Pela/com democracia, somos todos ‘cidadãos inteiramente loucos…’ ‘… com carradas de razão

Por Maria Betânia Silva no GGN

Este título é, em boa parte, um verso da música “Estação Derradeira”, de Chico Buarque e originalmente foi escrito sem as reticências aqui postas. Com as reticências, ele assume um uso intertextual porque orienta o raciocínio que se desenvolve neste artigo/manifesto.

Na canção mencionada, Chico rende homenagens à Escola de Samba da Mangueira e com o talento que lhe é usual, numa poética breve e profunda, faz uma pungente narrativa sobre o Rio de Janeiro, cidade que, no Carnaval, atrai os olhares do mundo todo, sintetizando, em certa medida, o país. E não poderia ser diferente. O Rio foi durante o Império – período que inaugura o autoritarismo nacional nessas terras – a capital do Brasil e só deixou de ter esse status quando da fundação de Brasília, em 21 de abril de 1960. A despeito desse ‘passado capital’, no Rio de Janeiro, o Brasil se fez sempre presente na passarela do ritmo como um país alegre da cabeça aos pés e desde então ninguém no solo desse “gigante pela própria natureza” pode ignorar ou menosprezar os desfiles das Escolas de Samba do Rio.

Refrescando um pouco a memória sobre os acontecimentos dos últimos anos nessa ‘terra- batucada’ quem se lembra do desfile da Mangueira, em 2019? O samba da ‘Verde-Rosa’ ecoou após a consumação da tragédia eleitoral de 2018 que se abateu sobre nós como se fosse um resultado errático do golpe de 2016. Porém, errático ou não, o resultado foi acolhido como expressão de uma disputa democrática, que a essa altura já dava sinais claros de estar bastante longe de qualquer normalidade, seja em virtude das ‘Temerosas transações’ que levaram à deposição da Presidenta Dilma dois anos antes; seja em virtude da vida pregressa do candidato eleito, marcada por atitudes autoritárias e sabotagens.

O samba enredo da Mangueira, em 2019, veio com ares de faxina: “tirou a poeira dos porões” da História do Brasil e mostrou “o avesso do mesmo lugar”.  A Mangueira, frondosa e frutífera como é, dava o seu recado, passava a limpo a História do Brasil, atestava quão longo, doloroso e desafiador era, foi e é o percurso para trazer à tona a verdade, estrategicamente, ocultada pelos governos não democráticos que se sucederam no país. Governos, aliás, especialistas em manusear as chibatas contra o corpo do povo negro, em tempos remotos e que, na contemporaneidade, se mostram hábeis para ameaçar com os fuzis a liberdade e a vida desse mesmo povo.

Marielle Franco, por exemplo, mulher negra, vereadora altiva, engajada e defensora dos Direitos Humanos, foi martirizada junto com o seu motorista Anderson Gomes, após ter o carro que a transportada perseguido e perfurado por balas. Um “fuzil’ engatilhado contra ela apagou o brilho do sorriso largo que embelezava o seu rosto e a vida de quem lhe conhecia, de perto. Anderson teve o mesmo destino. Milicianos habitantes do condomínio em ascensão, no Rio de Janeiro, apontados como executores do crime, silenciaram quanto à autoria da encomenda que lhes foi feita. Houve prisão de um deles, mas estranhamente nenhuma palavra, ainda, foi dita por eles para finalizar oficialmente a investigação.

Neste ano de 2022, a vitória no Sambódromo foi da Escola Grande Rio, entoando um samba que, novamente, enalteceu a cultura negra; a cultura que durante o desgoverno atual foi explicitamente escolhida como alvo de chacota, reatualizando o uso da chibata, por outros meios. A cultura negra, porém, malgrado o peso em arrobas das palavras e da opressão que lhe é imposta pelo representante, pelos agentes e apoiadores desse desgoverno, resiste, com toda força.

