Por Sandra Lia Simón*
O Ministério Público do Trabalho editou a recente Resolução CSMPT 198/2022, que estabelece normas sobre o concurso para ingresso na carreira, com uma inovação: a reserva de vagas para pessoas transgênero.
Trata-se do primeiro ramo do Ministério Público brasileiro a fazer esta previsão. Antes disso, disposição semelhante só havia para concursos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Deliberação CSDP nº 400, de 27 de maio de 2022), do Estado do Rio Grande do Sul (Decreto nº 56.229, de 7 de dezembro de 2021), da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (Deliberação nº 306 da Câmara de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação e do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão) e em outras 12 (doze) universidades federais.
Segundo o Observatório Internacional de Assassinatos Trans (Trans murder monitoring), o Brasil é o país quemais assassina pessoas trans no mundo. Paradoxalmente, é o país que mais consome pornografia trans.
Estudos da ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) mostram que a expectativa de vida das pessoastransgênero no Brasil é de apenas 35 anos de idade, o que significa menos da metade daexpectativa de vida do(a) brasileiro(a) em geral. Ademais, também de acordo com dados da ANTRA, 90% da população de travestis e transexuais têm a prostituição como fonte de renda, por conta da dificuldade de acesso ao mercado formal de trabalho e, também, por conta da precária qualificação profissional, oriunda do processo permanente de exclusão social, a começar pela própria família, seguido do abando da escola. Segundo a ANTRA, 57% da população trans não concluiu sequer o ensino fundamental e apenas 0,02% conseguiram, recentemente, frequentar cursos superiores.
Trata-se se segmento da população altamente estigmatizado e que sofre severa discriminação, inclusive dentro da própria comunidade LGBTQIA+.
Por tal motivo, louvável a previsão de cotas para pessoas trans no concurso de ingresso na carreira do Ministério Público do Trabalho, para democratizar o acesso ao cargo de Procurador do Trabalho a pessoas integrantes de grupo de vulnerabilidade. Trata-se de ação afirmativa, que se acrescenta às cotas para outros grupos discriminados, como as pessoas com deficiência, pessoas negras, indígenas e de comunidades quilombolas. É propiciar o alcance do desenvolvimento de potencialidades e oportunidades, desigualando os desiguais, para dar concretude ao princípio da isonomia e fazer valer o princípio da dignidade da pessoa humana.
*Sandra Lia Simón é Subprocuradora-geral do Trabalho e integrante do Coletivo Transforma MP.