QUEM TEM MEDO DE GREVE?

Por Lorena Vasconcelos Porto* no GGN

A hora mais escura é quando vai amanhecer (Provérbio sefardita)

As recentes greves gerais realizadas na França contra a reforma da previdência ocuparam espaço relevante no noticiário nacional . Não é a primeira vez que os franceses usam esse instrumento para protestar contra políticas econômicas e sociais do Governo. E o mesmo ocorre na Itália, por exemplo .
No Brasil, ao contrário, tais greves têm sido consideradas ilegais pela jurisprudência majoritária dos Tribunais Trabalhistas. Basta pesquisar em motores de busca na rede mundial de computadores as palavras “greve abusiva” ou “greve ilegal” para encontrar inúmeras decisões judiciais nesse sentido. Foram declaradas abusivas, por exemplo, greves realizadas em 2017 contra as reformas trabalhista e previdenciária . Até mesmo uma greve de funcionários de empresa estatal contra demissões foi considerada política . Mas por quê?


A Constituição Federal de 1988, ao contrário das anteriores, conferiu grande amplitude ao direito de greve, prevendo que cabe “aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.


A greve é reconhecida como um direito em diversos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, como a Carta da Organização dos Estados Americanos – OEA, o Protocolo de San Salvador e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.


Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição é reconhecida pelo Brasil desde 1998, há três categorias de greves: as trabalhistas, que buscam melhorar as condições laborais ou de vida dos trabalhadores; as sindicais, que veiculam as reivindicações coletivas dos sindicatos; e as que contestam políticas públicas. A mesma Corte adverte que a legalidade é um elemento central para o exercício do direito de greve, de modo que as condições e requisitos para considerá-la lícita não devem ser complexos a ponto de inviabilizá-la na prática .


A Corte Interamericana também considera lícita a greve de solidariedade, que é realizada em apoio às reivindicações de trabalhadores de grupo ou categoria distinta. Adota, assim, o conceito de greve do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho – OIT , que também considera lícitas as greves políticas e de solidariedade .


No Brasil, ao contrário, a Justiça do Trabalho tem apresentado posicionamento majoritário pela ilicitude de tais greves, pelo fato de não veicularem reivindicações que possam ser atendidas diretamente pelo empregador por meio da negociação coletiva. Ademais, tem exigido a observância de uma série de requisitos para a validade do movimento paredista, por vezes com base na própria Lei de Greve (Lei n. 7.783/89), o que vai de encontro à amplitude do direito assegurado pela Constituição Federal e pelos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. A necessidade de observância desses tratados e da jurisprudência da Corte Interamericana, bem como do controle de convencionalidade das normas internas -, entre as quais, a Lei de Greve -, foi reafirmada em recentes Recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) .


A greve foi e tem sido a grande arma dos trabalhadores e dos sindicatos para criar direitos e torná-los mais eficazes, e não apenas para fins trabalhistas, mas para a promoção das classes oprimidas em geral. Por isso, as leis estão sempre tentando capturá-la, e ela sempre buscando fugir . A greve evidencia que, sem os trabalhadores, responsáveis pela produção da riqueza, o empregador se torna impotente, sendo este o seu maior medo. É por isso que os donos dos meios de produção pressionam o Estado por reformas legislativas e decisões judiciais que diminuam a força dos sindicatos, minem os direitos trabalhistas e esvaziem o direito de greve , além de promoverem a demonização dos movimentos paredistas nos meios de comunicação. A própria legalização da greve foi uma forma de controlá-la e limitá-la, pois, como já advertia Bernard Edelman, a greve é operária, o direito de greve é burguês.
Em países com democracia mais consolidada e desenvolvimento socioeconômico mais elevado, como França e Itália, as greves não são objeto de proibições e restrições excessivas pelo Estado, sendo também aceitas e até apoiadas pelo conjunto da sociedade. A hostilização das greves no Brasil contribui para a fragilização da democracia e o aprofundamento das desigualdades.

Lorena Vasconcelos Porto é Procuradora do Trabalho. Membro do Coletivo Transforma MP. Doutora em Autonomia Individual e Autonomia Coletiva pela Universidade de Roma “Tor Vergata”. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MG. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Roma “Tor Vergata”. Professora Convidada da Universidade de Lyon 2 (França), do Mestrado em Direito do Trabalho da Universidad Externado de Colombia e da Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Deixe um comentário