Por Maria Betânia Silva no GGN
Este texto começa com uma grande dificuldade: traçar brevemente a biografia de um homem que protagoniza um personagem da penumbra, carente de atos dignificantes na vida real. O personagem é tão pequeno quanto o homem que o interpreta. Trata-se do Subman, que de acordo com rumores lastreados em alguma verdade, é o mais recente projeto da indústria cinematográfica estadunidense . A ideia do filme é retratar o Superman, mostrando-o, porém, sempre pelas costas e não mais de frente ou de lado. É um projeto desafiador, ousado, criativo e muito interessante porque divide um personagem em duas faces: Superman e Subman a partir da vida de só um homem.
E como coincidências acontecem por força apenas de efeitos especiais muito usados na cinematografia dos EUA, muita gente foi se acostumando a ver o mundo como uma sobreposição de imagens nem sempre muito nítidas entre aquilo que é mostrado na tela e aquilo que se passa na vida real.
Nessa perspectiva, vejam que coisa interessante!
Ao tempo em que, de um lado, se tem a edição do projeto cinematográfico do Subman; de outro, 10.11.2021, se viu na TV aberta brasileira uma entusiasmada cobertura de um evento real que se sobrepõe como imagem não muito nítida daquilo que trata o mencionado filme.
O evento foi a cerimônia de filiação do ex-juiz Sérgio Moro ao partido político “Podemos”, através do qual ele pretende concorrer às eleições do próximo ano, possivelmente, para o cargo de Presidente da República, considerando o teor do discurso que proferiu. Foi um discurso longo, listando vários problemas do país frente aos quais, ele, com argumentos aligeirados e aparentemente atrativos, se posicionava. O ex-juiz Sérgio Moro resgatou , assim, no imaginário popular a figura do Superman, um herói nacional ao qual foi comparado em capa de Revista quando conduzia o processo da Operação Lava Jato.
O evento gerou comentários e análises nas redes sociais, na mídia corporativa assim como nos veículos de jornalismo independente.
Mas o que eu quero trazer aqui e que realmente chama a atenção é como esse evento se entrelaça ao roteiro do filme Subman, o qual, diga-se de passagem, é uma adaptação de fatos da vida real.
O filme cobre a vida de um homem que trabalhava como juiz de Direito na cidade de nome Crubica. Nela, ele costumava atuar na penumbra. Famílias importantes dessa cidade, em muitas delas, ao que parece, pessoas descendentes de recalcados de guerra e encantadas com o fascismo, se comportavam como verdadeiras dinastias jurídicas. Quando uns dos membros de uma dessas família ingressou no sistema de Justiça e se especializou em elaborar discursos de lavagem cerebral em tom messiânico, inventar situações de corrupção faraônica, envolvendo políticos de projeção nacional, a maioria deles filiados a único partido político, isso se tornou o contraponto para imaginar- se herói. Outras pessoas foram arregimentadas para com ele trabalhar e, a partir daí, uma empreitada jurídica de perseguição se insituiu de forma estarrecedora. A atuação do grupo resultou na criminalização da conduta do mais eminente fundador de um partido político importante, sem qualquer prova da prática dos crimes que lhe foram atribuídos. Os processos contra ele foram anulados pela mais alta Corte do País decorridos poucos anos da sua condenação. Por causa disso, o eminente fundador do partido foi impedido de participar de uma eleição para Presidente da República num determinado ano, o que facilitou a chegada ao poder de um tirano, um homem sem virtudes e sem brilho nos olhos, um genocida disseminador de ódio, um defensor da tortura, a quem o juiz da cidade, posteriormente se aliou e rendeu homenagens. Segundo o roteiro do filme, o juiz de Direito, que protagoniza o personagem Subman, assim designado por sua baixa estatura profissional e moral, não é um ser luminoso. É opaco. Habita as profundezas do esgoto, cheira mal e desequilibra a matéria orgânica decomposta. O filme tem um viés trash mesclado a Science fiction e mostra que Subman, apesar de suas limitações cognitivas, foi um tarefeiro que exerceu muito bem um papel preponderante na montagem de processos televisivos e jornalísticos, juntamente com um membro da família dinástica e equipe. Com isso ajudou ao longo de anos a consagrar uma fórmula midiática de lavagem cerebral da população do lugar e que se ampliou pelo resto do país. Tudo isso fez desacreditar a atuação histórica do partido político que, no governo, muito trabalhou em favor das pessoas desfavorecidas, ajudando-as a vencer a fome e acessar direitos, além de construir coisas importantes para o desenvolvimento do país.
