Publicado no DCM.
Membros do Ministério Público estão sendo perseguidos pelo movimento Escola sem partido que, por meio de representações junto ao Conselho Nacional da instituição, o CNMP, busca impedi-los de denunciar as arbitrariedades contidas no projeto de lei elaborado pelo movimento.
Entre outros absurdos, a proposta torna obrigatória a colocação de cartazes em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio com “instruções” sobre o que é ou não permitido ao professor debater, numa espécie de lei da mordaça contra os docentes.
Membros do MPSP têm recomendado a rejeição completa da matéria, sob a justificativa de “proteção da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Tais rejeições têm gerado a ira do movimento, que busca de todas as formas censurar agente públicos preocupados em defender a Constituição Federal.
O promotor Gustavo Roberto Costa, que recomendou ao prefeito do Guarujá a rejeição do projeto, e que teve o nome “lembrado” em representação contra integrantes do MP de Campinas, falou ao DCM.
Ele explica que o Escola sem Partido confunde defesa de direitos constitucionais com atividade político-partidária e que o objetivo do movimento é reduzir o debate amplo de ideias a uma visão única, censurando professores e enganando a população com argumentos falaciosos.
DCM – Quais são as arbitrariedades do projeto Escola sem Partido?
Gustavo Roberto Costa – As pessoas têm direito a um debate plural, heterogêneo, e o Escola sem partido pretende restringir esse debate a uma visão de mundo supostamente não ideológica. Só que essa visão, talvez eles não percebam, também é ideológica, uma vez que é colocada como a versão verdadeira dos fatos, da história. Ele entendem, por exemplo, que o professor que ensina comunismo é um comunista, e que ele usa seu poder e audiência para colocar na mente dos alunos que seu pensamento é o correto.
Quem está por trás dessas ideias?
Não saberia dizer quem está por trás dessas representações, dessa perseguição a professores, educadores e até promotores, mas sei dizer que essas pessoas servem a um projeto político ideológico, que pretende retirar da educação qualquer forma de pensamento crítico, qualquer forma de pensamento emancipador por parte dos alunos.
Passam a ilusão de que todas as pessoas do mundo deveriam pensar da mesma forma. A subjetividade nos permite ter concepções de mundo diversas, divergentes. E é exatamente essa pluralidade que compõe um estado democrático que busca estimular o pensamento crítico de seus jovens.
Faz sentido o argumento de que professores tentam doutrinar os alunos?
Esse movimento tenta impor uma versão única para questões complexas, que não podem ser explicadas a partir de uma só visão. Ou seja, ao argumento de que é preciso retirar pensamentos ideológicos de alunos, por parte de professores, ele impõe a sua própria ideologia, porque o pensamento autoritário, o pensamento que pretende acorrentar o ensino e o aprendizado é dotado de forte carga ideológica.
Como recebeu a notícia de que seu nome foi citado em uma das representações que o Escola sem Partido apresentou ao CNMP?
Fiquei surpreso. Há um movimento autoritário no País, devido a grandes conflitos na disputa política, e grupos conservadores, reacionários, tentam evitar que setores da população se preparem, estudem, sejam capazes de fazer suas próprias leituras do mundo e possam, no futuro, reivindicar a sua emancipação.
O que tem a dizer sobre a acusação de que o MP toma partido, não é isento, ao recomendar a rejeição do projeto inconstitucional?
É um equívoco dizer que não se pode tomar partido na escola, onde quer que seja, porque a palavra “partido” tem uma conotação muito ampla, assim como a palavra “política”, que não se resume à atividade político-partidária, aos partidos políticos.
A Constituição Federal e as leis tomam partido a favor dos direitos humanos, tomam partido a favor da prioridade absoluta e da proteção integral de crianças e adolescentes, da prioridade absoluta da proteção à família, no sentido amplo de família, da proteção absoluta e o respeito à dignidade humana. Então, isso é tomar partido, por uma causa que é a proteção dos direitos e garantias fundamentais. Dizer que um professor não pode tomar partido, considerando que a própria Constituição toma partido, é, no mínimo um equívoco muito grande, para não dizer má fé. Como foi a tentativa de censurar seu trabalho?
A Câmara municipal do Guarujá votou, deliberou e aprovou esse projeto de lei no mesmo dia, da forma como foi apresentado, sem maiores debates com a população, sem maiores reflexões e diálogo com a sociedade. Em razão disso fiz uma recomendação ao prefeito para que ele vetasse integralmente o projeto. A partir disso, ele acolheu nossas razões e vetou a matéria. Todavia, a Câmara Municipal se reuniu no início desse ano e derrubou o veto, fazendo com que a lei inconstitucional entrasse em vigor.
Então no Guarujá está em vigor o Escola sem Partido?
Está em vigor. Infelizmente, os professores já podem começar a sofrer essa perseguição por parte de vereadores, administradores etc.
E quais são os próximos passos para tentar impedir esse retrocesso?
Temos já uma decisão do Supremo Tribunal Federal, suspendendo a eficácia de uma lei parecida, no estado de Alagoas, em decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso. Temos também manifestações do Ministério Público Federal pela inconstitucionalidade do projeto, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Além disso, a Procuradoria Geral da República tem ingressado com ações de descumprimento de preceito fundamental para questionar a constitucionalidade de leis municipais que instituem esse programa, já que segundo a Constituição de 1988, cabe à União legislar sobre o tema. Então, estamos baseados em posições jurídicas muito bem fundamentadas para defender a inconstitucionalidade desse projeto.
E o que pode ser feito?
Encaminhamos uma representação por inconstitucionalidade ao procurador geral de Justiça do estado, porque ele tem legitimidade para questionar a constitucionalidade de leis estaduais junto ao Tribunal de Justiça. Encaminhamos uma representação, para que ele ajuíze uma ação direta de inconstitucionalidade para que o TJ derrube os efeitos dessa lei no município.