No futuro, quando nossos filhos e netos virem o que se fez nos tempos presentes em nome do direito, da moralidade e da “purificação” da sociedade brasileira, certamente sentirão vergonha. Os livros registrarão a manipulação das leis, o assassinato de reputações por veículos de mídia (compromissados somente com seus interesses) e a covardia de muitos dos atores do sistema de justiça em se contrapor e fazer valer a Constituição e, consequentemente, o Estado de Direito. Os pseudo-heróis de hoje serão os vilões de amanhã – a história está lotada de exemplos.
O golpe de Estado de 2016, que teve amplo apoio – tanto por ação como por omissão – do Supremo Tribunal Federal e dos demais órgãos do Judiciário e também do Ministério Público, abriu a temporada de um verdadeiro vale-tudo por holofotes e poder. A Justiça assumiu de vez a sua causa: a manutenção de uma sociedade desigual, hierarquizada e de muitos privilégios. Instituições que foram pensadas para garantir os direitos e garantias fundamentais, no mais das vezes, agem partidariamente; elegem seus inimigos e passam a persegui-los, ao arrepio do ordenamento jurídico. Criam artificialmente uma sociedade de pessoas “de bem” de um lado, e de pessoal “do mal” de outro, as quais precisam ser destruídas a qualquer custo.
Neste cenário, qualquer crítica é tomada como uma defesa de “bandidos e corruptos”. Quem não adere ao simplismo punitivista – que ainda acredita na pena como resolução de graves problemas históricos e sociais apesar de mais de 200 anos de fracasso – é tratado como um pária, um traidor. As redes sociais (das quais falou Umberto Eco) permitem que uma chuva de ameaças, xingamentos e linchamentos morais sejam praticados por quem, até pouco tempo atrás, guardava para si seu preconceito e ódio de classe. Os conflitos estão nos grupos de família e de amigos e nas comunidades virtuais. Estão em todo lugar. A polarização entre o “bem e o mal” fez com que estejamos prestes a entregar o poder a pessoas que defendem abertamente a tortura, a morte e a eliminação de adversários políticos.
Se remar contra essa maré é difícil, – é mais ainda para aqueles que estão dentro das instituições do sistema de justiça. Não se permite que vozes dissonantes se façam ouvir. Há um processo (às vezes sutil, às vezes mais incisivo) de perseguição e isolamento de profissionais que não se conformam com esse estado de coisas. É preciso muita disposição e coragem para enfrentar a fúria conservadora que vem do interior de algumas carreiras jurídicas. Instituições que deveriam garantir o regime democrático, mas que praticam muito pouco a democracia internamente.
Em tempos difíceis, alguns homens e mulheres se destacam na defesa intransigente da ordem jurídica. Lutam contra seu constante esfacelamento. São rebeldes por natureza e não se calam diante de tanta injustiça. Não agem em busca de fama e não utilizam de seu cargo para falar o que parte da população “quer ouvir”. Trabalham arduamente para cumprir sua função constitucional. Esses sim serão lembrados como verdadeiros heróis – ainda que tal reconhecimento tarde a ocorrer. O Procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia, Rômulo de Andrade Moreira, é um desses.
Membro do Ministério Público há mais de 27 anos, Rômulo de Andrade coleciona lutas em defesa das principais vítimas do sistema de justiça criminal: os pobres, negrxs, vulneráveis e esquecidxs. Estudioso compulsivo, Rômulo é um crítico da fracassada “guerra às drogas”[1], violadora da quase totalidade dos direitos humanos, da invasão de domicílios pela polícia sem mandado judicial[2], cujas vítimas se concentram nos bairros periféricos das cidades brasileiras, e até mesmo do uso da prova testemunhal como prova definitiva, apontando as diversas incongruências que disso podem advir[3]. Denuncia ainda a violação atual ao princípio da presunção de inocência[4] e o uso indiscriminado das malfadadas delações premiadas[5]. Mas esses são só alguns poucos exemplos de sua gigante atuação.
