Representantes de organizações da sociedade civil, do poder Legislativo e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) se reuniram na última sexta-feira (12), em Brasília, para articular formas de enfrentamento ao desmonte das políticas públicas no campo. Na pauta de mais um encontro do Fórum por Direitos e Contra a Violência no Campo, realizado na sede da PFDC, estratégias de combate aos impactos da Medida Provisória 871 e da reforma da Previdência na vida dos trabalhadores rurais.
A Medida Provisória 871, sob o pretexto de combater irregularidades no recebimento de benefícios previdenciários, acaba por prejudicar os pequenos agricultores porque altera as regras de comprovação dos anos trabalhados, dificultando o acesso dessa parcela da população à aposentadoria. Se a MP não for derrubada pelo Congresso Nacional, trabalhadores do campo terão, por exemplo, de comprovar o tempo de trabalho junto às Prefeituras, e não diretamente com os sindicatos rurais, como acontece atualmente.
De acordo com o texto da medida provisória, para garantir o direito, os pequenos agricultores terão de constar no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), gerido pelos municípios. Atualmente, só para se ter ideia, apenas 3% dos agricultores estão cadastrados no CNIS. Portanto, pela nova regra, 90% dos agricultores familiares não estariam aptos a se aposentar. Os dados são da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag).
Na avaliação do Fórum por Direitos e Contra a Violência no Campo, são essenciais neste momento a participação popular nos debates acerca da proposta de reforma da Previdência Social e a mobilização junto a legisladores e gestores públicos. O colegiado acredita que é preciso conscientizar a população, o quanto antes, sobre os retrocessos ocasionados pela MP 871 e pela reforma da Previdência.
O Fórum por Direitos e Contra a Violência no Campo reúne mais de 50 representantes de organizações da sociedade civil e de movimentos de indígenas, camponeses, pescadores, quilombolas e outras comunidades tradicionais. Inspirado em experiência da década de 1990, o coletivo ressurgiu em 2016 como agente articulador dos diversos segmentos afetados pelo encolhimento dos espaços de diálogo e pela desarticulação de políticas públicas voltadas ao campo.
O que dizem os trabalhadores
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) alerta que a MP 871 é, na verdade, uma ampliação do Programa Especial de Análise de Benefícios, instituído originalmente para revisar as aposentadorias por invalidez. Se não revogada a MP, o Programa também revisará as aposentadorias rurais, os auxílios reclusão, as pensões por morte e o benefício de prestação continuada (BPC).
Um dos principais problemas da MP, de acordo com a Contag, é o fim da Declaração de Atividade Rural emitida pelos sindicatos. A MP prevê a substituição desse documento pela autodeclaração do trabalhador. Esta, por sua vez, só pode ser obtida junto à Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). A questão é que várias unidades da Emater já foram fechadas por falta de estrutura. A MP, portanto, inviabilizaria o acesso aos benefícios do INSS.
A secretária de Políticas Sociais da Contag, Edjane Rodrigues, em entrevista ao site Brasil Atual, afirma que, além de inconstitucional, a medida do governo penaliza os mais pobres e protege os grandes devedores, que não passarão por nenhuma revisão. “O pente fino prometido pelo governo é em cima dos trabalhadores rurais, dos agricultores familiares. Não são essas pessoas que fraudam o INSS”, diz.
A dirigente também demonstra preocupação com o novo prazo para a comprovação dos beneficiários. “O que mais nos preocupa é que, quando esses trabalhadores forem notificados, terão apenas dez dias para que apresentem a comprovação de sua situação. Isso é um absurdo e infelizmente serão cancelados vários benefícios”, lamenta.
CNIS Rural e mulheres do campo
Sobre a exigência da inclusão do trabalhador rural no Cadastro do Segurado Especial (CNIS Rural), Edjane reforça que, em uma década de existência, o Cadastro conseguiu a adesão de apenas 3% do total de trabalhadores agrários do Brasil.
“A MP estipula que, a partir de janeiro do próximo ano, os benefícios somente serão concedidos mediante a inscrição imediata no CNIS Rural. Coisa que, em dez anos, mesmo discutindo, dialogando, não conseguimos avançar. Imagine o que dará para fazer nesse curto prazo estipulado pelo governo”, questiona.
Edjane também lembra o quanto as mulheres serão prejudicadas. “Anteriormente, as trabalhadoras rurais poderiam levar até cinco anos para requerer o salário-maternidade. Com a medida provisória, elas só terão 180 dias”, esclarece.
A medida provisória também modifica os critérios de comprovação da atividade rural. O texto estabelece que não será mais reconhecido o comprovante do Cadastro de Imóveis Rurais (Cafir) no Incra. Em seu lugar deverá ser emitida uma Declaração de Aptidão ao Pronafe (DAP), a cargo de instituições ou entidades públicas.
O agravante da norma, segundo a Contag, é que, atualmente, as entidades sindicais são responsáveis pela emissão de cerca de 25% dessas DAPs, o que passa a ser vetado pela MP 871. Como resultado, os organismos públicos – no caso, as prefeituras – ficarão sobrecarregados.
“É importante dizer que a Contag vai lutar para reverter essa catastrófica medida que pretende inviabilizar o acesso dos agricultores e agricultoras a uma política que, historicamente, é uma bandeira de luta do movimento sindical”, avalia Edjane.
Ela ainda alerta para os riscos que a MP representa para a economia nacional, já que atinge diretamente aqueles que produzem alimentos para a população. “O governo precisa reconhecer que a aposentadoria e os benefícios previdenciários impactam diretamente na economia dos pequenos municípios e na produção de alimentos saudáveis”, finaliza.
Com informações do Brasil Atual e do MPF.
Foto: CUT/RS