Contudo, a opressão e o desrespeito às diferenças culturais se disseminam e alcançam também a cultura indígena, que é raiz nesse chão onde pisamos, bem antes das ramificações ditas civilizatórias. A cultura indígena é aquela que nos dá orgulho, é como se fosse na lógica capitalista que nos rege, um “selo de autenticidade”.  A rigor, é a cultura que contesta essa lógica do capital e envaidece muitos de nós que almejamos um mundo mais despojado e menos consumista. Os indígenas nos impressionam como a lua luminosa que emerge por trás das copas das árvores da floresta; a cultura indígena nos desafia a repensar as cidades e os valores que  apreciamos; é a cultura através da qual vamos sendo ensinados a viver a liberdade no coletivo, sem culpas e sem folha de parreira para (en)cobrir a “vergonha”.

O fato é que os desfiles das Escolas de Samba vêm dando ênfase à real História do Brasil e vêm descosturando o “lábaro estrelado”. Com isso, as letras dos sambas e as evoluções na avenida permitem entender que há uma sintonia entre o espírito de porco daquele que enlameia o Planalto Central, com os tempos sombrios durante os quais as diferenças de toda ordem eram reprimidas, rejeitadas e as pessoas defensoras dessas diferenças, eliminadas. A despeito da interrupção imposta pela pandemia, silenciando por dois anos as rodas de samba e o espetáculo aguerrido e colorido dos sambistas, no desfile da Grande Rio, o Brasil pôde testemunhar, mais uma vez, que os sambistas brasileiros não dormem em “berço esplêndido” e usam o corpo e a voz para avançar as suas alas de protesto e de reivindicações.

Ao som do samba há uma população negra organizada, envolvida na ocupação de espaços que vão muito além do Sambódromo e muito além do Rio de Janeiro.

Foi arrepiante o desfile da Mangueira em 2019 e justíssima a vitória! Comovente a festa da Grande Rio em 2022, trazendo Exu, a divindade que é a força da mediação e tem a cor vermelha como sua identidade, cor de sangue. Sangue que não precisa jorrar dos corpos negros perfurados, sangue que deve ser deixado nas veias para circular e fazer pulsar o coração tal como ocorre em qualquer outro corpo de um ser vivente. Estancar a sangria dos corpos negros, maioria da população brasileira, diga-se de passagem, depende de muitas ações. Todas elas podem ser executadas através dos meios democráticos já constituídos como bandeira de luta e organização da nossa vida cívica, como é o caso das cotas raciais e das campanhas de enfretamento ao racismo que estrutura a sociedade brasileira. A democracia é uma saída segura das encruzilhadas históricas. Exu não detona uma encruzilhada. Ele se nutre do que lá lhe ofertam e faz a mediação necessária. Não por acaso a cor vermelha é também expressão de um partido político que, aliás, inclui o movimento negro.

A Mangueira, em 2019 e a Grande Rio, em 2022, promoveram em anos diferentes uma alegria equiparável àquela da época de ouro da seleção canarinha, a qual, em plena ditadura militar, nos fez cultivar o sonho de um Brasil vitorioso e, nos fez vivê-lo, no instante do gol. Apesar dos porões e dos corpos torturados que esses porões abrigavam, o Brasil de 1970, em campo, conquistou o título de tricampeão. Onze homens, dentro eles um negro destacável, mostraram ao mundo que podiam ser tricampeões. O efeito disso foi trazer algum encanto a um país amedrontado, ensanguentado e sequestrado. Em seguida, a canarinha foi em busca do tetra. Já era outra atmosfera política e, de novo, o futebol arte prevaleceu e fez a nossa festa. Passado um tempo, foi buscar o penta, que seria uma consagração mundial! Contudo, por uma sucessão de descuidos, falta de engajamento e uma penca de talentos individuais com elevadas doses de vaidade, a realidade bateu à porta do estádio e perdemos uma Penta comemoração. Tudo se perdeu no 7×1: quem sabe uma infeliz inversão na ordem dos algarismos que prenunciava a perversão do 17, alguns anos mais tarde, com a quebra da trave democrática e a “consagração” de uma desgraça que não pode se repetir.

Mangueira e Grande Rio, na verdade, simbolicamente, lançaram ao ar o nosso grito de guerra e o fizeram sem usar armas; usaram a arte com vigor, com beleza, com esplendor, com engajamento. Derramaram e misturaram as cores verde, rosa, vermelha, amarela, azul, branco e violeta para pintar um horizonte de vida.

