Nota Dieese: a escalada do preço dos combustíveis e as recentes escolhas da política do setor de petróleo

Em nota, o Dieese expõe as causas do aumento abusivo nos preços dos combustíveis, explicando que o problema não se traduz na cobrança dos impostos, simplesmente, e sim na entrega do patrimônio nacional, por meio da venda de refinarias da Petrobras a empresas estrangeiras e da redução intencional da produção.

Segundo o texto (reproduzido integralmente abaixo), apesar de o Brasil ter condições de refinar 100% do petróleo bruto produzido aqui e praticar os preços de acordo com os interesses nacionais, sem precisar usar como referência os valores do barril em dólar, o governo Temer faz o oposto, vendendo parte do patrimônio e mantendo a produção nas refinarias cerca de 30% abaixo da capacidade total.

Nota Técnica Número 194 26 de maio de 2018

Nos últimos 30 dias1, a Petrobras reajustou o preço da gasolina e do diesel nas refinarias 16 vezes. O preço da gasolina saiu de R$ 1,74 e chegou a R$ 2,09, alta de 20%. Já o do diesel foi de R$ 2,00 a R$ 2,37, aumento de 18%. Para o consumidor final, os preços médios nas bombas de combustíveis subiram de R$ 3,40 para R$ 5,00, no caso do litro de gasolina (crescimento de 47%), e de R$ 2,89 para R$ 4,00, para o litro do óleo diesel (alta de 38,4%).

Em atos e interdições de rodovias pelo país, o movimento que envolve caminhoneiros questiona, entre outros assuntos, a escalada nos preços dos combustíveis, principalmente no do óleo diesel.

O transporte de cargas no Brasil depende fortemente do modal rodoviário. Em poucos dias de interdições, os impactos já são sentidos em várias cidades. A população sente dificuldade para obter combustíveis e começa a perceber problemas para o acesso a outros produtos, principalmente alimentícios. A mobilidade das pessoas e a prestação de diversos serviços foram afetadas.

Por que os preços de derivados de petróleo estão subindo tanto no Brasil?

A escalada nos preços dos derivados no Brasil, neste momento, está relacionada a fatores de natureza conjuntural (principalmente devido a elementos da geopolítica do petróleo e valorização do dólar diante do real) e a fatores internos (escolhas da política de preços adotada pela Petrobras).

1 – O cenário externo e o aumento do preço do petróleo

Nos últimos três meses, houve crescimento expressivo (cerca de 23%) da cotação do barril de petróleo no mercado internacional, principalmente em razão do retorno das sanções dos Estados Unidos (EUA) sobre o Irã, do aumento geral da tensão no Oriente Médio, envolvendo Israel, Palestina e Síria, e da queda na produção de petróleo da Venezuela. Irã e Venezuela são dois grandes países exportadores de petróleo que, ao reduzirem as exportações, provocam aumento nos preços do barril, influenciando também o dos derivados.

Além disso, desde o segundo semestre do ano passado, um acordo na Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), entre Arábia Saudita e Rússia, dois importantes produtores e representantes de polos politicamente opostos dentro da Organização, apontou para a necessidade de recomposição dos preços (leia-se, aumento da cotação internacional).

Existem ainda dois fortes movimentos especulativos internacionais: um pela subida dos preços do petróleo, a partir da situação geopolítica apontada aqui, e, outro, contra as moedas dos países emergentes, forçando a alta do dólar estadunidense. No Brasil, somado ao cenário de incerteza política, a valorização do dólar diante do real foi significativa, com grande impacto sobre os preços internos de produtos importados.

2 – A nova política de preços da Petrobras

Na presidência da Petrobras desde junho de 2016, Pedro Parente imprimiu uma nova política para a definição dos preços de derivados de petróleo no Brasil, adotando a paridade internacional. Isso significa que a Petrobras passou a praticar nas refinarias os mesmos preços dos derivados no mercado internacional2. Assim, a partir de outubro de 2016, os preços começaram a sofrer variações mais frequentes e, a partir de julho de 2017, as correções passaram a ser diárias.

A paridade internacional de preços veio acompanhada de outras duas decisões, que compõem o quadro da mudança na gestão da Petrobras: a redução da produção nas refinarias próprias da empresa e o anúncio da venda de outras quatro no Brasil. Essas medidas abrem espaço para o aumento da participação de empresas privadas no setor e a entrada de capital estrangeiro.

Efeitos da política de paridade internacional dos preços dos derivados

A decisão da Petrobras de praticar a paridade internacional desencadeou uma série de efeitos sobre a economia brasileira, afetando diretamente os consumidores e também os setores da indústria que utilizam os derivados de petróleo para produzir.

