Publicado no Empório do Direito.
1) VIOLAÇÕES DO SISTEMA PROCESSUAL PENAL ACUSATÓRIO
A imprensa tem noticiado que alguns ministros do S.T.F. têm arquivado inquéritos policiais sem que, nesse sentido, tenha havido requerimento do Ministério Público (arquivamento de ofício).
Nestes inquéritos, figuravam como indiciados parlamentares de diversos partidos.
Desde o distante ano de 1982, em texto constante do livro que divido com o amigo Pierre Souto Maior, venho sustentando que os juízes não podem impedir que o Ministério Público exerça a ação penal pública. Oferecida a denúncia – acusação formal do titular da ação condenatória – aí sim caberá ao Poder Judiciário admitir ou não a imputação feita nesta peça inicial do processo penal.
Aliás, os magistrados não devem sequer atuar na fase pré-processual, antes da acusação do Ministério Público, tendo em vista os postulados do chamado processo penal acusatório e para não comprometer a sua imparcialidade. Os juízes não devem participar da investigação inquisitória que pertence à Polícia, com a fiscalização do Ministério Público.
Em razão destas distorções, o ministro Barroso devolveu inquérito à autoridade policial sem ouvir previamente o Ministério Público, que poderia, se fosse o caso, oferecer sua denúncia, requerer o arquivamento deste inquérito policial ou requisitar diligências específicas à Polícia.
O Poder Judiciário está achando que é “dono” da investigação inquisitória, com desvios ainda maiores do que se tivéssemos o chamado “juizado de instrução”.
A legislação que coloca os magistrados atuando na fase em que não há jurisdição, ação e processo não é compatível com o sistema processual penal que se extrai da Constituição da República de 1988.
No futuro, espero que tenhamos o chamado “juiz de garantias”, que irá atuar nesta fase inquisitória para desempenhar atividade jurisdicional cautelar e, mesmo assim, só quando provocado por petição do Ministério Público, ofendidos ou indiciados.
Acho importante aprimorar o nosso sistema processual, bem definindo as funções dos seus protagonistas. O Estado de Direito agradecerá.
2) É O MÍNIMO QUE SE PODE ESPERAR DA NOSSA MAGISTRATURA…
Se os magistrados não tiverem seriedade de propósitos, honestidade intelectual e comprometimento com os valores do humanismo e da justiça social, nós não teremos jamais segurança alguma em relação aos nossos direitos e em relação à nossa liberdade.
É impossível compatibilizar o Estado Democrático de Direito, prometido expressamente em nossa Constituição da República, com um Poder Judiciário punitivista, ativista, que “flexibiliza” direitos fundamentais e sociais elencados na Constituição.
É impossível compatibilizar o Estado Democrático de Direito com um Poder Judiciário que assume um “lado” ideológico em nossa sociedade.
É impossível compatibilizar o Estado Democrático de Direito com um Poder Judiciário que se “irmana” com a Polícia e o Ministério Público para “combater” a criminalidade. Vale dizer, magistrados que previamente desejam punir seus futuros réus.
É impossível compatibilizar o Estado Democrático de Direito com um Poder Judiciário composto por magistrados sem cultura geral e sem estudo sistemático das melhores obras jurídicas.
Não atende aos anseios de uma sociedade, que se deseja justa e solidária, um sistema de justiça no qual a maioria dos magistrados se limita a copiar, via computador, decisões anteriores e súmulas dos tribunais superiores.
Tudo dito acima, quando couber a analogia, vale também para o Ministério Público, de uma forma geral.
Acho que precisaremos esperar algumas gerações para mudar este lamentável estado de coisas.
Mesmo assim, tal desejada mudança só poderá ocorrer se houver uma verdadeira democratização da grande imprensa.
É o que aguardam os meus netos !!!
Afrânio Silva Jardim é membro do Transforma MP. Professor associado de Direito Processual Penal da UERJ, mestre e livre-docente em Direito Processual, Procurador de Justiça (aposentado).
Foto: Levante Popular da Juventude – Bahia