
Por Lorena Vasconcelos Porto no GGN
O trabalho em plataformas digitais está na ordem do dia no Brasil e em diversos países do mundo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) buscará adotar, em 2026, uma convenção, complementada por uma recomendação, sobre o trabalho decente na economia de plataformas. A União Europeia aprovou a Diretiva 2024/2831, de 23 de outubro de 2024, relativa à melhoria das condições de trabalho em plataformas digitais, a qual prevê novas regras para combater o falso trabalho autônomo, entre outros aspectos.
Incluem-se no trabalho em plataformas digitais o crowdwork e o trabalho on-demand por meio de aplicativos. O primeiro seria o labor executado em plataformas on-line que colocam em contato um número indefinido de organizações, empresas e indivíduos por meio de internet, permitindo conectar clientes e trabalhadores em âmbito global. O segundo incluiria atividades tradicionais, como o transporte e a limpeza, que são oferecidas e atribuídas a trabalhadores situados em determinada área geográfica, por meio de aplicativos. A Uber é a mais conhecida das empresas de trabalho on-demand, daí a expressão trabalhadores uberizados.
No Brasil, houve a apresentação do Projeto de Lei Complementar n. 12, de 2024, pelo Poder Executivo, o qual foi alvo de críticas por não assegurar a proteção necessária aos trabalhadores das plataformas digitais. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral no Tema 1291 relativo ao vínculo empregatício entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa administradora de plataforma digital. A questão será, portanto, decidida com efeito vinculante.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), por sua vez, na Opinião Consultiva n. OC-27/21, de 05 de maio de 2021, afirmou que “a regulação do trabalho no contexto das novas tecnologias deve ser realizada de acordo com os critérios de universalidade e irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, garantindo o trabalho digno e decente”, inclusive no âmbito das plataformas digitais. Afirmou o princípio da primazia da realidade e que os Estados devem adotar medidas que visem ao “reconhecimento dos trabalhadores e das trabalhadoras na legislação como empregados e empregadas, se na realidade o são, pois assim devem ter acesso aos direitos trabalhistas que lhes correspondem de acordo com a legislação nacional”. Trata-se de princípio de vigência universal, segundo a OIT, devendo-se dar maior importância aos fatos do que à forma.
Desse modo, caso estejam presentes os requisitos da relação de emprego no trabalho em plataformas digitais, esta deve ser reconhecida e garantidos todos os direitos trabalhistas e previdenciários correspondentes. A necessidade de observância dos tratados internacionais e da jurisprudência da Corte IDH foi reafirmada em Recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Todavia, ainda que não estejam presentes os requisitos da relação de emprego, devem ser assegurados direitos mínimos aos trabalhadores, inclusive àqueles ativados em plataformas digitais. Na Opinião Consultiva n. OC-18/03, de 17 de setembro de 2003, a Corte IDH afirmou que há direitos que são inalienáveis e, portanto, aplicáveis a todos os trabalhadores, a saber: proibição do trabalho forçado ou obrigatório; proibição e abolição do trabalho infantil, atenções especiais para a mulher trabalhadora; e os direitos correspondentes a: associação e liberdade sindical, negociação coletiva, salário justo por trabalho realizado, assistência social, garantias judiciais e administrativas, duração de jornada razoável e em condições de trabalho adequadas (segurança e higiene), descanso e indenização.
Na sentença proferida no Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus Familiares vs. Brasil, a Corte IDH afirmou que o direito a condições equitativas e satisfatórias, que garantam a segurança, a saúde e a higiene no trabalho, é protegido pelo artigo 26 da Convenção Americana e se aplica a toda pessoa, inclusive quando se trate de trabalho informal.
O mesmo entendimento pode ser extraído do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), firmado no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e ratificado pelo Brasil. Esse tratado prevê “o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis”, que assegurem especialmente “condições de trabalho seguras e higiênicas”, e o “direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental”, com “a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente” (arts. 7º e 12). Segundo o Comitê DESC da ONU, esse direito aplica-se a todo trabalhador, mesmo em situação de informalidade.
Desse modo, com fundamento nos parâmetros interamericanos, de observância obrigatória pelo Estado brasileiro, deve ser reconhecida a relação de emprego no trabalho em plataformas digitais se os seus requisitos estiverem presentes. E, ainda que não estejam, devem ser assegurados os direitos mínimos correspondentes ao trabalho digno ou decente.
Este artigo não representa necessariamente a opinião do Coletivo Transforma MP.