Procurador da República punido pelo CNMP por atuação contra resquícios da ditadura militar busca anular sanção no STF

Emanuel de Melo Ferreira tentou conter o processo de erosão constitucional que levou ao golpe de Estado e teve sua atuação funcional rechaçada pela Corregedoria

O procurador da República Emanuel de Melo Ferreira, lotado no 1º. Ofício da Procuradoria da República no Município de Mossoró/RN, sabia que a democracia brasileira estava em risco diante das diversas manifestações oficiais em ataque às instituições, tanto judiciais como acadêmicas. Buscando conter o avanço desse processo de erosão constitucional, foi o primeiro membro do Ministério Público a propor ação de responsabilização contra o então Ministro da Educação, Abraham Weintrab, tendo em vista os danos morais coletivos por ele efetivados contra professores e alunos das Universidades Públicas. Essa atuação efetivada logo no início de 2019 despertou a ira de diversos grupos, os quais promoveram sistemáticos crimes contra a honra e mesmo ameaças contra o procurador em redes sociais. A tentativa de intimidação, no entanto, não surtiu efeito, tendo o procurador continuado a atuação em prol da Constituição de 1988 e especialmente contra os legados da ditadura militar.  

Atuação contra homenagem ao ex-Presidente Costa e Silva, autor do Ato Institucional n. 5 – No âmbito da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), o procurador buscou suspender a nomeação da então Reitora Ludmilla de Oliveira efetivada pelo ex-Presidente Jair Bolsonaro, pois aquela autoridade promoveu homenagem ao ex-Presidente Costa e Silva, com a fixação de quadro na própria reitoria da instituição, o qual fora amplamente divulgado nas redes sociais. Tal postura violava normas da própria Universidade e recomendações da Comissão Nacional da Verdade e da Procuradoria Federal dos direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF), tendo em vista a apologia a um agente responsável por grave violações de direitos humanos na ditadura militar. Em 2024, o próprio STF reconheceu que recursos públicos não devem ser utilizados para promoção de atos em comemoração do regime militar (RE 1429329). 

Atuação contra ameaça de uso indevido da ABIN, ecoando as práticas do antigo SNI – A ex-Reitora da instituição, posteriormente, sugeriu que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) monitorasse a aluna Ana Flávia, estudante que já criticara a nomeação de Ludmilla de Oliveira, terceira colocada na lista formada pela comunidade acadêmica. Sentindo-se ameaçada, Ana Flávia representou ao MPF e, após regular distribuição, o feito foi encaminhado ao procurador Emanuel de Melo Ferreiar, que ajuizou ação penal tendo em vista a prática do delito de ameaça. A conduta da Reitora foi efetivada após o próprio STF ter reconhecido os abusos praticados pela ABIN (ADPF 722), quando a Corte sustentou que a elaboração de dossiês contra opositores do governo ecoava práticas do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) da ditadura militar.

Atuação em prol da educação em direitos humanos no sistema de justiça com base em precedentes internacionais como Gomes Lund – Em 2020, a Segunda Turma do STF reconheceu que a condutas do então juiz federal Sérgio Moro atentaram contra a própria democracia, quando este, agindo de ofício, determinou o levantamento do sigilo da colaboração premiada de Antônio Palocci nas proximidades da eleição de 2018, buscando influenciar indevidamente nesta. Em 2021, a Corte, reafirmando tal precedente, reconheceu a suspeição do referido Juiz, fazendo com que o procurador Emanuel de Melo Ferreira ajuizasse ação civil pública contra a União buscando evitar que os abusos praticados na operação Lava Jato se repetissem no futuro. Assim, pleiteou o aprimoramento da educação no âmbito das escolas de formação da magistratura e do Ministério Público, amparando-se em votos do Ministro Gilmar Mendes e em precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos que admitem, como medidas de reparação, a promoção de educação em direitos humanos a fim de superar um passado autoritário.

Mesmo diante dessa importante atuação voltada para a proteção da democracia, o CNMP instaurou processo administrativo disciplinar (PAD) e impôs pena de censura ao procurador, sustentando que ele atuara de maneira “ideológica”. Na verdade, como destaca o procurador “trata-se de uma infundada acusação, mostrando profundo desconhecimento sobre a necessidade de membros do Ministério Público atuarem com base em algum tipo de teoria da democracia militante ou defensiva, adotada pelo próprio STF”. 

