-0-001-dos-brasileiros-e-financiaria-cerca-de-30-do-minha-casa-minha-vida).
A explicação trazida por Eduardo Moreira no canal YouTube do Instituto Conhecimento Liberta acerca da redução da alíquota sobre IGF pareceu esclarecedora mas foi desalentadora.


Numa perspectiva sistêmica, sabe-se que a economia se rege por muitas variáveis, e em relação ao setor imobiliário, por exemplo, o desalento se agiganta diante do possível efeito colateral da decisão do STF no já examinado Recurso Extraordinário que convalidou a Lei nº9,.514/97.


Pode-se perfeitamente especular que os mutuários com prestações atrasadas de financiamento de seus imóveis financiados por bancos privados, tentem, eventualmente, na hora do sufoco, tentar migrar para o Programa Minha Casa, Minha Vida, da CEF cuja Presidência está nas mãos de um afilhado político de Arthur Lira, o qual fez as tratativas para aprovação do Projeto de Lei de IGF, na Câmara. Na hipótese de que algo assim aconteça, o governo talvez venha a ser obrigado a redesenhar o programa Minha Casa, Minha Vida ampliando-o e, para tanto, precisará também ter o recurso necessário para tal investimento. Nesse sentido, pode se ver diante de uma encruzilhada: ou reduz o subsídio do financiamento que oferece para aquisição de moradias ou terá que duelar ainda mais para reduzir juros. Portanto, não parece tão certa a afirmação de que a decisão do STF ao validar a Lei nº9.514/97 possa baratear o crédito para aquisição da casa própria, como dito pelo Ministro Barroso.


Entre os três fatos destacados acima neste texto, repita-se: decisão do STF, Presidência do BACEN (relação deste com a CVM) e o Projeto de IGF os elos expostos se desenvolvem em torno de instituições financeiras, investimentos financeiros e fixação de juros, de um lado e; do outro, sonho de aquisição de casa própria sob financiamento de instituição bancária para realizá-lo que concorre com o interesse de uma oligarquia beneficiária do sistema financeiro e das distorções do sistema tributário que lhe permite manejar o fluxo do dinheiro no país para concentrar riqueza sob várias formas.


Fácil perceber que quando se tratou de reduzir juros, os quais no início do ano estavam na casa de 13,75%, esse percentual o governo teve dificuldades, por mais que afirmasse que esses juros atuavam como bloqueador do desenvolvimento do país por encarecer o crédito e beneficiar quem atua no Sistema Financeiro, sendo um grande estímulo à especulação. Não se pode esquecer também que o Banco Central levou oito meses para fixar esses juros no patamar de 12,25% e que o Congresso, por seu turno, para votar pela aprovação de um projeto anunciado pela mídia corporativa como Imposto sobre Grande Fortunas, o fez depois que o governo precisou negociar a votação em troca da Presidência da CEF concedida a um afilhado político do deputado Arthur Lira. Não foi por acaso que a CEF foi disputada como a “menina dos olhos” pelo Presidente Câmara, dentre os interesses ainda não bem claros para essa disputa, objetivamente a CEF acolhe boa parte do Programa de Financiamento de Habitação Nacional cujo investimento vem dos cofres do governo para facilitar que o mutuário não seja asfixiado pelo pagamento de juros, os quais são definidos pelo Banco Central presidido por um super rico.
Desolador esse cenário!


A despeito da Política ser a arte da negociação, isso não se confunde com chantagem, tampouco com a montagem de armadilhas que comprometa a boa intenção de uma partes, como parece ter ocorrido.
A História do Brasil nesse aspecto, infelizmente, é profícua. Fazer Política nesse país demanda mais do que jogo de cintura. O uso do Direito para concretizar o princípio da dignidade humana, buscar a redução de danos sociais, proteger a moradia como uma função social da propriedade e até corrigir as distorções do sistema tributário que penaliza os menos endinheirados, por mais razoável que seja, não se convalida como instrumento para reverter de forma eficaz a pirâmide social. O Direito Tributário, por seu turno, teoricamente, um ramo do Direito com potencial revolucionário porque através dele se poderia priorizar a cobrança de imposto para promover uma boa arrecadação para o caixa do governo, deixando-o com folga para realizar investimentos em programas sociais, lamentavelmente, é submetido ao Direito Financeiro cujos melhores especialistas são aqueles que vivem dos lucros do dinheiro que acumularam ao longo da vida. O Capital é isso aí e a luta de classes também, como uma consequência lógica!


Fica, então, o alerta para que, aprumando os nossos quadris, nós brasileiros, possamos ter o jogo de cintura nessa História de uma casta só, uma casta apreciadora de Miami e não do país onde nasceu. Uma casta que se apraz com uma História ao longo da qual insiste em devorar o futuro do povo brasileiro e detonar as boas intenções de um governo cuidadoso.
É preciso se preparar para resistir a essas manobras que nos tiram o chão, com “tudo demorando em ser tão ruim”, como diz a canção de Caetano.


Para tanto e também relaxar com ritmo não paremos de cantar a esperança que se ergue nos versos seguintes dessa mesma canção: “…o samba ainda vai nascer/ o samba ainda não chegou/ o samba não vai morrer/Veja, o dia ainda não raiou/o samba é pai do prazer/o samba é filho da dor/o grande poder transformador”.


Ah! Para concluir, tomara que tudo isso nos transforme num povo organizadamente aguerrido, capaz de melhorar as nossas malocas cantando o deboche expresso na composição de Haroldo Barbosa e imortalizado na voz de João Gilberto “…madame diz que a raça não melhora, que a vida piora por causa do samba / que samba, coitado, devia acabar…”. Se “madame não gosta que ninguém sambe” “saiba que o samba vai nascer”, (re) nascer, se renovar e inovar!


Assim, entre a madame da letra do samba, a Faria Lima, o BACEN e o Centrão há algo em comum: um parafuso a menos!

O artigo não manifesta representa necessariamente a opinião do Coletivo Transforma MP.

Maria Betânia Silva é Procuradora de Justiça aposentada do MPPE e integrante do Coletivo Transforma MP.

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