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“Agentes públicos brasileiros que se curvam a interesses estrangeiros – sejam quais forem – não estão à altura do cargo que ocupam”
O Coletivo por um Ministério Público Transformador, o Coletivo Transforma MP, manifesta-se sobre as possíveis relações ilegais que envolvem membros do Ministério Público Federal, lotados na força tarefa da Lava Jato, e autoridades estrangeiras. O Coletivo entende que a função maior do MPF é zelar pela ordem jurídica, pela democracia e pelos interesses indisponíveis, missão dada pela Constituição Federal. E sua liberdade de atuação faz com que tornem sua missão possível sem amarras ou pressões políticas.
Os membros do Coletivo entendem que a enorme estrutura do Ministério Público é dada justamente para permitir a execução do trabalho em consonância com os ditames da Constituição. Caso isso não ocorra, o Ministério Público perde sua razão de existir.
Leia o manifesto a seguir.
O Coletivo por um Ministério Público Transformador – Coletivo Transforma MP, entidade associativa sem fins corporativos ou lucrativos formada por integrantes do Ministério Público brasileiro engajados na luta pela democracia e pela cidadania, vem à público manifestar-se sobre as recentes notícias que deram conta de possíveis relações ilegais envolvendo membros do Ministério Público Federal e autoridades estrangeiras.
Nunca é demais lembrar que o Ministério Público recebeu da Constituição Federal a missão de zelar pela ordem jurídica, pelo regime democrático e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF). A instituição, munida de importantes prerrogativas e garantias – como a autonomia e a independência funcional –, foi eleita para defender e fazer valer o ordenamento jurídico, livre de pressões políticas internas ou externas.
A única coisa que justifica a manutenção da enorme estrutura do Ministério Público, os razoáveis subsídios pagos a seus membros, a vitaliciedade e inamovibilidade nos seus cargos é o mais completo e absoluto respeito à Constituição e às leis, aí incluídos os tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil faça parte. Divergências na leitura e interpretação dos textos legais são normais, e devem ser discutidas e dirimidas nos meios judiciais e extrajudiciais próprios.
Entretanto, quando membros do Ministério Público agem livre e conscientemente em desacordo com a legislação, quando desrespeitam direitos e garantias de investigados e acusados (seja expondo-os indevidamente, seja postulando em juízo medidas arbitrárias e ilegais), quando fazem acordos informais com juízes ou policiais, quando agem em conluio com autoridades estrangeiras, fora das hipóteses legais, têm-se um grave risco para a democracia.
Desde o começo da chamada “Operação Lava-Jato”, importantes e conceituados juristas alertaram para o risco de se fazer do necessário “combate à corrupção” uma cruzada inconsequente. Não se pode enfrentar o cometimento de crimes violando-se a lei, sob pena de o Estado igualar-se àqueles que pretende investigar e processar. A atuação estatal somente é válida e legítima se observar de maneira rigorosa as formalidades legais, sob pena de todo o trabalho desenvolvido tornar-se imprestável.
As mais recentes revelações, disponíveis na imprensa, noticiando que membros do Ministério Público Federal poderiam ter atuado em regime de cooperação com agentes do FBI, demonstram indícios de graves violações à lei e ao tratado internacional sobre “Acordo de Assistência Judiciária” entre Brasil e Estados Unidos, o qual determina que qualquer solicitação de cooperação deva se dar por meio da “autoridade central” de cada um dos países (artigo II).
Caso se confirme – e para tanto deverá ser devidamente apurado – que Procuradores da República tenham mesmo realizado atos de cooperação à revelia dessa autoridade central, a qual, no caso brasileiro, é o Ministério da Justiça, tornar-se-á evidente que o Ministério Público trabalhou em desfavor da democracia, ao invés de defendê-la. Agentes públicos brasileiros que se curvam a interesses estrangeiros – sejam quais forem – não estão à altura do cargo que ocupam.
Desta forma, o Coletivo Transforma MP manifesta sua preocupação com os rumos tomados por alguns setores do Ministério Público nacional, e convida as unidades da instituição a promover uma ampla interlocução com a sociedade civil, para o fim de resgatar sua importância na defesa da ordem jurídica e na tutela intransigente dos direitos democráticos do povo (notadamente dos mais pobres e vulneráveis), sob pena de a história concluir que sua existência é dispensável.