O COLETIVO POR UM MINISTÉRIO PÚBLICO TRANSFORMADOR – TRANSFORMA MP, associação formada por membras e membros do Ministério Público dos Estados e da União e a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA – ABJD, pautando-se na defesa intransigente da Democracia e da Ordem Jurídica, conforme desenhada na nossa Carta Magna, vêm manifestar seu repúdio aos atos ilegais praticados pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, Augusto Aras, ao alterar o Estatuto da Escola Superior do Ministério Público da União-ESMPU, e destituir, dos respectivos mandatos, os conselheiros do Conselho Administrativo e os coordenadores de ensino indicados pelos quatro ramos do Ministério Público da União. Vêm repudiar, ainda, os atos de indicação de novos conselheiros e coordenadores de ensino pelos Procuradores-Gerais do Trabalho, Alberto Balazeiro, do Distrito Federal e Territórios, Fabiana Costa, e Militar, Jaime de Cassio Miranda, desrespeitando os mandatos em curso.
Por meio da PORTARIA PGR/MPU Nº 9, DE 27 DE JANEIRO DE 2020, publicada no D.O.U em 04 de fevereiro de 2020, o Exmo. Procurador-Geral da República alterou o estatuto da ESMPU à revelia do Conselho Administrativo da ESMPU afrontando os arts. 17, V, a, e 40 do referido Estatuto, que estabeleciam que a alteração, de iniciativa do PGR ou de proposta do Diretor-Geral, dependia de decisão do órgão colegiado para tornar o ato válido. Esse pressuposto de validade visava garantir a democracia interna do estabelecimento de ensino.
De acordo com o preceituado pelos art. 5º e 6º da Lei nº 9.628/1998 (Lei de criação da ESMPU), a Escola será administrada por um Diretor-Geral e um Conselho Administrativo, presidido pelo Diretor-Geral, composto de quatro membros e respectivos suplentes, oriundos de cada ramo do Ministério Público da União, nomeados pelo Procurador-Geral da República, após indicação dos respectivos Procuradores-Gerais e para cada ramo do Ministério Público da União haverá uma Coordenação de Ensino, cujo Coordenador e seu suplente serão nomeados pelo Procurador-Geral da República, após indicação do respectivo Procurador-Geral. Tanto os conselheiros quanto os coordenadores de ensino possuíam mandato de 2 anos, permitida uma recondução, nos termos dos arts. 7º e 10 do Estatuto da ESMPU violado, bem como nos termos de todos os Regimentos Internos já existentes, desde o primeiro em 2004 (Portaria PGR nº 485 de 20 de agosto de 2004).
Com a alteração estatutária, os conselheiros e coordenadores de ensino deixaram de possuir mandatos, o que, em tese, permite a exoneração a qualquer tempo. O fato é grave, principalmente quando se trata do órgão máximo e deliberativo em matéria acadêmica, administrativa e orçamentária – o Conselho Administrativo, que, desta forma, fica subjugado aos interesses do Procurador Geral da República.
Alegou, o PGR, a necessidade de conciliação entre os mandatos do novo Diretor-Geral com os dos novos conselheiros e coordenadores de ensino. No entanto, além de ausente previsão legal para tanto, tal conciliação é desnecessária uma vez que os conselheiros e coordenadores de ensino não são indicados pela direção-geral, não precisando estar alinhados com ela.
O que se pretendeu, isto sim, foi modificar as diretrizes da programação acadêmica da ESMPU, sendo certo que aos coordenadores de ensino incumbe coordenar os trabalhos de elaboração do Plano Anual de Atividades do respectivo ramo; propor plano anual de atividades comum a todos os ramos; supervisionar o processo de seleção dos docentes das atividades do respectivo ramo, entre outras atribuições (art. 19 do Estatuto). E, como se extrai da fala do PGR na sua sabatina no Senado Federal, a sua real intenção foi acabar com uma suposta “’linha de doutrinação’, um ‘viés’ na formação de (…) procuradores na Escola Superior do Ministério Público da União”. (https://exame.abril.com.br/brasil/aras-diz-a-senadores-que-mp-cometeu-muitos-excessos-diz-fonte/). Ou seja, sua intenção foi desrespeitar a linha acadêmica traçada pelos órgãos colegiados.
A previsão de mandatos no estatuto violado visava garantir que os colegiados atendessem aos princípios que regem a administração pública: da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, interesse público e eficiência, entre outros, elencados no artigo 37 da Constituição Federal. Diante disso, a nomeação dos integrantes dos colegiados em comento está adstrita intrinsecamente a referidos princípios, notadamente ao cumprimento de sua finalidade e defesa dos interesses sociais nela representados, que não se cuidam de pensamentos ou ações de sujeitos isolados, mas de princípios eleitos como fundantes do Estado brasileiro (arts. 1º, 3º e 5º, 231, 68 ADCT, CF).
É de causar espanto que membros do MPU, cuja missão constitucional, por força do art. 129 da Magna Carta, é, entre outras, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, tenham ferido de morte a autonomia e a democracia da instituição, asseguradas pelo art. 2º da Lei nº 9.628/1998. Não é natural revogar estatuto à revelia da norma; não é natural cassar mandatos de conselheiros e coordenadores de ensino – mesmo que tudo isso tente se passar como algo natural ou formalmente com aparência de legalidade.
Ademais, o início do ano letivo foi postergado e toda programação acadêmica está suspensa. Este fato causa danos materiais e imateriais à ESMPU e a todo o MPU. Os docentes internos e externos, bem como os discentes para os primeiros cursos já estavam com termos de compromisso firmados, passagens compradas pela Escola, hotéis reservados, substitutos de ofícios designados nas unidades do MPU, sem falar nas aulas preparadas, na logística inteira que envolve a coordenação pedagógica de cada item programado.
O reexame da programação já estabelecida para 2020 não encontra amparo legal em nenhum dispositivo. E o que não está previsto, o agente público não está autorizado a fazer.
O cancelamento da programação, além de não estar amparado legalmente, estaturariamente ou regimentalmente, e além de violar os princípios da administração pública, viola também o ato jurídico perfeito, pois a programação acadêmica seguiu todos os ritos, formalidades e exigências previstas para seu aperfeiçoamento, publicação e foi aprovada pelo órgão legitimado para tanto. Dessarte, ainda que se admitisse, o que se argumenta subsidiariamente, substituição de mandatários, estes não teriam qualquer poder para rever programações já estabelecidas. A medida além de ilegal e arbitrária, causa imensos prejuízos ao erário.
Assim, por ser atentatória aos princípios fundamentais adotados pela República Federativa do Brasil e àqueles que regem a Administração, as entidades signatárias entendem que devem ser revogados os atos ilegais e restituídos os mandatos dos conselheiros e coordenadores de ensino da ESMPU.
Brasília, 07 de fevereiro de 2020.