
Por Maria Betânia Silva
Há um dito popular segundo o qual “o melhor da festa são os preparativos” .
Espero que os dois prêmios sejam apenas os preparativos da festa a favor de um mundo equilibrado, mais equânime no reconhecimento de direitos, na distribuição da riqueza e menos opressor.
Na sede do país cuja indústria cultural usando os estúdios de Hollywood como um braço firme do imperialismo, uma brisa começa a soprar para o resto do mundo. O recado de ontem à noite foi bastante simbólico e como tal tem um importante significado: o de que a festa da emancipação e da afirmação de direitos por um mundo melhor está sendo preparada!
Acho que é assim que devemos ler os eventos, fiquemos atentos.
Os prêmios concedidos não são o fim da linha, eles podem ser o começo de uma outra História. Cabe a cada um de nós tirar proveito disso para realizar uma grande festa, numa mudança a favor dos que foram e são cotidianamente desumanizados e objetificados.
Amedronta- me a ideia de que a celebração fique refém da festa glamourosa sem que ela se estenda nos espaços culturais e, nos espaços habituais de existência das pessoas como inauguração de uma outra forma de vida.
Amedronta- me que o glamour da festa se encerre no brilho da estatueta.
WMS, por exemplo, para falar da premiação do filme brasileiro, com a elegância que lhe é peculiar, e sendo demonizado por muitos por ser milionário, tem o mérito de buscar os meios para dizer algo de muito positivo e de mandar recados valiosos. Nesse caso, a fortuna dele é mais um instrumento de transformação do que de manutenção de privilégios. É preciso ter olhos para ver e sensibilidade para pensar diferente.
Embora eu não o conheça, creio que ele não esteja sendo falso em suas produções cinematográficas. Ao contrário!
Talvez fazer filmes seja o escape que ele encontrou para ser diferente. Ele expõe usa a fortuna para expor a sua veia artística e, assim, se aproximar daquilo que talvez ele quisesse apenas ser: um cineasta: um cara que conta histórias sensíveis e pretende com isso sensibilizar as pessoas.
Ele foi correto e comedido ao exaltar Eunice Paiva, oferecendo- lhe in memorian, o prêmio, ao dizer iria para uma mulher que resistiu e não desistiu no enfrentamento a um regime autoritário.
Evitou usar a palavra patriarcado, evitou usar a palavra militares, o setor mais autoritário dentre os autoritários e assim agindo não enjaulou a resistência ao período do filme. A liberou para outros tempos.
A narrativa do filme vai para além desse período, quando foca nos destroços de uma família feliz e abastada, quase sem enfatizar a ditadura. Se não estiver enganada, talvez essa palavra nem seja pronunciada nos diálogos do filme. Tudo chega como uma sombra ou como um voo de helicópteros militares diante do olhar de estranhamento de Eunice enquanto nada no mar. O cerco se aperta, revoltando a filha mais velha da família numa blitz policial, as conversas entre Rubens Paiva e amigos contrários ao regime tem um tom quase cifrado, são breves e despistam. Tudo no filme se avoluma, se agiganta e desaba sobre as cabeças. Somente Eunice cria a couraça de levar os destroços do seu mundo para colar os caquinhos numa luta sem precedentes e quase na escuridão.
Com essas narrativas, a do filme e da fala ao receber o prêmio, WMS traz a mensagem subliminar de que se o regime autoritário chega nos privilegiados e nos historicamente excluídos, ele fez e faz pó.
Entre privilegiados afetados pelo arbítrio, os eventualmente oprimidos e os historicamente excluídos só tem uma via de escape: não desistir dos sonhos de um mundo melhor, o sonho de ultrapassar os momentos de chumbo e conquistar a paz desejada.
Em outras palavras sem dizer muito WMS assim como Fernanda Torres nos disse muito, senão tudo: todos nós temos que ter e nutrir a nossa consciência para dizer que ‘Ainda Estamos Aqui’ com um único objetivo: sair desse lugar de festa onde a alegria pulsa forte e, usar essa energia para transformar o salão de festa na avenida da cidadania, esparramando nela os direitos que nos vestem como gente ativa, altiva e emancipada.
Nessa avenida deixamos de ser plateia para assumir a condição de protagonistas do nosso próprio enredo.
Ainda estamos aqui pra isso! E, precisamos impedir que gente autoritária não se aproprie dos preparativos da nossa festa para, mais adiante, se passarem por convidados.
SEM ANISTIA, portanto! O INOMINÁVEL E TODOS OS SEUS COMPANHEIROS E FAMILÍCIA DEVEM IR PRA CADEIA! EIS O OBJETIVO!
Pode até faltar espaço para aprisionar todos eles, mas o que não pode faltar é a nossa vontade de mudar o padrão da História brasileira que o filme nos revelou.
Eu me sinto em êxtase com os preparativos da festa democrática, acreditando que ela não é utopia. Ela é uma possibilidade real. E você?
Maria Betânia Silva- Procuradora de Justiça aposentada do MPPE e integrante do Coletivo Transforma MP.