Promotor de Justiça faz análise dos trinta anos do ECA
Por Daniel Serra Azul Guimarães* no GGN
Há 30 anos, antecipando-se à Convenção Internacional pelos Direitos da Criança, o Brasil editava o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma lei inovadora, que inspirou a legislação de diversos países. O Estatuto iniciou um novo momento na maneira como o direito vê a relação da sociedade brasileira com suas crianças e adolescentes, relação esta que, com a superação do nefasto período de ditadura civil-militar, passou a ter como paradigma a proteção integral. Trata-se da decisão da sociedade brasileira, na mesma direção em que se conduzia a humanidade de um modo geral, de reconhecer que, dada sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento, as crianças e adolescentes têm direito ao atendimento integral das necessidades pertinentes ao seu processo de desenvolvimento, com prioridade absoluta.
Hoje, 30 anos depois, apesar de a Constituição Cidadã de 1988 ter incluído entre seus objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, estamos muito longe deste objetivo, ainda. O país vive sob um regime de exceção, após um golpe de estado promovido por forças contrárias à afirmação dos direitos sociais, já sentindo os graves danos dos ataques sofridos pelas políticas sociais nos últimos anos. Ao mesmo tempo, agrava-se o processo de genocídio da juventude indesejada, especialmente a juventude negra, pobre e periférica das grandes cidades, levado a efeito por uma polícia treinada, desde o tempo da ditadura civil-militar, para combater o povo brasileiro e assegurar o domínio tranquilo de uma elite entreguista e sem projeto nacional, que coloca as vidas brasileiras externas a seu pequeno mundo de privilégios à mercê de interesses imperialistas.
Há muita luta pela frente, para que o Brasil efetivamente respeite suas crianças e seus jovens, inclusive para que pare de matá-los. Sobretudo é urgente frear a máquina de moer gente que se tornou a justiça da infância e da juventude, nas questões infracionais. O preconceito e a histeria coletiva, alimentados por redes sociais e programas televisivos vespertinos de péssima qualidade, fazem com que se veja como criminosos nossas crianças e adolescentes a quem foram negados praticamente todos os direitos básicos de um ser humano.
O momento é duro para a democracia e para o país, de um modo geral, mas vamos superar isso. “O estandarte do sanatório geral vai passar” de novo. O ECA é um instrumento emancipatório e deve ser comemorado. Passada a comemoração, voltemos à luta pela vida e dignidade das crianças e adolescentes vítimas de um estado de coisas extremamente cruel.
*Daniel Serra Azul Guimarães é Promotor de Justiça em São Paulo e membro fundador do Coletivo Transforma MP