  1. O país se torna mais vulnerável aos efeitos externos, reduzindo a capacidade de intervenção sobre os preços. Isso acontece quando o preço do barril sobe muito (como está acontecendo agora) ou mesmo quando há uma intempérie em países fornecedores de petróleo ou derivados.
  2. O país passa a comprar no mercado internacional um bem que poderia produzir internamente. A produção de petróleo no Brasil, em abril de 2018, foi de 2,6 milhões de barris/dia (sem considerar 673 mil barris de gás natural). Neste mesmo mês, as refinarias da Petrobras processaram 1,6 milhão de barris/dia e o consumo interno de derivados ficou em 2,2 milhões de barris/dia. Assim, mesmo produzindo 400 mil barris de petróleo a mais do que o necessário para atender ao consumo nacional, o país importou3 cerca de 600 mil barris de derivados/dia. Isso aconteceu porque a Petrobras está aumentando a exportação de petróleo cru4 e, ao mesmo tempo, reduzindo a utilização de suas refinarias. As refinarias da empresa possuem capacidade de refinar 2,4 milhões de barris/dia, mas estão utilizando apenas 68% dessa capacidade. Além disso, parte dessa produção de derivados está sendo direcionada para atender ao mercado externo5.
  3. Como consequência desta política de paridade e redução da produção, cresce a entrada de importadores de derivados de petróleo no país. Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), hoje existem 392 empresas autorizadas a realizar importações de derivados no país. Dessas empresas, 129 (33%) foram cadastradas depois de 20166.
  4. Na busca pelo aumento da receita fiscal, em julho de 2017, o governo federal reajustou de 9% para 14% a alíquota do PIS/Cofins (Programa de Integração Social/Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), que incide sobre a gasolina e o diesel, com impactos ainda maiores sobre os preços finais.
  5. A economia brasileira se torna mais suscetível às flutuações do mercado financeiro e aos ataques especulativos. Desde a liberalização e a desregulação financeira no começo dos anos de 1990, os fluxos de capitais de curto prazo e os ataques especulativos com o objetivo de direcionar as políticas nacionais têm se tornado elementos decisivos da economia. Quando se permite que um dos principais bens comercializáveis (e a principal fonte de energia e de transporte) possa variar conforme os fluxos financeiros, a economia nacional se torna ainda mais suscetível aos ataques especulativos. Desta forma, o governo reduz a capacidade de controle sobre a política econômica.
  6. Diante de forte movimento especulativo, ainda que no curto prazo, ganham enormemente os acionistas privados, boa parte deles de capital internacional.

Por sua vez, o trabalhador brasileiro, como consumidor final, sofre um grande impacto no custo de vida, especialmente em contexto das mais variadas adversidades, como a queda da massa de salários e o aumento do desemprego no país.

Diante de todos esses efeitos, resta uma simples pergunta: se o Brasil tem grandes reservas e consegue, hoje, extrair maior quantidade de barris que o total do consumo nacional, por que o petróleo tem que ser vendido a um preço tão mais alto que o custo de produção?

Como era a política de preços dos derivados antes da atual gestão?

Entre janeiro de 2003 e junho de 2016, a Petrobras optou por manter os preços dos derivados de petróleo mais estáveis, reduzindo o impacto das flutuações internacionais. Ainda que levasse em conta as variações dos preços internacionais, utilizava-se de outros fatores como contrapesos, como os custos e o volume da produção de petróleo e de refinado no país, a variação da demanda por derivados, entre outros.

Nesse mesmo período, a gasolina e o diesel sofreram apenas 15 reajustes de preços (para cima ou para baixo) e, entre 2005 e 2008, não houve nenhuma revisão de valor. O gás liquefeito de petróleo (GLP), o chamado gás de cozinha, não sofreu nenhum reajuste em refinaria entre 2003 e 2014. É importante lembrar que o preço do produto tem grande impacto sobre os custos de alimentação do trabalhador brasileiro. Não à toa, a recente escalada de preços teve como consequência o aumento do número de famílias que passou a usar a lenha para cozinhar.

Por outro lado, com a nova política, desde junho de 2016, a Petrobras já reajustou 216 vezes os preços da gasolina e do diesel. Para dar ideia do impacto, entre maio de 2017 e abril de 2018, a inflação acumulada pelo Índice de Custo de Vida (ICV/DIEESE) ficou em 2,79%. O aumento ocorrido no subgrupo transporte individual, de 11,47%, foi consequência, principalmente, da alta nos preços médios da gasolina (19,75%), do álcool (15,05%) e do diesel (10,99%); o subgrupo transporte coletivo, por sua vez, teve elevação de 5,35%.

Medidas que podem mitigar a atual crise

No cerne desse conflito está a disputa sobre quais grupos ganham e quais perdem com a atual política de preços da Petrobras. Ao que tudo indica, o consumidor final acaba, literalmente, pagando a conta, já que os custos de produção (incluindo o transporte) acabam repassados ao preço final, com maior impacto sobre as camadas médias e mais pobres da sociedade.

