Assédio eleitoral: velhacos da democracia

Artigo de Leomar Daroncho no Correio Braziliense

A contrariedade de setores econômicos que temem perder privilégios com o voto livre é histórica e ajuda a entender o assédio contra os trabalhadores no atual processo eleitoral.

No período imperial o voto era restrito ao “cidadão de bem”, da época, em satisfatória situação financeira. Na República, Constituição de 1891, excluía o voto das mulheres, jovens, mendigos, analfabetos, militares de baixo escalão e religiosos. O voto feminino data de 1932. Somente em 1988 o voto se tornou universal, com a temida afirmação de que todo o poder emana do povo.

Mario Amato, que presidiu a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo de 1986 a 1992, período de grande protagonismo político da FIESP com bravatas e acenos à uma possível desobediência civil de empresários insatisfeitos com o Governo, insinuando demissões em massa. A FIESP jogou pesado na Constituinte de 1988 para barrar propostas de estabilidade no emprego e da redução da jornada de trabalho.

Na campanha presidencial 1989, Amato, que hoje talvez fosse considerado moderado, emitia declarações polêmicas. Anunciou que se a “esquerda” vencesse, 800 mil empresários deixariam o país. Como se sabe, ninguém fugiu quando Lula governou, de 2003 a 2010. Ao contrário, as empresas continuaram ganhando muito nos 8 anos em que o PIB teve crescimento expressivo, mesmo crise internacional de 2008. O crescimento dos salários fortaleceu o mercado interno. O IBGE registrou os menores índices históricos de desemprego entre 2013 e 2014, em cenário de baixa informalidade e com vínculos de melhor qualidade que os atuais.

No atual processo eleitoral, circulam mensagens com a ameaça de fechamento de empresas e redução de investimentos, tentando forçar o voto no candidato dos patrões. Há mensagens que escancaram a oferta de dinheiro. O Ministério Público do Trabalho (MPT) já recebeu 572 denúncias. Das denúncias identificáveis, na disputa presidencial, 99,41% têm Bolsonaro como beneficiário do assédio, enquanto Lula representa 0,59% dos casos.

Trata-se de abuso do exercício do poder empresarial, com o objetivo de dominar a vontade política de brasileiros humildes. O terror orquestrado ataca brasileiros mal instruídos e mal remunerados, que sobrevivem do próprio trabalho.

Dentre as centenas de denúncias recebidas, algumas acabaram em acordo para a correção das condutas assediadoras, com o pagamento de compensação pelos danos morais, individuais e coletivos, sofridos pelos trabalhadores e pela sociedade. Há casos de retratação pública, com vídeos ou comunicados de arrependimento do assediador.

Também chegaram ao Judiciário casos como o assédio analisado pela 1ª Vara do Trabalho de João Pessoa – PB que, em decisão liminar, acatou pedidos do MPT e proibiu o empresário, sob pena de multa de R$ 30.000,00 por trabalhador prejudicado: de ameaçar, intimidar, constranger ou orientar trabalhadores a manifestar apoio político, votar ou não votar em determinado candidato ou partido; bem como de demitir como retaliação.

Na decisão, o Juiz alertou que a conduta também é crime punível com prisão e multa. Indicou que a Constituição, a Lei Eleitoral e Tratados Internacionais protegem o trabalhador que – vejam só! – tem direito à liberdade de pensamento e de opinião, de participar de eleições honestas, com voto universal, igual e secreto, e que o pluralismo político é fundamento do nosso Estado Democrático de Direito.

Os abusos fazem lembrar o vexatório “Voto de Cabresto”, que o Glossário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) descreve como cena de um Brasil atrasado em que o eleitor, intimidado e submisso, obedecia ao coronel do “Curral Eleitoral”. O eleitor nem sabia em quem votava. No assédio da atual eleição, a irregularidade é ainda mais grave, a vontade do trabalhador pode ser oposta à do patrão.

Depois do impeachment de Collor, em 1992, Amato fez a autocrítica sobre a frase de 1989: “Acho que fui um velhaco [trapaceiro]. Não velhaco, fui maldoso e não fui leal”. É disso que se trata deslealdade criminosa. A tentativa de impor a vontade do empregador representa assédio e criminoso, que também é ilícito trabalhista.

Assinale-se que, no caso do voto eletrônico no 2º turno, há maior segurança para o eleitor que não se submeter à imposição do patrão assediador, pela dificuldade de identificar o voto – isso talvez também incomode os criminosos. Portanto, o cidadão, trabalhador e eleitor, pode inclusive usar o voto como uma forma de protesto e resistência ao assédio e à humilhação, sem que a rebeldia seja descoberta.

Denúncias de assédio eleitoral podem ser encaminhadas pelo site (mpt.mp.br).

Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho e integrante do Coletivo Transforma MP.

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