Tragédia da Vale: 4 anos

Por Leomar Daroncho e Luciano Lima Leivas no Correio Braziliense

A “força da grana que ergue e destrói coisas belas”, por seus instrumentos tecnológicos, permite identificar o exato momento do rompimento das barragens da empresa Vale S/A, que dominava um sistema privado de controle, em Brumadinho/MG, no dia 25/01/2019.


As imagens da maior tragédia socioambiental brasileira permitem rever o assombroso movimento de milhões de m³ de rejeitos que atingiram fatalmente 272 pessoas, inclusive 2 bebês e 2 grávidas, na Zona de Autossalvamento da barragem (local onde é impossível prestar socorro em emergências). Passados 4 anos, ainda são feitas buscas pelas “joias”, termo utilizado pelos familiares em referência aos corpos das vítimas do maior acidente de trabalho do Brasil.
Minas Gerais já havia sofrido outro grande acidente de barragem, em 2015, em Mariana. Nos dois casos, apesar do impacto e dimensão do dano, as investigações e os processos judiciais espelham a dificuldade em punir os responsáveis, em tempo razoável, de forma pedagógica, assim como de prevenir e corrigir condutas irregulares e temerárias.


A força devastadora das cenas de destruição influenciou no compromisso do STF, como um dos poderes da República, com a Agenda 2030 da ONU. Ao firmá-lo, o Brasil comprometeu-se perante a comunidade internacional em efetivar os objetivos do Desenvolvimento Sustentável, segundo o qual o alcance dos direitos humanos depende da consecução das três dimensões: econômica, social e ambiental.


O STF e o MPU anunciaram, em 2019, a criação do observatório para monitorar a atuação da Justiça em desastres de grande impacto, com o objetivo de promover a integração institucional, elaborar estudos e propor medidas efetivas de enfrentamento das situações de alta complexidade, judicial e extrajudicialmente.


Porém, persiste a dificuldade de concluir os processos e punir os responsáveis. Em 18/01/2023 a presidente do STF, ministra Rosa Weber, identificou o risco da prescrição, com a proximidade do decurso de 4 anos, que poderia impedir a condenação pelos crimes cometidos em Brumadinho. Determinou que a Justiça Federal promova imediatamente o andamento do processo.


A impunidade contribui para que as irregularidades e negligências persistam nos empreendimentos em operação. Em Carajás, no final de 2021, o Ministério Público do Trabalho identificou a presença irregular de 2.000 operários nas Zonas de Autossalvamento, abaixo de duas grandes barragens da mesma empresa, Vale S/A, que apresentou parâmetros internos de controle. Acionada, a Justiça do Trabalho determinou a remoção imediata dos trabalhadores dos locais de risco e impôs medidas de cautela, que foram acatadas.


Os acidentes de trabalho, imediatos ou de lenta manifestação, também são causados pela influência político-econômica que marca a desregulamentação e o desmonte da fiscalização. São iniciativas que atentam contra os princípios ambientais da precaução e da prevenção, reconhecidos como práticas civilizatórias desde 1992, na Declaração da ONU do Rio de Janeiro.


Nesse sentido, o recente o projeto político de revisão das normas regulamentadoras – NR do Ministério do Trabalho, oficialmente instituído com o propósito de simplificar, desburocratizar e harmonizar a normas de segurança e saúde do trabalhador. Trata-se de um processo abertamente guiado pelo ideário da liberdade econômica, que procura concentrar no empregador a responsabilidade pela identificação dos riscos e definição das medidas de prevenção, esvaziando a participação dos trabalhadores e sindicatos e restringindo a atuação da inspeção do trabalho.


São exemplos desse movimento a nova NR1 (Gerenciamento dos Riscos Ocupacionais) e a NR3 (Embargo e Interdição) além da Lei do Autocontrole da Produção Agropecuária (Lei nº 14.515/2022) e do PL dos Agrotóxicos, que usa o conceito de “risco aceitável”.


As práticas, autorizadas pela impunidade, e as inovações normativas, resultantes de uma equivocada opção pela autorregulamentação, ajustadas ao interesse econômico imediato de empregadores, afastam o Brasil dos compromissos assumidos perante o mundo civilizado e sinalizam a provável ocorrência de novas tragédias, em prejuízo da saúde e da vida dos trabalhadores. A data emblemática é propícia para o alerta de que a proteção ao meio ambiente e aos trabalhadores brasileiros demanda regulação pública e fiscalização efetiva, na defesa do interesse coletivo e independente dos interesses econômicos privados imediatos.


Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho e membro do Coletivo Transforma MP
Luciano Lima Leivas é Procurador do Trabalho

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