Publicado no site do MPBA.
Em um país onde a cada 19 horas uma pessoa LGBT é assassinada ou se suicida vítima da LGBTfobia, dizer “sim” foi mais que a expressão do maior sentimento que humanos podem compartilhar e cultivar entre si: o amor. Foi também um ato político, um manifesto contra o preconceito e a discriminação presentes na sociedade brasileira que se concretizou e se fortaleceu quando nove casais homoafetivos celebraram no último dia 28 de junho, no Ministério Público do Estado da Bahia, o primeiro casamento coletivo LGBT realizado pelo projeto “Sim ao Amor” em Salvador.
“Nós somos a família que a sociedade insiste em não enxergar. Ela precisa abrir os olhos e respeitar os vários tipos de amor, a diversidade que representamos. Somos uma família que tem amor”. Em síntese, essa foi a mensagem da fisioterapeuta Gilvanete Franco, 36, e da trabalhadora autônoma Tanara Franco, 41, o primeiro casal a procurar o Grupo de Atuação Especial de Defesa da Mulher e da População LGBT (Gedem) e dar entrada na documentação necessária para efetivar o casamento civil, realizado no Dia Internacional do Orgulho do LGBTQI+.
Elas se conheceram há cinco anos e têm um filho de 14, o estudante Rangel Franco, que apoia com entusiasmo o relacionamento. “Tenho muito orgulho delas. Tenho a sorte e o privilégio de ter ganhado uma segunda mãe”, disse sobre Tanara. O casal soube da iniciativa do MP pelas redes sociais online. “O Gedem está de parabéns pela iniciativa. É preciso quebrar o preconceito, principalmente contra os homens, que parece ser maior. Vemos uma resistência ainda deles.
De nove casais hoje, apenas um é de homens. As mulheres têm sido mais corajosas para enfrentar”, afirmou Gilvanete. O casal masculino foi Társio e Alisson, o primeiro a entrar pelo longo tapete vermelho que conduziu os noivos e noivas ao “altar”. Eles foram seguidos de Gilvanete e Tanara, Joseane e Lilih, Nádia e Queila, Cristiane e Djanir Simone, Ana Maria e Ane Rose, e Elania e Carla. Dois casais pediram reserva e não quiseram imagens de vídeo e fotografias. São repercussões compreensíveis do preconceito que mata.
A promotora de Justiça Lívia Vaz, gerente do projeto e coordenadora do Gedem, enfatizou a “coragem” de todos os casais presentes, expressou seu “orgulho” por eles serem o que são e dimensionou o fato de um evento desse tipo ser realizado pelo MP. “Vivemos um momento do país de muito ódio e manifestação de preconceito. O projeto ‘Sim ao Amor’ tem o objetivo de promover o reconhecimento jurídico, mas também o reconhecimento social da população LGBT. O Sistema de Justiça faz parte dessa sociedade e muitas vezes acaba reproduzindo essas formas de discriminação. Por isso a importância do MP promover uma ação como essa”, afirmou.
A promotora de Justiça Cristina Seixas Graça, representando a procuradora-geral de Justiça Ediene Lousado, ressaltou que o MP baiano, e também o brasileiro, precisa cada vez mais reproduzir ações que enfrentem as questões da discriminação sexual, abrindo mais espaços que acolham quem luta para celebrar o “amor entre, de e para pessoas”.
Madrinha dos casais, a jornalista Maíra Azevedo, a Tia Má, destacou a realização do casamento coletivo como um “ato político”. Simbolicamente, ela pediu desculpas por, num de dia de alegria e celebração, lembrar a triste situação de violência do “país que mais mata pessoas LGBT no mundo”. “Enquanto vocês entravam, eu chorei porque fiquei imaginando quão doloroso é declarar seu amor em público, sem ser motivo de chacota ou até mesmo sem ser apedrejado ou apedrejada”, disse. O antropólogo Luiz Mott, padrinho dos casais, falou sobre um processo lento de um “progresso enorme, que começa a se institucionalizar na Bahia”. Ele parabenizou a iniciativa do MP e afirmou que, em 1989, o Grupo Gay da Bahia (GGB), fundado por ele, realizou o primeiro casamento coletivo gay. “Um casamento religioso, porque as instituições do Estado, do Poder Judiciário, não reconheciam civilmente a união”, disse. Mott destacou a presença de um pai que levou o casal até o “altar” e ressaltou a necessidade da família ser a primeira a combater o preconceito. “Nem todos os familiares, pais, mães, irmãos estão presentes. A família não pode ser fonte de discriminação”, afirmou.
Fotos: Erik Sales e Guilherme Weber / Rodtag Fotografias