E assim seguimos, envolvidos pela sucessão de imagens que nos traz a euforia democrática de todos os matizes. 

Pensemos em termos de imagens, por exemplo, sobre o que a gente prefere: Escola Sem Partido ou Escola de Samba? Escola de samba, muito provavelmente; Goiabeira ou Mangueira? Mangueira; receber um dengo ou um tiro? Receber um dengo; desfile militar ou desfile de Escolas de Samba? Desfile de Escolas de Samba onde a gente dança sem ser pisoteado; Hino Nacional ou Samba? O samba, óbvio! Ou, no máximo, o Hino acompanhado, pelo menos, de um jingle!;  o verde-amarelo ou o verde-rosa? Verde-rosa, de preferência;  admite-se o verde-amarelo desde que o verde-oliva, deixe de predominar!

Pausa nas alegorias carnavalescas!

É chegada a hora de fazer apelo à vida Apolínea, na perspectiva filosófica inspirada em Nietzsche, sem abrir mão da nossa tendência Dionisíaca. Uma tarefa difícil, sem dúvida, que atravessa o Brasil desde sempre. Isto porque, de um lado, espelhado no Deus Apolo, há a imperiosa necessidade de conquistar a serenidade e o equilíbrio das formas; de outro, com Dionísio é inevitável a luta e a embriaguez da criação. Nada mais simbólico do que o “encruza” acendendo a esperança, como dito no samba da Grande Rio.

Vamos, então, público de todo o Brasil sair da arquibancada, sair das telas para cruzar a encruzilhada. Vamos pegar na mão do Dionísio e fazê-lo encontrar Apolo.  Vamos recarregar as energias para o encontro com a normalidade democrática; vamos além do desfile carnavalesco, desfilar nas Avenidas desse país em busca de um horizonte luminoso. Apressemo-nos, antes que a marcha dos fuzis engatilhados nos suplante. Vamos usando da nossa qualidade de eleitores prestigiar a democracia, ter respeito por ela, sacralizar as urnas e protegê-las das ameaças de sabotadores. Vamos honrar o título, todos os títulos de alegria que conquistamos com muito trabalho. Precisamos resgatar a democracia cujo trono vem sendo desmontado pelo fascínio nutrido por alguns em relação ao fascismo desejado por poucos.

Enfim, vamos do nosso jeito fazer o que mais queremos: sambar politicamente num espaço coletivo. Isso não significa sambar sobre a Política! Sambamos com a Política, usando nossa voz, marcando o compasso nas mãos, no pé e no corpo, com muito gingado. Sabemos manter o ritmo e talvez  isso seja o nosso maior talento. O ritmo do samba atravessa o país e ele não sufoca os outros tantos ritmos que cultivamos: o forró, o carimbó, o frevo, o funk e por aí vai…

Eis aí a nossa originalidade política!

A nossa democracia é musical e isso se projeta na Política do país. Os ritmos dialogam entre si e as canções embalam nossos passos. Foi isso que forjamos com maestria no seio da nossa vida em comum por muitos anos, em especial, sob a ditadura. É nossa cultura artística que revela a nossa exuberância e nos faz resistentes e vencedores! Precisamos disso, precisamos usar isso para o melhor que desejamos. A cultura musical, a arte é o nosso bem e nisso temos tudo de bom. “Quem não gosta de samba bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé”. E há muita gente vilipendiando a nossa cultura, fazendo dela um arsenal de morte, quando ela é e sempre foi a nossa vida.

Nossa ideia de democracia não se sustenta no voto sem graça, nem nas armas que causam a morte; ela se sustenta num voto de vida e de afirmação de bem-estar de convivência, inclusão das diferenças para realizar a igualdade. A apoteose da nossa vida cívica não se faz por meio de uma eleição carregada de falsidades, sabotagens, fantasias rasgadas, projetos descoloridos e alegorias aterrorizantes, entre botas e fuzis.  A nossa apoteose cívica se faz através de uma eleição à qual nos entregamos de peito aberto, com um coração vibrante que resgata a nossa alegria, que nos embala em afeto, que nos faz explodir em sorrisos, e permeado de abraços para cuidarmos uns dos outros. Precisamos ter um ‘coração na cabeça’, deixar essa cabeça tomar-se pela embriaguez de palavras doces para, assim, travar definitivamente os fuzis da crueldade, da vileza, da raiva e do ódio.

