Com informações do Estadão e do Yahoo Notícias.
Representantes de 14 entidades protocolaram nesta quarta-feira, 5, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), um pedido para que o presidente ministro Dias Toffoli recoloque na pauta do Tribunal o julgamento da ação sobre descriminalização do porte de drogas.
O julgamento deveria acontecer na sessão de quarta-feira, 5, mas foi retirado da pauta com base em pedido da Federação Amor Exigente, ligada às chamadas comunidades terapêuticas, que solicitou o adiamento até que o projeto que altera a Política Nacional de Drogas, aprovado pelo Senado, fosse sancionado pelo presidente da República. A sanção veio ontem, dia 6 de junho.
Entre os retrocessos, a nova lei autoriza a internação involuntária de dependentes químicos, sem a necessidade de autorização judicial, e inclui as comunidades terapêuticas no orçamento do Estado para a política de drogas, o que é inconstitucional, já que essas comunidades, além de serem privadas, não se vinculam a qualquer perspectiva científica e sanitária de atendimento médico-psicológico.
A ação no STF
A ação que pede a descriminalização foi inciada em 2015 e é decorrente de um recurso extraordinário apresentado, em 2011, pela Defensoria Pública de São Paulo, no qual pede-se que o STF reconheça a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas.
Até o momento, três ministros votaram a ação. Gilmar Mendes foi favorável ao recurso e a punições administrativas ao usuários de drogas ilícitas, e não mais penais, como é hoje. Luís Roberto Barroso também se mostrou a favor da ação. Ele entende, porém, que a descriminalização deve ser gradual e começando pela maconha. Edson Fachin, responsável por pedir vistas do processo, seguiu o mesmo caminho e se posicionou para manter a proibição do porte e uso de drogas ilícitas com exceção da maconha.
O que afirmam as entidades
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim) aponta que houve abuso na decisão do presidente da Corte de adiar o julgamento. “A pauta do STF não pode ser decidida só pela escolha imperial de uma pessoa, sem a participação de outros ministros”, disse o advogado Cristiano Maronna.
No pedido protocolado nesta quarta-feira as 14 entidades evocam o princípio jurídico da “razoável duração do processo” para pressionar pela celeridade no julgamento, alegando que a demora no julgamento do caso prejudica o sistema prisional e penaliza os usuários ao não fixar parâmetros claros sobre o que é tráfico e o que é posse de drogas.
O texto também cita uma declaração do Juiz da Execução Penal no Amazonas, Luís Carlos Valois, divulgada em seu Twitter depois do massacre de 55 presos em um presídio em Manaus. “Soube agora que um dos mortos nas prisões de Manaus estava preso porque foi detido com cinco trouxinhas de maconha. Um usuário acusado de tráfico que não teve tempo de ser julgado”, disse o magistrado.
Sobre as comunidades terapêuticas
Comunidades terapêuticas (CTs) são entidades privadas que, de forma inconstitucional, foram incorporadas ao Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, por meio de lei sancionada nesta quinta-feira, 6, pelo presidente Jair Bolsonaro.
Em 2017, o Conselho Federal de Psicologia e o Ministério Público inspecionaram 28 comunidades terapêuticas de todo o país. O documento revela que em muitas delas havia privação de liberdade, à liberdade religiosa e à diversidade sexual, internação irregular de adolescentes, uso de castigos, entre outros.
A Federação Amor Exigente (FEAE), em seu requerimento pediu que o julgamento seja retomado somente depois que o Projeto de Lei que modifica a Politica Nacional de Drogas seja sancionado pelo presidente da República.
O PL também prevê a possibilidade de internação voluntária, ou seja, sem o consentimento do dependente químico, além de substituir a política de redução de danos pela de abstinência, o que fere a Lei da Reforma Psiquiátrica, que acabou com os manicômios no Brasil.
O PL é de autoria do então deputado Osmar Terra, hoje ministro da Cidadania. Em entrevista recente ao jornal O Globo, o ministro afirmou que hoje há no país uma epidemia de crack.
No entanto, de acordo com o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, encomendado pelo Ministério da Justiça, em 2014, à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o crack foi consumido por 0,9% da população uma vez na vida; 0,3% no último ano; e 0,1% nos últimos 30 dias. Ao contrário do álcool: 66,4% já consumiram álcool na vida; 43,1% no último ano; e 30,1% nos últimos 30 dias.
Encarceramento em massa
Atualmente, o porte de entorpecentes é tipificado como um crime. No entanto, pela lei, os usuários não podem ser punidos com prisão. Ainda assim, o critério para diferenciar um usuário de um traficante fica a cargo da polícia.
Segundo dados do Ministério da Justiça, após a aprovação da Lei de Drogas, entre 2006 e 2017, houve um aumento de mais de 80% da população carcerária, batendo 727 mil pessoas. Em 2016, 200 mil encarcerados somente pela Lei de Drogas.
De acordo com Cristiano Maronna, secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), “a política de drogas representa um retrocesso. O Brasil é um dos únicos países que ainda criminaliza o uso de drogas. Praticamente, todos os nossos vizinhos já avançaram nisso. Uruguai já regulamentou a produção e distribuição e comércio de cannabis. O México está indo no mesmo caminho em relação a todas as drogas. Estados Unidos têm mais de 30 estados com maconha disponível para fins terapêuticos e adultos. Canadá, Portugal, Espanha, República Tcheca, Israel, Itália, Áustria… Enfim, muitos países estão experimentando novas abordagens. Nós estamos ficando pra trás, ao lado das Filipinas, Tailândia, Irã…”.
Fim da política de redução de danos
Em recente entrevista ao UOL, o professor da USP, Henrique Carneiro, apontou alguns pontos de atenção em relação à Política Nacional de Drogas brasileira que o governo federal sinaliza querer implementar no país:
- A nova lei exclui todas as referências à redução de danos (prática de amenizar os riscos a quem não quer ou não consegue deixar de usar drogas);
- O governo deve apostar na abstinência como principal tratamento – não há evidências científicas de que esse seja o melhor método;
- O texto da lei abre a possibilidade para internação do usuário contra a sua vontade. “Se o paciente não for voluntário, ele vai largar isso no primeiro momento”, diz o pesquisador.