Por Afranio Silva Jardim e Gustavo Roberto Costa, no Justificando.
Em 30 de abril de 2019, mais um golpe de Estado – abertamente apoiado e financiado pelos Estados Unidos – fracassa na Venezuela. Novamente o governo norte-americano, com a ajuda de insurgentes venezuelanos irresponsáveis, viola gravemente o direito internacional. Os golpistas juntam alguns oficiais de baixa patente, angariam, com má-fé, jovens militares, enganando-os de que se tratava de uma operação habitual, e destacam tanques e armas para se levantar contra o país.
Libertam um preso – condenado por atos de violência durante protestos que causaram 43 mortes em 2014 – de sua prisão domiciliar e exortam o exército a se rebelar. Os insurgentes pegam em armas e incentivam a população a atacar bases militares; pregam o golpe e a desordem de maneira explícita.
As forças armadas e a guarda nacional agem rápido. Dispersam os manifestantes (pouquíssimos, diga-se). O secretário de Estado Mike Pompeo e o conselheiro de segurança nacional John Bolton, funcionários da Casa Branca, prestam declarações no sentido de que os oficiais devem deixar de obedecer ao presidente Nicolás Maduro, e pregam abertamente a guerra contra o país.
Para além da prepotência, da infâmia e da manipulação dos fatos (patrocinada também pela grande imprensa, incluída a brasileira), destaca-se, como dito, a mais obtusa violação de princípios caros ao direito internacional, como o da não intervenção, da solução pacífica das controvérsias e da autodeterminação dos povos.
O máximo que governos de outros países podem fazer é mediar o conflito, a fim de encontrar uma saída pacífica para a crise. Os princípios acima citados são basilares das relações exteriores do Brasil (art. 4, III, IV e V, da Constituição Federal[1]), da ONU (artigo 2 (2) de sua Carta[2]) e da OEA (artigos 2 e 3 de sua Carta[3]).
Governos de países como Brasil, Colômbia, Peru e Chile violam também o disposto nos artigos 24 e 25 da Carta da OEA[4] (assim como faz seu presidente) quando apoiam ações violentas para a mudança de regime na Venezuela, pois deveriam lutar pelo diálogo, pela negociação e pela conciliação. O alinhamento automático aos interesses norte-americanos é deletério, e ainda trará muitos prejuízos à região.
Não se trata – é bom que se deixe claro – de uma defesa ou da manifestação de apreço pelo governo atual da Venezuela. A defesa que se faz é da ordem jurídica. A luta política não autoriza o afastamento dos tratados e convenções internacionais. O avanço civilizatório não convive com o abandono da legalidade, que inexoravelmente leva ao autoritarismo e ao obscurantismo (os exemplos atuais estão na cara de quem quer ver).
No caso do golpe permanente na Venezuela, com o uso criminoso de sanções econômicas que sufocam sua população, é necessário que se afirme a vigência do direito internacional, com a manutenção do status quo, até que seu próprio povo decida a respeito, seja por meio de eleições, seja por outros meios (institucionais ou não).
Defender a Venezuela e o povo venezuelano é um dever de qualquer democrata – independentemente de sua linha ideológica. A derrubada ilegal e inconstitucional de um presidente legitimamente eleito (e não há qualquer comprovação do contrário) é um desastre para todos os países da América Latina.
Se falhas e defeitos há (e certamente há, como no Brasil, onde as coisas não vão nada bem), devem ser resolvidas de forma pacífica, com a nossa mediação.
Se a mentira, repetida mil vezes, já se tornou uma verdade; devemos reafirmar os fatos outras mil, se necessário.
Afrânio Silva Jardim é professor associado de Direito da UERJ. Membro do Coletivo por um Ministério Público Transformador – Transforma MP.
Gustavo Roberto Costa é promotor de Justiça em São Paulo. Membro fundador do Coletivo por um Ministério Público Transformador – Transforma MP e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD. Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM.