Trata-se de circunstâncias genéricas, aplicáveis a quaisquer infrações, leves ou graves. As agravantes não guardam relação com o delito que está sob apreciação do juízo.
No processo criminal têm sido encontradas ultimamente decisões condenatórias que, ao dosar a pena privativa de liberdade, aplicam números fracionários para elevá-la por conta de alguma circunstância agravante. A fração, normalmente de um sexto, costuma ser imposta sobre o volume da pena-base e, com certa frequência, repetida tantas vezes quantas forem as agravantes presentes. Isto aumenta desproporcionalmente a pena final.
Não é demais lembrar que as circunstâncias legais denominadas agravantes não configuram causas de aumento de pena, estas sim, definidoras de situações mais graves, que o tipo penal, com razão, pune com maior severidade. Logo, majorar a sanção na segunda etapa em número fracionário, significa equiparar coisas distintas.
O que se vê é que, na segunda fase da dosimetria, o juízo criminal tem empregado um modo de cálculo utilizável para a terceira, a das causas de aumento de pena – que não é porém adequado utilizar para circunstâncias agravantes. Explica-se: ao determinar elevação da pena segundo índice proporcional, como fez com as causas de aumento, o legislador pretendeu incluir no cálculo o desvalor daquele crime em especial, considerando que a majorante se vincula diretamente a ele e a pena cominada ao crime constitui a base de cálculo dessa majorante. Então um sexto de doze serão dois – o que é razoável num delito punido com pena de doze anos – e um sexto de um ano serão dois meses – o que também é proporcionalmente compatível com um crime ao qual se comina pena de um ano.
Todavia com as agravantes a situação é outra. Trata-se de circunstâncias genéricas, aplicáveis a quaisquer infrações, leves ou graves. As agravantes não guardam relação com o delito que está sob apreciação do juízo. São elementos que não apresentam vinculação direta com um determinado crime, mas que têm existência autônoma, pouco importando qual o delito objeto de julgamento. Portanto não podem ser computadas a partir da pena específica desse crime para que, tendo-a como base de cálculo, se promova um aumento proporcional da pena. Assim fosse, uma reincidência genérica qualquer representaria muito mais no julgamento de um homicídio que no de um furto simples, o que não faz sentido, porque ela não tem qualquer ligação com o delito que está sendo julgado, não devendo ser mensurada proporcionalmente à pena cominada a este. Em outras palavras, o desvalor da agravante não tem qualquer relação com o desvalor do delito ao qual se está atribuindo pena; por isso é que a pena cominada a tal infração não pode constituir base de cálculo para o aumento por conta da circunstância agravante[1]. Não por outro motivo é que causas de aumento podem elevar a pena acima do máximo cominado – justamente porque o aumento é em frações. Nisto também são diferentes das agravantes – que não podem provocar aumento em frações para não ultrapassar o máximo cominado.
Porém elevar a pena pela agravante em proporção à pena-base é o que tem acontecido por meio do hábito – pouco questionado – de, frente a circunstâncias agravantes, aumentá-la em frações. Frações são elementos matemáticos que estabelecem uma relação entre duas grandezas, de uma forma que uma delas corresponda a uma parte da outra, à qual está ligada. Ora, uma agravante genérica não está ligada a um crime específico, por isto é genérica. Se mantivesse um vínculo direto com o crime, seria capitulada como causa de aumento de pena. Estas existem justamente porque, em determinados casos, o fato nelas contido mantém relação direta com o delito previsto no tipo legal. Quando uma agravante genérica puder, em certas hipóteses, constituir causa de elevação de pena, ela então será reposicionada, pelo legislador, de agravante para causa de aumento, especificamente descrita no entorno do tipo legal que define o delito, aí sim se justificando o aumento contado em frações. Justamente porque um mesmo fato pode configurar ora uma agravante, ora uma causa majorante, é que diferentes haverão de ser os critérios para a quantificação de uma e de outra majoração da pena.
Fosse intenção do legislador vincular uma agravante a uma dada infração penal – e não a todas -, teria ele enunciado tal circunstância como causa especial de aumento de pena, como fez quando assim o desejou. Neste caso, aí sim, justificar-se-ia promover a elevação da pena por meio de um elemento fracionário. Isto é o que sabidamente se dá nas hipóteses de reconhecimento de causas de aumento de pena. Mas agravantes não o são. Por isso constitui engano – ultimamente comum e pouco percebido – elevar a sanção penal na segunda fase como se as agravantes fossem causas de aumento. Estas últimas guardam uma relação com aquela infração específica, as agravantes não. Vale notar que, justamente por merecerem um cálculo fracionário, as causas de aumento são deixadas para ser quantificadas na última etapa da dosimetria, quando operarão sobre o aumento já procedido na segunda fase. Caso, ao contrário do que se diz aqui, na segunda e na terceira fases o juiz proceder à elevação em frações, o resultado final espelhará um duplo ou triplo aumento em cascata, algo análogo, na contabilidade financeira, a juros sobre juros, o que provavelmente conduzirá o resultado a uma pena visivelmente desproporcional.
O mais correto ante essa deformação da dosimetria, que vem passando despercebida, afigura-se voltar ao costume de, na presença de uma circunstância agravante, elevar a pena em números absolutos, utilizando como grandezas números inteiros de dias, meses, ou mesmo anos.
O que parece estar legitimando o cálculo que aplica às agravantes um aumento apurado a partir de frações são decisões do STJ, como a que segue – que, na verdade, pretendem, isto sim, impor um limite para os aumentos, não determinar a forma de serem calculados:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE AMEAÇA. REINCIDÊNCIA. AUMENTO ACIMA DE 1/6. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ILEGALIDADE FLAGRANTE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. […]2. Apesar de a lei penal não fixar parâmetro específico para o aumento na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado deve se pautar pelo princípio da razoabilidade, não se podendo dar às circunstâncias agravantes maior expressão quantitativa que às próprias causas de aumentos, que variam de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços). Portanto, via de regra, deve se respeitar o limite de 1/6 (um sexto) (HC 282.593/RR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 15/08/2014).3. Hipótese em que pena foi elevada em 100%, na segunda fase, em face de circunstância agravante, sem fundamentação, o que não se admite, devendo, pois, ser reduzida a 1/6, nos termos da jurisprudência desta Corte.4. Agravo regimental improvido.(AgRg no HC 373.429/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 13/12/2016).
Mas, como se adiantou, ao revés do que pode parecer, o acórdão não sinaliza que o aumento para agravantes deva ser feito em frações. O que ele afirma é a necessidade de haver um limite para aumentar a sanção na fase das agravantes e que esse limite deve obedecer o teto de um sexto da pena até então fixada. Claramente se vê que este um sexto é um limite, não um parâmetro, para a majoração da pena e tampouco é uma sugestão para que esse aumento seja operado mediante frações. Pior ainda é que algumas vezes essa fração de um sexto é utilizada para cada agravante e se multiplica pelo número de agravantes, o que conduz a uma flagrante desproporção. Considerando que a sanção criminal deve expressar um justo repúdio ao fato sob julgamento é que se propõe a correção de rumos desse aspecto da dosimetria, que outra coisa não é que uma etapa da individualização da pena.
Plínio Gentil é Procurador de Justiça criminal do MPSP e membro fundador do Coletivo Transforma MP.
[1] No caso específico da agravante da reincidência, aumentar a pena em frações proporcionais ao crime sub judice significará, isto sim, punir de novo o condenado pelo delito precedente, num processo que nada tem com o anterior, acrescentando-lhe uma sobrepena que não lhe foi atribuída lá. Por óbvio, não há qualquer sentido jurídico nessa matemática.