Uma eventual redução dos preços dos combustíveis via diminuição de impostos implica, necessariamente, renúncia fiscal. Nesse momento de baixa arrecadação e déficit público, em que o financiamento de políticas públicas já está comprometido, essa solução compromete mais ainda a capacidade de ação do Estado brasileiro. O corte na Cide (Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico), no PIS/Cofins ou no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) resultarão em medidas paliativas, se não houver uma mudança na política do setor de petróleo no Brasil que transforme, de forma mais estrutural, a dinâmica de preços. Além disso, é um custo que novamente será pago pela população.

É fundamental o fortalecimento da capacidade do Estado brasileiro para administrar as flutuações externas de custos, reduzindo o impacto da dinâmica geopolítica internacional do petróleo, e, ao mesmo tempo, direcionando a política interna de preços para o atendimento dos interesses dos consumidores. Como empresa estatal, a Petrobras deveria ter a atuação voltada para esses interesses e não favorecer os investidores estrangeiros e especuladores que ganham em torno da livre flutuação de preços.

As empresas estatais diferem das privadas na medida em que, pela natureza, deveriam tomar decisões orientadas pelo interesse coletivo e não apenas por critérios econômico-financeiros. É possível gerir empresas estatais de forma eficiente, sob a perspectiva do interesse público. A análise das experiências de países desenvolvidos mostra a viabilidade de diferentes tipos de gestão no setor público, com controle social, que possibilitam reduzir acentuadamente problemas relacionados à corrupção e à apropriação indevida por interesses privados.

Conforme mostrado na Nota Técnica 1897, do DIEESE, as empresas estatais cumprem importante papel no atendimento aos interesses da sociedade. Entre outras funções, desenvolvem setores de atividade econômica e gestão de recursos estratégicos para a garantia da soberania nacional. Cumprem também o importante papel no provimento de bens e serviços essenciais à vida, conforme define inclusive a Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, diante do atual cenário, algumas iniciativas podem ser adotadas pela Petrobras e pelo governo federal para tentar resolver o conflito com o movimento que envolve caminhoneiros, com redução de preços também para a população em geral. Vale chamar atenção para o fato de que a principal reivindicação do movimento é a redução dos preços do diesel.

Medidas:

  • Recuar da política de paridade internacional nos preços dos derivados, principalmente diesel, gás de cozinha e gasolina, e levar em consideração outros fatores, como a produção de petróleo e refino no país, custos para essas produções, câmbio, demanda por derivados.
  • Aumentar o volume de petróleo refinado em refinarias próprias, que atualmente utilizam apenas 68% da capacidade total. Como apontado anteriormente, é possível refinar 2,4 milhões de barris/dia e atender a demanda interna (com cerca de 2,2 milhões/dia), dependendo menos do mercado internacional (seja de produção ou preço dos refinados).

Como estão reagindo os petroleiros

O movimento sindical petroleiro vem discutindo e apontando problemas nessas escolhas estratégicas da atual gestão da Petrobras, já há alguns anos. No caso específico da Federação Única dos Petroleiros (FUP), foi aprovada, em assembleia com a categoria, uma greve, em fase de organização, para os próximos dias, cujas bandeiras são:

  • Redução dos preços dos combustíveis;
  • Manutenção do emprego e retomada da produção das refinarias;
  • Fim das importações de derivados;
  • Contra a política de privatização da Petrobras;
  • Democracia.

  1. Entre 22 de abril e 22 de maio de 2018.
  2. A política de preços adotada anteriormente a esse período é melhor descrita em outra seção deste texto, mais adiante.
  3. Vale lembrar que todos os países que produzem petróleo sempre importam derivados de outros países, pois depende do tipo de petróleo que cada país produz.
  4. No 1º trimestre de 2018, a Petrobras exportou 496 mil barris/dia de petróleo cru.
  5. Também no 1º trimestre de 2018, a Petrobrás exportou 190 mil barris/dia de derivados de petróleo.
  6.  Fonte: ANP, Relatório de Licenças de importações, maio de 2018.
  7. Nota Técnica nº 189 – Empresas estatais e desenvolvimento: considerações sobre a atual política de desestatização, de janeiro de 2018. Ver em:
    https://www.dieese.org.br/notatecnica/2018/notaTec189Estatais.html

DIEESE: “O gás liquefeito de petróleo (GLP), o chamado gás de cozinha, não sofreu nenhum reajuste em refinaria entre 2003 e 2014. É importante lembrar que o preço do produto tem grande impacto sobre os custos de alimentação do trabalhador brasileiro”.

Foto: Divulgação/Agência Petrobras

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