O paralelismo entre roteiro do filme, que se desenrola num crescente, e o evento de filiação político-partidária do ex-juiz Sérgio Moro foi para mim inevitável. Isto porque um simples ato de filiação, coisa banal para quem quer se candidatar a um cargo eletivo, se converteu naturalmente na montagem de um palanque, para um público que lá se mostrou quase que hipnotizado, tal como no filme no qual a atuação do Subman, produziu a lavagem cerebral da população.
Mas, voltando à vida real, o ex-juiz Sérgio Moro discursou com ares de candidato para as eleições de 2022, insinuando colocar-se em sacrifício pelo país e filiando-se às pressas ao partido “Podemos”, depois de retornar dos EUA onde morou por um ano e para onde, antes disso, com frequência, viajou efetuando muitas visitas aos escritórios da CIA, que é tudo, menos um estúdio cinematográfico, né? Não, isso a CIA não é! Ou será?
A CIA é o mais importante serviço de inteligência dos EUA, ora! Goza de respeitabilidade e poder ao redor do mundo, orientando a política externa desse país. Ter acesso aos escritórios desse serviço – como fez Sérgio Moro, conforme noticiado tantas vezes pela imprensa brasileira – é algo prestigioso. De fato, muito assemelhado a um Superman que é a outra face do Subman retratado no filme.
Profissionalmente, Sérgio Moro atuou boa parte da sua vida como juiz, decidindo sozinho os processos, de acordo com as suas convicções, pois que ele se sente ungido no sentimento de Justiça. Investir-se da autoridade de julgar o converteu em juiz de si mesmo e autoridade suprema para todos. Essa é a característica que o define e que ele, portanto, carregará para a vida política.
No evento do qual o ex-juiz Sérgio Moro participou, com direito a público e artigos nas colunas de jornal e nos portais jornalísticos da internet assim como na TV aberta, ele ousou mais do nunca no uso das palavras. Mais uma vez, atraiu os holofotes para si, como Superman, proferindo um longo discurso no qual passa em revista a sua atuação como juiz, se declara frustrado de não ter conseguido tudo que queria como ministro, alegando falta de apoio do homem sem virtudes e sem brilho nos olhos ( igual ao do filme) que, ocupante do cargo da Presidência da República, o acolheu como ministro da Justiça enquanto os meios de comunicação, com naturalidade, alardeavam que ele pretendia mesmo se tornar ministro do STF.
Sérgio Moro se revelou autocrítico ao se referir ao timbre de sua voz que sabe ter sido objeto de muita chacota país afora. Mas, ao mesmo tempo, se disse apto para ser a voz do povo, o que na sua concepção é o mais importante.
Como já assinalado, o paralelo com o filme é inevitável, convém dizer que Subman, o protagonista, é alguém que quando fala esvazia de sentido as palavras, apenas as reúne como quem diz o que acha ser conveniente, para ser ovacionado, sem dizer aquilo que é o necessário e que se impõe como verdade. A mentira, aliás, é a verdade de Subman. Seus discursos, no filme, são palavras, palavras, palavras desprovidas de honra porque nenhuma ação por ele empreendida é suficiente para conferir a essas palavras uma substância ou dignidade aos seus atos.
Tal como Subman do filme, Sérgio Moro, destacou suas qualidades. No filme, inclusive, há uma cena em que o Subman nada numa lagoa e exibe o dom de emitir sons como se fosse um pato. Essa cena, aliás, é uma hilariante passagem do filme porque Subman, como parecendo um marreco anuncia aos patos da lagoa que vai entrar no samba, lembrando um verso da canção da bossa nova. Fica, porém, claro para o espectador que Subman é um personagem desinformado e estranho ao ambiente da lagoa porque, nela, os patos nadam com destreza, não fazem exatamente samba. Subman, contudo, desdenha disso e mergulha. Depois, nunca mais foi visto e os patos, por seu turno, agitados com a presença de Subman e suas trapalhadas se dispersam no cair da noite iluminada por uma enorme estrela.
Maria Betânia Silva – Procuradora de Justiça aposentada MPPE e membra do Coletivo Transforma – MP e Movimento Nacional de Mulheres do MP