O Coletivo por um Ministério Público Transformador – Coletivo Transforma MP, entidade associativa sem fins corporativos ou lucrativos formada por integrantes do Ministério Público brasileiro engajados na luta pela democracia e pela cidadania, vem à público demonstrar consternação com a decisão do Senhor Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, que instaurou “Pedido de Providências” e determinou a intimação, para esclarecimentos, da juíza do trabalho Valdete Souto Severo, em razão de artigo, publicado na imprensa, intitulado “Por que é possível falar em política genocida no Brasil em 2020?”.
Segundo o Corregedor Nacional, a Resolução nº 305, de 17 de dezembro de 2019, estabelece parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário, de modo a compatibilizar o exercício da liberdade de expressão com os deveres inerentes ao cargo”, e, além disso, os fatos poderiam “caracterizar conduta que infringe os deveres dos magistrados estabelecidos na LOMAN e no Código de Ética da Magistratura”.
A livre manifestação do pensamento é direito fundamental (art. 5º, IV, CF) e resguarda os magistrados, cidadãos como quaisquer outros. Profissionais do direito que são, podem e devem participar do debate político-jurídico do país. Têm legitimidade, confiança e preparo para isso. Não se pode restringir tal direito, nem por lei ordinária nem por atos administrativos de órgãos de controle. Qualquer medida nesse sentido estará fadada à inconstitucionalidade.
As únicas restrições possíveis para o exercício de direitos fundamentais por parte dos magistrados – e também dos membros do Ministério Público – são aquelas previstas na própria Constituição. No art. 95, caput, da Carta, são previstas as vedações a que estão submetidos os magistrados. Qualquer outra proibição que implique em limitação ao exercício de direitos mostra-se arbitrária, típica de regimes autoritários.
No caso, nem sequer a instauração de procedimento administrativo para solicitar informações pode ser aceita no interior de um estado que ainda se pretende democrático. Não há justa causa para a adoção da medida. Não se mostra presente nem mesmo indícios de infração disciplinar. Trata-se, em verdade, de manifestação jurídica, devidamente fundamentada em legislação internacional e doutrina de respeito, não havendo possibilidade de ser objeto de investigação por qualquer meio.
Desta forma, o Coletivo Transforma MP manifesta seu apoio e respeito à Juíza Valdete Souto Severo, entendendo que a instauração de procedimento para apurar conduta que não se enquadra, por onde quer que se veja a questão, em qualquer conduta vedada aos magistrados, mais se parece com um ato de intimidação a quem se mostra crítico ao pensamento pretensamente hegemônico no interior de instituições jurídicas como o Poder Judiciário.
Aguarda-se que o Conselho Nacional de Justiça exerça suas atribuições com coragem e retidão, e não permita o aparelhamento do órgão para perseguições indevidas.