A sala do Cine Brasília, palco histórico do cinema brasileiro, estava lotada para a sessão, que foi seguida de debate com a diretora, com a professora de Direito Penal da UnB, Beatriz Vargas, e com o advogado de defesa de Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça de seu governo deposto.
A edição do filme, sem entrevistas, apenas com imagens e falas dos envolvidos no processo de destituição de Dilma, deixa para o espectador parte da função de dar sentido à narrativa que expõe as vísceras do que o senador Jorge Viana classificou, em fala no documentário, como um “jogo de cartas marcadas”.
A hoje indubitável frase do senador Romero Jucá, “com o Supremo, com tudo”, dita em conversa gravada pela Justiça, e revelada à época das filmagens, também tem espaço na edição, que conta com outras inserções de áudio, externas aos acontecimentos no Congresso, para melhor ilustrar e contextualizar o que estava por trás do “impeachment” que colocou Michel Temer no poder.
No debate que sucedeu a apresentação, José Eduardo Cardozo destacou a habilidade da diretora Maria Augusta Ramos em transformar 450 horas de gravação de um processo desgastante em poucas horas de filme. “Antes de ver, eu tinha muita curiosidade para saber como a Guta ia fazer esse documentário, como ela ia traduzir meses em poucas horas. Porque eram tantas imagens e falas. O meu discurso final e o da advogada de acusação, por exemplo: uma hora e meia. E ela conseguiu pegar um fio condutor narrativo que capta exatamente a percepção de alguém que assistiu àquilo durante todo o tempo, como eu”, disse Cardozo.
Guta Ramos também ressaltou a dificuldade que foi, para ela, montar o documentário, apesar da experiência de quem já havia realizado, antes de “O Processo”, seis filmes. Segundo ela, o produto final é resultado de uma visão construída ao longo da produção. “Como foi difícil escolher os momentos. Tem um processo cinematográfico, é claro, e tem uma visão de mundo. O filme não é a realidade, é uma representação daquela realidade que estou retratando, ou seja, daquele processo, e essa visão se deu ao longo desse processo também”, afirmou.
Já Beatriz Vargas lembrou da referência no título do filme ao romance homônimo de Franz Kafka. De acordo com a docente, é inevitável a comparação entre os absurdos enfrentados pelo personagem Josef K. e os absurdos que levaram à destituição da primeira mulher eleita – e reeleita – presidenta do País.
Com estreia no circuito comercial nacional marcada para o dia 17 de maio, “O Processo” já ganhou prêmios de destaque, como o de melhor longa-metragem do Festival Internacional de Documentários da Suíça e o 3º lugar na preferência do público da principal competição paralela do Festival de Berlim, a mostra Panorama.
Maria Augusta Ramos é premiada internacionalmente. Seguno informações de seu site oficial, Em 2014, recebeu o Prêmio Marek Nowicki, da Helsinki Foundation of Human Rights pela sua obra. Formou-se em música na Universidade de Brasília e cinema na Netherlands Film and Television Academy, em Amsterdã. Seus documentários foram exibidos nos mais importantes festivais de cinema e documentário do mundo, incluindo retrospectivas.
Fotos: Roberto De Martin