Abusos do CNMP – Hoje Emanuel de Melo Ferreira luta para anular essa punição no STF, sustentando com firmeza a correção de sua atuação funcional e elencando os abusos cometidos pelo CNMP, diante da ofensa:

  1. ao devido processo legal e ao direito à ampla defesa – no voto divergente apresentado pelo então Conselheiro Rinaldo Reis, este utilizou fatos prescritos e não contidos na portaria de abertura do PAD para condenar o procurador, divergindo do Relator, que o absolvia. A ofensa ao direito de defesa foi mantida na redação final do voto, eis que os fatos estranhos à imputação inicial não foram retirados da respectiva fundamentação. 
  1. à independência funcional – toda a atuação do procurador foi baseada na Constituição, em complexa pesquisa doutrinária e em precedentes do próprio STF. Assim, a atuação do CNMP corresponde, na verdade, a um desrespeito aos próprios precedentes da Corte, conduta ainda mais sensível tendo em vista os ataques que ela tem sofrido diante da proteção ao regime democrático efetivada; 
  1. à impessoalidade – a corregedoria do CNMP adotou padrão discriminatório contra o procurador, pois: a) utilizou linguagem ríspida contra ele, tachando como “ridícula” a atuação desempenhada; b) durante correição extraordinária efetivada em Mossoró, não investigou redes sociais de outros membros que faziam postagens comparando a atuação do Ministro Alexandre de Moraes com práticas da ditadura militar, enquanto postagens de Emanuel de Melo Ferreira com críticas ao autoritarismo foram utilizadas para abertura do PAD; c) tentou utilizar documento juntado aos autos do PAD de maneira informal e sem prévia manifestação da defesa para subsidiar a abertura do processo; d)  finalmente, chegou a determinar a abertura de outro PAD ante a suposta incompatibilidade de horários com a função de professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) por ele desempenhada. Ocorre que professores em situação idêntica a de Emanuel de Melo Ferreira na própria instituição não foram alvo de fiscalização disciplinar semelhante, tendo a corregedoria ignorado deliberadamente a existência de sentença judicial transitada em julgado reconhecendo o direito à cumulação dos cargos.

Pareceres dos Professores Lenio Streck e Pedro Serrano – os professores Lenio Streck e Pedro Serrano, dois dos maiores juristas do Brasil, ofertaram pareceres na ação que tramita perante o STF, os quais constatam as violações anteriormente descritas. 

Para o professor Lenio Streck, Emanuel de Melo Ferreira foi vítima de atuação abusiva, destacando que “a manutenção do decisum do CNMP não se afigura com um precedente adequado ao Estado Democrático de Direito, no qual o acórdão faz uso de uma criação judicial claramente ativista, fundada no direito sancionador do autor, condenando-o pelo “conjunto da obra”, como se existisse um crime de hermenêutica ou, ainda, de convicção ideológica”.

O professor Pedro Serrano, por sua vez, sustentou que Emanuel de Melo Ferreira “atuou de forma plenamente regular nos respectivos procedimentos preparatórios e que culminaram no ajuizamento das respectivas ações ou medidas judiciais. Ainda que se discorde das teses jurídicas e medidas processuais defendidas pelo Consulente, não se pode admitir, por uma obviedade, é qualquer inferência no sentido que a sua atuação funcional tenha maculado qualquer dever funcional.”

Expectativa de julgamento pela Segunda Turma do STF – a ação originária n. 2748 impugnando os ilícitos cometidos pelo CNMP tramita desde 2023 no STF, tendo o Ministro André Mendonça, relator do caso, negado o pedido liminar em prol da suspensão da sanção indevidamente imposta, amparando-se nas equivocadas razões do CNMP. Apesar de tudo, Emanuel de Melo Ferreira segue confiante na possibilidade de vitória, sustentando a regularidade e a importância da atuação funcional: “Toda atuação que desenvolvi desde 2019 teve como finalidade conter um processo erosivo da democracia brasileira, o qual poderia desencadear uma tentativa de golpe de Estado, a qual, como se sabe, efetivamente ocorreu. As ações por mim ajuizadas tomaram como base precedentes do próprio STF ou votos dos respectivos Ministros, muitos deles membros da própria Segunda Turma da Corte, não sendo fruto de “militância ideológica”, como falsamente se alega. Assim, os agentes que exercem poder disciplinar precisam compreender que punições indevidas como esta colaboram com práticas autoritárias incompatíveis com a Constituição de 1988, criando sérios obstáculos em torno do dever que todo membro do Ministério Público tem em auxiliar o STF na defesa da democracia.” 

Apoio do Transforma MP – Diante de todo o exposto, o Transforma MP confia na Justiça da decisão a ser oportunamente proferida pelo STF, com a anulação do PAD em desfavor de Emanuel de Melo Ferreira, fomentando-se uma colaboração efetivada para proteção da democracia nos diversos âmbitos e instâncias do sistema de justiça. 

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