Por Afrânio Silva Jardim, no Empório do Direito.
Lamentável. Hoje encontramos textos, nos principais blogs e sites da internet, expondo alguns membros do Ministério Público Federal a críticas contundentes e mesmo ofensas antes inimagináveis.
Como diz o ditado popular: “estão experimentando do próprio veneno”. Buscaram os holofotes e a notoriedade fácil, usaram o processo penal como forma de autopromoção e correram freneticamente para as “famosas” entrevistas coletivas. Voluntarismos e vaidades expostos publicamente.
Como se sabe, houve uma estratégia muito bem estruturada para convencer a opinião pública de que os fins justificam os meios, vale dizer, para combater a corrupção, temos de usar regras especiais, temos de flexibilizar alguns direitos fundamentais da cidadania.
Para tanto, foram feitos “acordos” com os principais meios de comunicação de massa para respaldo de suas atividades persecutórias, algumas de legalidade altamente questionáveis.
Na verdade, este sistema de publicidade saiu do controle e acabamos passando do chamado “processo penal do espetáculo” para o “processo penal da humilhação”, do qual foi vítima o saudoso reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina.
A sede de poder levou alguns jovens Procuradores da República a tentar influenciar o nosso processo legislativo e até mesmo julgamentos do S.T.F. Deslumbramento total e ingênuo.
Ademais, o Ministério Público Federal busca amplos poderes discricionários em nosso sistema de justiça criminal, chegando a aplicar, em nosso país, institutos processuais e teorias jurídicas norte americanas, totalmente incompatíveis com nosso sistema processual (civil law), numa ousadia sem par.
Através de acordos de cooperação premiada, selecionam aqueles que devem cumprir penas na cadeia e aqueles que devem cumprir penas em suas mansões … Negociam com criminosos suas futuras condenações, cujas penas são desde logo fixadas nas delações premiadas, criando regimes de penas não existentes na Lei de Execução Penal.
Agora temos até execução penal por título extrajudicial, em violação ao princípio fundante do Direito Processual Penal: “nulla poena sin judicio”. Trata-se do negociado sobre o legislado também em nosso sistema de justiça criminal, como indevidamente regulado nas Resoluções que abaixo são mencionadas.
Neste momento, quando as “coisas” começarem a ficar esclarecidas, estes Procuradores voltarão ao merecido anonimato, deixando sequelas indeléveis para a nossa Instituição. O Ministério Público virou um “monstro”, amado por uns e odiado por muitos. Ele passou para um lado ideológico da nossa sociedade.
Chegamos ao ponto de o Conselho Superior do Ministério Público resolver legislar sobre o Direito Processual Penal, criando um sistema processual paralelo ao que está disciplinado no atual Código de Proc. Penal (veja a resolução
181/17, parcialmente alterada pela resolução 183).
Desta forma, através de uma mera resolução, procura-se introduzir, em nosso sistema processual, a insólita e temerária “plea bargaining”, própria do sistema da “common law”.
O voluntarismo juvenil de alguns membros do Ministério Público, resultante, um pouco, de falta de cultura e formação social e política, está “afundando” esta importante Instituição. Não vamos perdoá-los, pois dedicamos 31 anos para ajudar a consolidação de um Ministério Público verdadeiramente democrático.
Lamentavelmente, o fanático corporativismo das entidades de classe impediu que este nefasto rumo fosse objeto de debate e crítica. Ao contrário, mal representado, o Ministério Público permaneceu cego a esta realidade.
Faço expressa ressalva ao nosso “Coletivo Transforma Ministério Público”, que jamais compactuou com este deletério estado de coisas.
Eu avisei. Eu adverti. Até tivemos Procurador da República preso preventivamente e Procurador Geral da República em situações embaraçosas e, mais recentemente, um ex-Procurador-Geral de Justiça também preso preventivamente. Em breve, infelizmente, teremos sequelas no plano legislativo.
Acho que, mudando o que pode ser mudado, o que dissemos sobre o Ministério Público vale também para o Poder Judiciário, que caiu em total descrédito da opinião pública, graças ao seu desmedido ativismo judicial.
O pior de tudo é que parcela expressiva desta importante instituição assimilou o discurso tosco e simplista das ruas e se manifestam nas redes sociais como se fossem fascistas impiedosos, defendendo o “abate” de supostos delinquentes, dando interpretações novas e absurdas ao vetusto instituto da “legítima defesa”, tão bem tipificado na norma penal permissiva do art.25 do Código Penal.
A sanha punitivista está tomando conta do “meu” Ministério Público que, exercendo a atividade de investigação policial, está virando polícia com outro nome.
Destarte, muitos membros do Ministério Público estão deixando de ser juristas e estão se transformando em meros investigadores policiais.
Afrânio Silva Jardim é membro do Transforma MP. Professor associado de Direito Processual Penal da UERJ, mestre e livre-docente em Direito Processual, Procurador de Justiça (aposentado).