A História do Brasil é como o Rio de Janeiro: uma baía cheia de reentrâncias, de tudo tem um pouco mas talvez num ponto elevado qualquer de nossa existência, de braços abertos, possamos a ver o todo e acolher quem se acha mais desamparado e exaltar quem se dispõe a fazer algo de útil para todos. Não precisamos mais viver um calvário. Ele já nos foi imposto há quatro anos, embora tenha sido preparado há mais tempo. Precisamos, agora, fazer o desfile dos gigantes humanistas e inibir e responsabilizar os humanos bestiais que trituraram a nossa carne e nos roubaram bons momentos na passarela da vida.

No Rio de Janeiro, estado do Brasil que garantiu a eleição do Inominável, como parlamentar, por quase trinta anos, o tal que hoje ocupa a Presidência do país… o estado que elegeu Witzel como governador… um estado cuja capital já elegeu Crivella como prefeito e um Inominável III como o vereador mais votado, é o lugar onde também se ergue uma Mangueira e uma Grande Rio e cujas vitórias nos inspiram. Uma Mangueira como árvore-escola imensa (tal como são os baobás para os africanos) sob a sombra da qual ouvimos a narrativa de fatos históricos tantas vezes negados; uma Mangueira, de fé no povo, que desvelou, no tempo presente, o passado amargo fazendo a catarse que precisava ser feita para saborear o futuro como algo doce. Depois, já este ano, o povo negro, na Grande Rio, pediu a Exu uma orientação para passar na encruzilhada. Eis o que em nós exulta.

No samba de Chico que inspirou este texto, há um verso que diz: “Rio de Janeiro…cada ribanceira é uma nação…”  O Rio de Janeiro e o Brasil, mais uma vez, se assemelham na “civilização/encruzilhada” de nações. Sobra em ambos a poesia que está no samba e fora dele e não existe mais espaço, depois de passados esses quatro anos, para se ter a dúvida: “…e agora José?”

No contexto atual, um verbo a ser dicionarizado circula de boca em boca: lular. Este verbo significa um saber próprio em lidar com as contradições e com as adversidades. Um verbo que funde senso de equilíbrio e ação embriagadora, potente. Um verbo que, surgido no linguajar do Nordeste, se conjuga também em São Paulo como sinônimo da força de trabalho em movimento de transformação e capacidade organizativa, e assim, vai sendo ouvido e apreendido país afora.

Algumas pessoas o utilizam como substantivo, sinônimo de gente cujo passado cheio de percalços não apontava para uma trajetória de sucesso e que acabou prevalecendo como uma trajetória de conquistas. Portanto, é um substantivo que traduz a vida daqueles passíveis de morrer de fome ou de ódio mas que sobreviveram a isso. Um passado não muito diferente do samba que trata tanto da resistência quanto da tragédia. Um passado que convertido em música traz a arte do viver. Nenhum samba evita que a tragédia aconteça mas impede que ela se torne algo definitivo porque exorciza a dor. Verbo ou substantivo essa palavra à espera de um dicionário diz de alguém que efetivamente não tem medo de ser feliz e contagia a todos.

Ser feliz ou, pelo menos, interessante na passarela da vida não é algo simples. É um processo lento e rugoso que demanda qualidades, tais como: força de vontade, um coração sensível , acolhedor e leve. Ser feliz demanda, sobretudo, paciência, muita paciência para acompanhar o tempo das grandes causas.

