“Samba de Orly”

Por Rômulo de Moreira Andrade, na Carta Capital.

Vai meu irmão
Pega esse avião
Você tem razão
De correr assim
Desse frio
Mas beija
O meu Rio de Janeiro
Antes que um aventureiro
Lance mão

Pede perdão
Pela duração (Pela omissão)*
Dessa temporada (Um tanto forçada)*
Mas não diga nada
Que me viu chorando
E pros da pesada
Diz que eu vou levando
Vê como é que anda
Aquela vida à toa
E se puder me manda
Uma notícia boa.”

Soube que o meu amigo Rubens vai morar na França, junto com Márcia. Quando ele me disse a notícia, lembrei logo da canção de Chico e Vinicius. Óbvio que não se trata de uma fuga, mas de uma “medida de precaução”, digamos assim…

Fiquei triste, não somente pela distância que nos não ligará, mas, especialmente, pelo fato desse exílio voluntário dá-se, exatamente, em razão dos tempos fascistas que estamos vivendo, muito particularmente também, em razão do novo governo do Brasil.

Sinto muitíssimo pelo nosso País – tão grandioso! -, pelas nossas riquezas, pelo nosso patrimônio, pela nossa cultura, pela nossa arte e, sobretudo, pelo nosso povo.

E, sofro ainda mais, sabendo que já houve um tempo (passado e triste) assim por aqui. Gente boa como Freire, Darcy, Arraes, Chico, Caetano, Gil, Mautner, e dezenas e dezenas de outros e outras, também se viu obrigada, uns por precaução outros por coação (explícita ou implícita), a deixar a sua terra.

Eu, que não vivi como adulto aqueles tempos de chumbo, que não sofri perseguições políticas nem ideológicas impostas pelos militares e pelos (subservientes) civis a serviço da caserna, nunca imaginei que viveria, já quase velho, tamanha tristeza.

Tristeza de ver o meu País expulsar sua gente. Gente que não conspirou contra ele, muito ao contrário, amou-o! Gente que lutou bravamente pela democracia, pelos valores republicanos e pelas liberdades públicas.

E gente, afinal de contas, foi feita para olhar “pro céu. Gente quer saber o um, gente é o lugar de se perguntar o um. Das estrelas se perguntarem se tantas são, cada, estrela se espanta à própria explosão.

Gente é muito bom, gente deve ser o bom, tem de se cuidar, de se respeitar o bom. Está certo dizer que estrelas estão no olhar de alguém que o amor te elegeu pra amar. Gente viva, brilhando estrelas na noite. Gente quer comer, que ser feliz, quer respirar ar pelo nariz. Não, meu nego, não traia nunca essa força não, essa força que mora em seu coração. Gente lavando roupa, amassando pão. Gente pobre arrancando a vida com a mão.

No coração da mata gente quer prosseguir, quer durar, quer crescer, quer luzir. Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome. Gente deste planeta do céu de anil. Gente, não entendo. Gente nada nos viu. Gente espelho de estrelas, reflexo do esplendor. Se as estrelas são tantas, só mesmo o amor. Gente espelho da vida, doce mistério.

Vida, doce mistério…1

Definitivamente, gente não foi feita para deixar a sua terra natal, ainda mais por precaução.

Vai meu amigo Rubens, vai Márcia, e voltem! Estarei aqui esperando por vocês, para festejarmos juntos e com nossos tantos amigos comuns, o retorno do Brasil aos tempos de tolerância, em que não reine mais a homofobia, o fascismo, o racismo, as fake news, as milícias, a burrice, a ignorância, etc.

Não tenho dúvidas que este tempo voltará. O povo brasileiro o merece. Nós merecemos e a História do Brasil haverá de registrar estas voltas, estes retornos. Enquanto isso, fico por aqui, lembrando de vocês e continuando a luta, a nossa luta!

Vai meu irmão, e volte para o seu Rio de Janeiro, antes que um aventureiro lance, definitivamente, mão, lembrando que “o povo, a liberdade, o progresso são elementos constitutivos da democracia; mas se um deles se emancipa de suas relações com os outros, escapando assim a qualquer tentativa de limitação e erigindo-se em único e absoluto, eles transformam-se em ameaças: populismo, ultraliberalismo, messianismo, enfim, esses inimigos íntimos da democracia.2

NOTAS:

  1. Dedico este pequeno artigo, como uma breve despedida, ao meu querido amigo Rubens Casara, e para Márcia Tiburi.

  2. BUARQUE, Chico, TOQUINHO e MORAES, Vinicius de, “Samba de Orly” (versos originais vetados pela censura).

  3. VELOSO, Caetano, “Gente”.

  4. TODOROV, Tzvetan, “Os Inimigos Íntimos da Democracia”, São Paulo: Companhia das Letras, 2014, página 18.


Fonte da imagem: https://cebi.org.br/noticias/etica-democracia-e-educacao/attachment/democracia/

 

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