Publicado no Jornal da USP.
O Transforma MP compartilha entrevista com o professor da USP Alberto do Amaral Júnior, que conta como se deu, no contexto mundial, a instituição de sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos. Ele aponta conquistas e falhas, como a falta de um tribunal internacional capaz de aplicar sanções. O conteúdo faz parte da coluna Um Olhar Sobre o Mundo, da Rádio USP.
Os direitos humanos são amparados por um sistema internacional de proteção fortalecido após a Segunda Guerra Mundial. Antes disso, segundo Alberto do Amaral Júnior, da Faculdade de Direito (FD) da Universidade de São Paulo, esses resguardos se davam apenas por meio de constituições nacionais.
Apesar dos avanços, o especialista chama a atenção para a “ausência de um poder judiciário universal, capaz de aplicar os direitos humanos existentes”.
Ouça, acima, a íntegra da entrevista, e leia, abaixo, a transcrição (com adaptações).
Jornal da USP:
O tema hoje são os benefícios e falhas do sistema internacional de proteção dos direitos humanos.
Professor Alberto do Amaral Júnior:
O sistema internacional de proteção dos direitos humanos tem muitos benefícios, e também tem falhas. O primeiro grande benefício foi a universalização dos direitos humanos ocorrida após a Segunda Guerra Mundial.
Até a Segunda Guerra os direitos humanos eram reconhecidos pelas Constituições nacionais. A partir da Segunda Guerra passaram a ser contemplados por tratados internacionais.
Este fato é muito importante, porque assinala uma mudança de escala na proteção dos direitos humanos. O ponto de partida foi a Carta da ONU, e depois, principalmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, seguida de dois pactos: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também de 1966.
Jornal da USP:
Por que dois pactos?
Professor Alberto do Amaral Júnior:
Porque houve, durante a Guerra Fria, um conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética, para que fosse estabelecido um pacto apenas, que protegesse todos os direitos, ou dois pactos. Tal conflito resultou na elaboração de pactos distintos (os Estados Unidos insistiam muito mais nos direitos civis e políticos e a União Soviética nos direitos econômicos, sociais e culturais). Por isso foram assinados dois tratados, que acabaram ratificados pela grande maioria dos países pertencentes à ONU.
Então, voltando, o primeiro grande benefício foi a universalização. O segundo, foi a existência de um sistema complementar ao sistema nacional, ou subsidiário, em outras palavras.
Ou seja, só se recorre ao sistema internacional de direitos humanos quando todas as vias, administrativas, judiciais ou legislativas, forem esgotadas no plano doméstico. Então, todas as vezes que o sistema nacional falhar, o sistema internacional entra em jogo, como sistema complementar.
A terceira grande virtude do sistema internacional diz respeito a uma série de tratados específicos que estabeleceram os direitos das crianças e das pessoas com deficiência, bem como buscaram proteger as mulheres e pessoas vítimas de discriminação racial. Além disso, o sistema pretendeu eliminar o crime de genocídio e aumentar a punição para crimes como de tortura.
Outro benefício trazido pela implantação do sistema é que a ONU se tornou um palco para a discussão e para que muitas reivindicações em torno dos direitos humanos pudessem ser levadas à frente.
Então, esses são alguns dos grandes benefícios. Além disso, tivemos uma bifurcação entre o sistema de natureza universal e um sistema regional. Isto é, o sistema universal consiste em uma série de tratados, muitos deles têm comitês específicos em que reclamações nacionais, de indivíduos e grupos, podem ser dirigidas a esses comitês específicos, mas eles não têm um poder semelhante ao poder judiciário nacional.
Ele apenas adverte os estados a cumprirem os direitos humanos. E nós temos um sistema regional. Algumas regiões do globo criaram cortes judiciais específicas. A mais avançada é a Corte Europeia, mas temos também a Corte Interamericana de direitos humanos e a Corte Africana de direitos humanos.
E quais seriam as falhas desse sistema?
Professor Alberto do Amaral Júnior:
A primeira foi a seletividade no período da Guerra Fria. Quando os conflitos interessavam às grandes potências, quando despertavam a atenção delas, de medidas, agiam, e quando não interessavam, permaneciam escondidos, e sem a devida atenção internacional.
A segunda grande falha do sistema internacional de proteção é a ausência de um sistema de sanção universal, um poder judiciário universal, capaz de aplicar os direitos humanos existentes. Não existe um tribunal internacional que possa aplicar. Temos tribunais regionais.
E a terceira falha é a ausência de um sistema de ajuda dos países em desenvolvimento para que certos direitos humanos básicos, sobretudo os direitos sociais, direitos à educação, direito à saúde, possam ser atendidos.
Na foto, a então primeira-dama dos Estados Unidos, Eleanor Roosevelt segura exemplar em francês da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH).