O TARIFAÇO DE TRUMP E A LÃ DA SALAMANDRA

Por Lorena Vasconcelos Porto no GGN

Há cerca de um mês, o presidente norte-americano Donald Trump anunciou que aplicaria uma tarifa de 50% sobre os produtos importados do Brasil. A cobrança foi atribuída a uma suposta relação comercial injusta e à postura do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao ex-presidente do país. Os dados, no entanto, demonstram que os EUA possuem superávit comercial com o Brasil. Ademais, como declarado pela própria China, trata-se de “interferência externa injustificada nos assuntos internos do Brasil“, o qual deve defender a democracia, soberania e dignidade nacionais.

O tarifaço norte-americano, segundo especialistas, seria uma retaliação aos BRICS, tendo sido aplicado também a outros integrantes, como a Índia. É notório o incômodo de Washington com a crescente influência chinesa, notadamente no Sul Global, com as Novas Rotas da Seda. A China possui atualmente a maior rede diplomática do mundo (embaixadas, consulados, missões permanentes), superando os EUA e a França. No final do século XX, 80% dos países comercializavam mais com os EUA do que com a China, o que baixou para 30% em 2018, tornando-se essa última a principal parceira comercial de 128 de 190 países. A China é “o elefante na sala. Ela fascina e preocupa”, sobretudo os EUA.

O tarifaço foi questionado pelo Brasil perante a Organização Mundial do Comércio (OMC), apontando-se a violação de compromissos assumidos pelos EUA, como o princípio da nação mais favorecida e os tetos tarifários negociados no âmbito daquela organização. Houve questionamentos também perante tribunais norte-americanos, que decidirão se o presidente pode declarar “estado de emergência” e cobrar tarifas adicionais de importação, com a possibilidade de o caso chegar à Suprema Corte.

Considerando o impacto negativo para importadores e consumidores norte-americanos, foram excluídos do tarifaço quase 700 itens, como suco de laranja, combustíveis, veículos, aeronaves civis e determinados tipos de metais e madeira. Na longa lista, encontra-se o cancerígeno amianto, que ainda é utilizado por alguns setores nos EUA, embora com diversas restrições e com prazos em curso para finalização.

Asbesto, oriundo do grego, ou amianto, derivado do latim, são sinônimos comerciais de um grupo heterogêneo de minerais encontrados naturalmente na crosta terrestre e facilmente separáveis em fibras. O amianto reúne diversas propriedades físicas, destacando-se a incombustibilidade, flexibilidade, boa resistência à tensão e à corrosão, sendo excelente isolante térmico e acústico. O amianto era chamado, de acordo com uma antiga crença, de “lã da salamandra”, pois este pequeno animal era considerado, erroneamente, capaz de desafiar o fogo sem se queimar.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1998, declarou que todas as variedades minerais do amianto, inclusive o crisotila ou branco, são cancerígenas e que não existe limite seguro de exposição. No Brasil, o Decreto n° 3.048/1999 prevê que o amianto é agente etiológico e de risco associados a diversas doenças ocupacionais (Anexo II, Lista A, item II).

Em razão das propriedades cancerígenas, diversos países baniram o uso e o aproveitamento econômico do amianto e dos produtos que o contêm, para proteger a saúde dos trabalhadores e da própria sociedade. No Brasil, vários Estados da Federação e Municípios editaram leis proibitivas do amianto, mas a Lei federal n. 9.055/1995 (art. 2º) permitia a extração, industrialização, utilização e comercialização do crisotila. Em 2017, o STF considerou válidas cinco leis estaduais e uma municipal e declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do referido dispositivo da lei federal. Destacou a natureza comprovadamente cancerígena do amianto e a impossibilidade de seu uso seguro, além da existência de matérias-primas alternativas.

Todavia, para prosseguir com as atividades da mina de propriedade do Grupo Eternit em Minaçu/GO, e em contrariedade à decisão do STF, foi editada a Lei 20.514/2019, no Estado de Goiás, que autoriza a extração e o beneficiamento do amianto crisotila para exportação. Foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6200 pela Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) para questioná-la, o que ainda está pendente de decisão final pelo STF. Espera-se que a mesma postura de defesa da Constituição da República -, demonstrada pelo STF para a salvaguarda da democracia brasileira e utilizada como pretexto para o tarifaço de Trump -, seja adotada no julgamento da ADI 6200, impedindo a exportação, inclusive para os EUA, do cancerígeno amianto.

Este artigo não representa necessariamente a opinião do Coletivo Transforma MP.

Lorena Vasconcelos Porto é Procuradora do Trabalho. Membro do Coletivo Transforma MP. Doutora em Autonomia Individual e Autonomia Coletiva pela Universidade de Roma “Tor Vergata”. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MG. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Roma “Tor Vergata”. Professora Convidada da Universidade de Lyon 2 (França), do Mestrado em Direito do Trabalho da Universidad Externado de Colombia (Bogotá) e de cursos de pós-graduação “lato sensu” no Brasil.

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