O caso Olivera Fuentes versus Peru e as intersecções no Brasil
Em 2023, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) proferiu importante decisão que guia os Estados e as empresas na proteção dos direitos LGBTQIA+ e determina que se avance nesse tema, que ainda sofre (e morre!) pelo ódio e pela intolerância.
No Caso Olivera Fuentes vs. Peru, foi analisada a homofobia ocorrida em 2004, quando um casal gay foi retirado de uma cafeteria no Peru, porque “cometiam atos de homossexualidade” e a conduta feria “a moral e os bons costumes” coletivos.
A Corte IDH entendeu que o ato discriminatório inicial foi praticado por uma empresa (ou seja, um agente não estatal), pelo que o Tribunal foi chamado a determinar se existia responsabilidade internacional do Estado em relação às respostas administrativas e judiciais concedidas pelas autoridades em relação à denúncia apresentada.
O Tribunal indicou que existe uma ligação indissolúvel entre a obrigação de respeitar e garantir os direitos humanos e o princípio da igualdade e da não discriminação. Desde o caso Atala Riffo vs. Chile (2012), a Corte IDH considera que a orientação sexual e a identidade de gênero são categorias protegidas pela CADH.
A Opinião Consultiva 24 (2017) também incluiu a expressão de gênero como categoria protegida, de modo que nenhuma norma, decisão ou prática de direito interno, seja por autoridades estatais ou por particulares, pode diminuir ou restringir, de forma alguma, os direitos de uma pessoa com base na sua orientação sexual, na sua identidade sexual e/ou a sua expressão de gênero.
O Tribunal tem reconhecido que as pessoas LGBTQIA+ têm sido historicamente vítimas de discriminação estrutural, estigmatização e diversas formas de violência e violações a seus direitos fundamentais.
Reconhecida a responsabilidade do Peru, a Corte determinou às empresas que (i) formulem políticas para abordar a sua responsabilidade de respeitar os direitos humanos e incluir expressamente nelas os direitos das pessoas LGBTQIA+; (ii) exerçam a devida diligência para detectar, prevenir e mitigar qualquer impacto negativo, potencial ou real, que tenham causado ou para o qual tenham contribuído no gozo de seus direitos humanos pelas pessoas LGBTQIA+, ou que esteja diretamente relacionado com as suas operações, produtos, serviços e relações comerciais, bem como ser responsáveis pela forma como os abordam, e (iii) procurem resolver quaisquer impactos negativos que tenham causado ou para os quais contribuíram em face dos direitos humanos, estabelecendo mecanismos de reparação por conta própria ou cooperando com outros processos legítimos, incluindo o estabelecimento e a participação em mecanismos eficazes de reclamação a nível operacional para indivíduos ou comunidades afetadas.
Aos Estados, à Corte determinou o desenvolvimento de políticas adequadas, atividades de regulamentação, monitoramento e fiscalização para que as empresas adotem ações que visem eliminar todo tipo de práticas e atitudes discriminatórias contra a comunidade LGBTQIA+.
No Brasil, a jurisdição da Corte IDH é vinculante (art. 62, CADH) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomenda aos órgãos do Poder Judiciário a observância da jurisprudência da Corte IDH (art. 1º, I, Recomendação 123/2022).
Além disso, o Brasil – há 14 anos consecutivos – também é o país que mais mata travestis, mulheres e homens transexuais no mundo, de acordo com o relatório desenvolvido pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e registra uma média de uma morte de pessoa trans a cada 34 horas, e dá a essa população uma expectativa de vida de 35 anos (enquanto da população geral é de 74,9 anos).
Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) no Acre ajuizou ação civil pública contra a União e o Twitter, para que adotem medidas de combate à transfobia e a proteção à população transexual na internet, motivado pela recente alteração da rede social dirigida por Elon Musk, que deixou de enquadrar a transfobia nas práticas de discurso de ódio.
Além disso, pede-se que a União saia da inércia e enfrente, em um processo estrutural, o problema da transfobia nas redes sociais para investigar, punir e reparar essas violações.
Espera-se, finalmente, que o Brasil consiga reduzir a quantidade de violências virtuais contra as pessoas transexuais, fiscalizar as empresas em relação à proteção da comunidade LGBTQIA+ e combater o discurso de ódio.
*O autor deste artigo ajuizou a ação civil pública contra o Twitter e a União mencionada no texto
LUCAS COSTA ALMEIDA DIAS – Procurador da República, coordenador do GT-LGBTQIA+ da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (MPF) e integrante do Coletivo Transforma MP.