Sua produção acadêmica é incansável. Escreve regularmente na sua coluna da página “Empório do direito”, sempre trazendo questões atuais e relevantes do universo jurídico[6]. Destaca-se sua crítica ferrenha a decisões do Supremo Tribunal Federal[7]. Intercala, além disso, o estudo do direito com o pensamento de nomes como Paulo Freire[8] e Freud[9], chegando a abordar até mesmo aspectos da mitologia grega[10]. Foi autor de artigos escritos em livros que denunciaram o golpe de estado no Brasil[11] e os erros e inconsistências da sentença de 1º grau que condenou criminalmente o ex-Presidente Lula[12]. É autor, entre outros, dos livros “Curso temático de direito processual penal”[13] e “Estudos críticos sobre o processo penal brasileiro”[14].
Rômulo de Andrade Moreira é um patrimônio do Ministério Público brasileiro. Mais que isso: é um patrimônio da sociedade brasileira. Nas palavras de Brecht, homens como Rômulo “são imprescindíveis”, pois “lutam a vida inteira”. Atrás de si, a implacável História e o Direito – enquanto técnica, ciência e garantia. À sua frente, a implacável História. Ao seu lado, a inspirada juventude e os colegas que ele fortalece.
Por tudo isso, o Coletivo por um Ministério Público Transformador manifesta todo seu respeito, admiração e orgulho por um de seus mais ilustrados membros, Rômulo de Andrade Moreira, e deseja-lhe ainda mais sucesso em sua já vitoriosa batalha.
Vida longa ao Rômulo!
Coletivo por um Ministério Público Transformador
[1] http://www.leapbrasil.com.br/site/wp-content/uploads/2017/05/O-PREFEITO-A-CRACOLANDIA-E-A-POLICIA-CRONICA-DE-UM-ERRO-REPETIDO-.pdf e http://www.leapbrasil.com.br/site/wp-content/uploads/2017/05/DROGAS-POR-QUE-NAO-LEGALIZAR-Rômulo-Moreira.pdf.
[2] http://www.leapbrasil.com.br/site/wp-content/uploads/2017/05/DROGAS-POR-QUE-NAO-LEGALIZAR-Rômulo-Moreira.pdf e http://emporiododireito.com.br/leitura/prova-obtida-mediante-violacao-de-domicilio-em-crime-de-trafico-de-drogas-caracteriza-falta-de-justa-causa-para-a-acao-penal
[3] https://Rômulomoreira.jusbrasil.com.br/modelos-pecas/316571175/falsas-memorias-e-fundamento-de-parecer-da-procuradoria-do-ministerio-publico-da-bahia
[4] https://jornalggn.com.br/noticia/a-nefasta-relativizacao-do-principio-da-presuncao-da-inocencia-por-romulo-de-andrade-moreira
[5] https://jornalggn.com.br/noticia/a-nefasta-relativizacao-do-principio-da-presuncao-da-inocencia-por-romulo-de-andrade-moreira
[6] http://emporiododireito.com.br/colunas/Rômulo-de-andrade-moreira
[7] http://emporiododireito.com.br/leitura/farinha-pouca-meu-pirao-primeiro-eis-a-conclusao-do-stf-sobre-a-prerrogativa-de-funcao ; http://emporiododireito.com.br/leitura/o-dia-em-que-a-regra-de-tres-prevaleceu-no-supremo-tribunal-federal e http://emporiododireito.com.br/leitura/o-homem-que-sabia-demais-e-que-queria-ser-tudo-presidente-legislador-e-ministro
[8] http://emporiododireito.com.br/leitura/a-educacao-e-o-pensamento-de-paulo-freire-um-homem-a-frente-do-seu-tempo
[9] http://emporiododireito.com.br/leitura/freud-e-a-guerra
[10] http://emporiododireito.com.br/leitura/antigona-uma-tragedia
[11] https://www.brasildefato.com.br/2016/06/13/livro-a-resistencia-ao-golpe-de-2016-e-lancado-em-curitiba/
[12] https://www.brasildefato.com.br/2017/08/09/juristas-lancam-livro-que-contesta-sentenca-de-lula/
[13] https://www.editorajuspodivm.com.br/autores/detalhe/345
[14] https://www.estantevirtual.com.br/copolalivros/Rômulo-de-andrade-moreira-estudos-criticos-sobre-o-processo-penal-brasileiro-livro-4-1373080894