Portanto, se algum brasileiro, neste momento, ainda, está impaciente com o destino do país porque não vê na disputa eleitoral o candidato dos seus sonhos e, além disso, do quadrado de seu gabinete lotado de livros, olha pra estante e olha pra rua querendo aplicar a revolução como fórmula instantânea, motivada pelo ódio, sem planejamento e sem projeto definido de como conquistar o poder para o povo talvez, para esse brasileiro, tenha chegado a hora de deitar no divã e levar a terapia muito a sério, única forma de inibir a pulsão destrutiva que se nutre de ressentimentos por não ter, ele próprio, no passado, com a pureza da sua ideologia, contribuído para reduzir a dívida social. Serenize-se , agora,  diante das condições objetivas que a realidade lhe oferta, caro brasileiro, vá viver uma subjetividade de coração pleno e leve. Pense que no futuro será possível conjugar o verbo lular no pretérito-mais- que- perfeito.

Se algum leitor deste texto estiver aprisionado no estado de insatisfação pare e pense para refletir um pouco mais, só mais um pouco. Olhe em volta como se mirasse a realidade com uma câmera fotográfica, que abre por alguns segundos, a objetiva e forma um ângulo para a entrada de um feixe de luz; depois disso, pisca e captura a imagem. Ao fazer isso você poderá ver o espetáculo do carnaval tão atraente e efusivo, mas poderá também ver pessoas em farrapos; quase como ossos deambulantes; ou, ainda, ossos servidos como refeição, algo inédito ao longo das duas décadas anteriores a essa que vivemos. Você pode ver pessoas entristecidas, pessoas em fuga, pessoas silenciadas, pessoas amedrontadas, pessoas apáticas, imobilizadas sob cobertores rasgados deitadas ao relento no chão da praça.

Repare bem na deterioração da vida dos brasileiros ao longo desses quatro anos: repare nos proletários precarizados… são quatro anos que aprofundaram a supressão de direitos iniciada há seis; são quatro anos durante os quais a “arminha” foi elevada à condição de símbolo nacional; quatro anos de cultivo da indiferença, tanto que a morte de milhares de pessoas pela Covid-19 se resumiu a uma pergunta-resposta “…e daí? Eu não sou coveiro!”; são quatro anos de implosão dos alicerces do edifício civilizatório, portanto;  quatro anos manejando mal o orçamento do país (dinheiro público) para, enfim, tê-lo como uma porteira aberta para os animais de estimação e uma muralha para os que têm fome; quatro anos vividos para chegar ao ponto de tornar o carrinho de supermercado um equipamento quase sempre vazio mas que se empurra como quem leva um caixão de defunto: nenhum entusiasmo e o coração pesado; quatro anos incendiando o verde do país inteiro: tentando queimar a esperança;  quatro anos durante os quais a mentira se tornou um hino de glória à destruição. Isso tudo pode ser capturado com um piscar de olhos, mas não pode ser resolvido na mesma velocidade.

A lição que a História do Brasil nos dá desde 1822, pelo menos, é que a realidade que nos envolve muda muito lentamente; as feridas abertas antes de cada efeméride são profundas e as alegrias secam como perfume, porém, somente os fracos se afundam nos frascos dessas feridas. Nesse contexto, os fortes estendem a mão para ajudar mesmo quando lhes falte um dedo.

“Mais que nunca é preciso cantar”, resgatando o afeto para reequilibrar a cabeça. É preciso ver e viver de forma empática o cotidiano dos vulneráveis, deixando-se encantar com a folia das estrelas enquanto se toma distância da folie dos generais embolorados. É preciso se entregar à Política que nos embala a vida como um corpo se lança no gingado e na cadência das notas musicais. É preciso conjugar o verbo lular na escola da vida: dos 16 aos 76 anos ou mais para criar a possibilidade de fazer “passar na avenida o samba popular” e nos livrar da mais disruptiva página da nossa História. Esse verbo conjugado no futuro do indicativo permite escrever as demais páginas com algum alívio. O ritmo histórico de um país atavicamente golpista e deslumbrado por botinas e butins nos desafina, nos desidrata e nos faz definhar. Mas esse verbo que rege a vida de alguém apaixonado e apaixonante que não sucumbiu à fome e ao ódio nos faz amadurecer para dialogar. Apaixone-se, portanto!

Maria Betânia Silva é Procuradora de Justiça Aposentada – MPPE e  membra do Coletivo Transforma – MP.

                                                                    

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